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Comportamento

De salto 15, família de drags faz a noite em boate dando na cara do preconceito

Paula Maciulevicius | 03/12/2015 06:42
De "Alice", Valentina Hilst e as filhas: Lana (à esquerda) e Maya (à direita).
De "Alice", Valentina Hilst e as filhas: Lana (à esquerda) e Maya (à direita).

Valentina, Lana e Maya compõem a família "Hilst". Mãe drag e filhas, elas se montam juntas e caminham de salto 15 pelas noites da Feat Club, boate voltada ao público LGBT de Campo Grande. O salto alto contrasta com a barba de uma delas. Lana insiste em mantê-la para dar mais personalidade à drag queen que se transforma nos finais de semana.

A mãe, Valentina, tem apenas 18 anos e é chamada assim por encaminhar as demais. Se tornou "mãe" por dar dicas e trocar a experiência de dois meses de atuação. Com a primeira filha, Maya, foi entre as compras de maquiagem e puxões de orelha que ela mesma resolveu se intitular assim, já para Lana, partiu dela o pedido para que Valentina fosse essa espécie de fada madrinha.

O trio aparece nos finais de semana, de salto alto, peruca e montadas no estilo, na boate. Mas a única que encara como trabalho mesmo, por enquanto, é Valentina. Para preservarem a família, elas pedem para não serem identificadas. A reportagem aqui aborda quem são as drags queens e por que elas resolveram dar a cara à tapa assim.

Valentina se monta há dois meses, é hostess e DJ na Feat Club. (Foto: Adriana Cantagessi)
Valentina se monta há dois meses, é hostess e DJ na Feat Club. (Foto: Adriana Cantagessi)
"Mãe", descobriu na arte de ser drag a militância contra o preconceito, em cima do salto 15.
"Mãe", descobriu na arte de ser drag a militância contra o preconceito, em cima do salto 15.
Filha Maya Bombsshell Hilst, drag há um mês por hobby e bandeira política.
Filha Maya Bombsshell Hilst, drag há um mês por hobby e bandeira política.

Se Valentina tivesse uma filha, seria esse o nome dela. Por gostar e por ser "forte", ela escolheu dar voz à personagem que surge dentro dela às sextas e sábados. "E de certa forma ela é uma filha minha. Brinco que é a minha feminilidade elevada à última potência", descreve Valentina. O Hilst, adotado também pelas filhas, vem da poetisa Hilda Hilst, que revela que por trás da make tem conteúdo literário e uma característica da vida pessoal dela.

"A Valentina não é só close na boate. Ela vai muito além dessa fronteira, ela é social, político-cultural, é tudo. Drag para mim é você conseguir e poder transformar desde o seu corpo, à sua personalidade e mente", explica Valentina. Ela cursa faculdade e segue também a trilha da liberdade dizendo que o sinônimo de drag para ela é este: ser livre para ser o que quiser, sem ser julgado pela sociedade.

As três abriram mão do considerável "privilégio" de serem homens brancos e de classe média para ser mulher por 3 ou 4h. "É uma carga muito grande você por uma peruca e sair na rua. A gente consegue vivenciar um pouco do que vocês mulheres vivenciam todos os dias, de serem olhadas como objeto", conta Valentina.

Como uma bandeira e carga política, Valentina não se montou da noite para o dia, embora esteja desfilando só há dois meses. "Ela surgiu de um processo artístico, não foi por roupa, maquiagem e pronto", diz a drag. Ela já frequentava boates e foi criando aos poucos a personagem, treinando primeiro a maquiagem, para depois dar o pontapé inicial.

A nova leva de drags que têm saído das penteadeiras para as baladas são em parte influenciadas pelo reality americano "RuPaul's Drag Race". Valentina sempre teve vontade, mas faltava coragem, porque sim, afeta família, relacionamentos e amizades. "A gente vive numa sociedade heteronormativa, o próprio meio LGBT discrimina", pontua.

Mãe e filha - Valentina e Maya.
Mãe e filha - Valentina e Maya.
Mãe e filha - Valentina e a drag de barba, Lana.
Mãe e filha - Valentina e a drag de barba, Lana.

O começo da "mãe" foi ser hostess para depois de aulas, virar também DJ da casa. Em pouco tempo já são mais de 5,4 mil seguidores de Valentina Hilst no Instagram e uma leva de mensagens agradecendo. "As pessoas falam você está me dando coragem. Isso é muito compensador".

Drag queen não é gênero, como transexual e travesti. E Valentina gosta de frisar isso. É homem, nasceu homem e se identifica com o sexo masculino. Nos palcos e na recepção da boate, ela é uma personagem. Faz arte como Suzana Vieira atua nas novelas, como compara ela mesma. A diferença é que ao invés da TV, o meio é a noite.

Quando começou, Valentina conta que não teve uma "mãe" que a pegasse pela mão dizendo o que fazer e não fazer. "Eu tinha uma amiga que se monta e a gente conversava, brinco que minha mãe foi o Youtube", fala aos risos. Os tutoriais e as redes sociais de drags Brasil afora serviram de inspiração para que ela hoje inspirasse as filhas.

"Na verdade ela não me ensina só isso, de maquiagem, de drag, tem me dado conselhos que vão além", conta Maya Bombsshell Hilst. Com 18 anos de idade e menos de um mês de drag, ela encontrou na personagem o apoio que precisava para se sentir linda.

"Eu nunca me senti bem com o meu corpo, quando eu coloquei a roupa de drag, nossa, 'estou mulherona, gata, com peitão, bundão'. Eu sou bonita assim, do meu jeito", enxerga. O Maya veio de outra drag que ela admirava pela maquiagem fina, o Bombsshell do significado: mulherão e Hilst, de família.

Lana trouxe personalidade à personagem, com barba e tudo.
Lana trouxe personalidade à personagem, com barba e tudo.

As drags têm suas vertentes e podem se apresentar como performáticas, caricatas ou "fish girl", termo usado, segundo elas, relacionando o cheiro de peixe à vagina. "É meio pejorativo, mas é uma expressão para falar que é muito feminina", interfere na explicação Valentina.

A mãe não tem rótulo, diz que mistura tudo, mas acaba sendo mais fish girl também. Com Maya, a intenção é de ser provocativa ao extremo. De roupas curtíssimas. "Não sei se é militante o termo, mas eu escolhi por isso: ver um homem drag de roupa curta na balada? As pessoas julgam muito", diz Maya.

Lana Hilst tem 19 anos de vida e um mês de performance. Foi por admirar o trabalho de Valentina que ela também resolveu se montar. A inspiração para o nome vem do que ele quer dizer: "reluzente". A peculiaridade principal de Lana está na barba que ela não tira, nem esconde, muito pelo contrário.

"Coloco glitter para chamar mais atenção. Você ser drag tem que ter um estilo seu, ser autêntica e gosto d aminha barba, aqui na cidade não encontra drag assim e eu quis trazer essa personalidade", explica Lana. O objetivo dela, que também é estudante, é investir na carreira para então começar a ter retorno financeiro.

Sobre completar o trio, ela diz que como uma família, as Hilsts se ajudam. "Você não consegue se montar sozinho, precisa de duas, três pessoas do seu lado e alguém que já está no meio", completa. Também feminina, Lana fecha o clã de salto 15, barba e uma maquiagem invejável.

Mãe e filhas, cada uma ter sua personalidade e o que vai definir a personagem. Mas acima de tudo, está o empoderamento. "Ser drag é um ato político, uma arma, é ser militante. A gente vive numa sociedade machista e a partir do momento que você coloca salto alto e perua para dar a cara à tapa, isso é um ato político", resume a mãe, Valentina.

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