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Comportamento

De All Star, quem prova a culpa num crime acredita cada vez menos na humanidade

Paula Maciulevicius | 25/06/2014 06:50
O All Star que sempre acompanha Amilcar já pisou em homicídios friamente planejados e em acidentes em rodovias onde não restou nada de ninguém. (Fotos: Cleber Gellio)
O All Star que sempre acompanha Amilcar já pisou em homicídios friamente planejados e em acidentes em rodovias onde não restou nada de ninguém. (Fotos: Cleber Gellio)

Os 25 anos de perícia, a assinatura nos laudos dos crimes de maior repercussão no Estado e a experiência de provar por a+b a ação dos suspeitos na cena, lhe ensinaram a acreditar cada vez menos na humanidade. Quando Amilcar da Serra e Silva Neto entrou na perícia civil os cabelos que hoje são tomados pelo branco ainda tinham cor. O All Star que sempre o acompanha nos pés já pisou em homicídios friamente planejados e em acidentes em rodovias onde não restou nada de ninguém.

Hoje, chefe do setor de apoio técnico do Instituto de Criminalística, ele aprendeu com o tempo e a crueldade dos crimes a se distanciar. Entra em cena o Amilcar profissional, fica em casa o pai de família, o filho, o irmão. "Nós nos adaptamos para ver aquilo, quando venho para cá, eu separo. Se eu misturar, fica difícil já vou perder o foco, deixar a razão pela emoção e sou perito tenho que materializar o local", resume. Além do mais, o que é impactante para a gente que acompanha os casos pela imprensa, ou ainda que de perto, mas não ali, para ele não é tanto.

"Por exemplo, tem casos que você vê o corpo destroçado, principalmente acidente de trânsito e ali se pensa é um crime culposo. Às vezes você vê um corpo que só levou um tiro e foi planejado", compara. 

O trabalho de provar a ação de um suspeito no crime é minucioso e envolve todos os setores do Instituto de Criminalística.
O trabalho de provar a ação de um suspeito no crime é minucioso e envolve todos os setores do Instituto de Criminalística.

Amilcar é engenheiro civil e também cursou Direito, entrou na perícia por gostar de juntar as peças de um quebra-cabeça. Salvo algumas exceções, o trabalho diário é este mesmo, de colher impressão digital, manchas de sangue, projétil e todos os vestígios necessários para solucionar um caso. "Quem matou, por que, quando foi, esse quebra-cabeça, esse clima de mistério que me atrai", explica.

A distância que ele criou entre a vida pessoal e o trabalho não nasceu com ele, foi crescendo a medida em que a crueldade dos fatos também ampliou. Ainda nos primeiros anos de perícia, Amilcar se deparou pensando como pai num acidente em rodovia.

"Poucas vezes me identifico com a cena do crime, mas ali eu tinha uma filha naquela idade, 4 anos, que foi projetada para fora do carro. Ao lado dela tinha uma boneca, lembrei da minha filha. Mas o esquema é você esquecer da tua vida, o meu trabalho é provar o que aconteceu, como e se toda vez eu for ficar pensando foi um pai que matou uma criança, se eu ficar pensando..."

A linha entre o emocional e o racional para quem lida com vestígios que podem incriminar quem se diz tão inocente e inocentar quem pode já estar preso é tão tênue que se deixar a cabeça levar aquilo que se vê para o coração, Amilcar, como qualquer outro perito, pode achar um caso pior que o outro. "Não sei se foi natural, começou gradativamente e quando me dei conta já conseguia. Eu acho que é a melhor salvação é essa distância que a gente consegue", afirma.

Mas a "frieza" que passou a lhe acompanhar com o tempo diante dos episódios cai por terra na hora dos relatórios. A prova de que tudo fica na memória está ali. "Eu lembro de tudo, detalhe por detalhe, escrevo o laudo quase sem olhar para o que anotei, só para pegar algumas datas, quase tudo está na memória", conta.

A distância que ele criou entre a vida pessoal e o trabalho não nasceu com ele, foi crescendo a medida em que a crueldade dos fatos também ampliou.
A distância que ele criou entre a vida pessoal e o trabalho não nasceu com ele, foi crescendo a medida em que a crueldade dos fatos também ampliou.

O último caso de grande repercussão no Estado, pelo menos para a imprensa, foi o do mecânico de Coronel Sapucaia, que antes de provocar o incêndio na conveniência que matou seis pessoas da família dele, entre elas três crianças, usou um pedaço de madeira para golpear as vítimas na cabeça, incluindo a própria filha de 9 meses. Quando se prova por a+b a culpa do suspeito em cena, a gente pergunta se ainda dá para acreditar na humanidade. Amilcar responde um não progressivo. "Cada vez acredito menos", mas o que espanta é a análise maior que ele faz. A não crença não está relacionada ao criminoso em si. Agrega muito mais os 'julgadores' e quem quer fazer justiça às próprias mãos.

"Todo mundo se acha no direito. Quem são as pessoas para julgar outro e matar? Você vê que a população toda é assim, se o cara estivesse daquele lado, ele também estaria gritando e apontando. Você desacredita um pouco no ser humano porque sabe que qualquer um faz uma coisa dessas, basta a oportunidade".

Amilcar é telespectador dos programas CSI e diz que, na prática, o trabalho tem muito dos episódios, mas não com tanta rapidez como na TV. "De pegar uma saliva e sair o resultado na hora? Isso pode levar mais de um dia processando. Eu assisto, mas não é bem aquilo", exemplifica. O que o perito constata é que depois de anos de seriados no ar, a perícia ficou mais valorizada diante do público, mas também deixou a população mais exigente. "E a gente tem que responder à altura", comenta.

Amilcar já poderia estar aposentado desde dezembro. Esse ano ele acha que vai, talvez mais para o final. O problema está no "vício" que o trabalho se transformou. "O mistério, o quebra-cabeça, o enigma, faz com que não queira me aposentar. É difícil encontrar alguma coisa assim lá fora".

Amilcar que já podia estar aposentado desde dezembro, talvez deixe o trabalho este ano.
Amilcar que já podia estar aposentado desde dezembro, talvez deixe o trabalho este ano.
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