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Comportamento

Do mochilão pela América do Sul, ele despachou a bagagem pra voltar pedalando

Paula Maciulevicius | 07/08/2013 06:23
Uns meses depois de ter sido demitido ele embarcou num mochilão e na paixão pelo Pantanal, decidiu voltar de bicicleta para casa, em Roraima. (Foto: Marcos Ermínio)
Uns meses depois de ter sido demitido ele embarcou num mochilão e na paixão pelo Pantanal, decidiu voltar de bicicleta para casa, em Roraima. (Foto: Marcos Ermínio)

Ele jogou tudo para o alto, saiu de Roraima e desde maio está na estrada da vida. Sabe aquilo que todo mundo já pensou em fazer um dia? Chutar o balde, jogar tudo para o alto e embarcar numa viagem sem destino certo e tempo pra acabar? Dar umas férias à cabeça, alma e coração... Jackler Miguel da Conceição, de 27 anos, está fazendo isso desde o dia 31 de maio, uns meses depois de ter sido demitido ele embarcou num mochilão pela América do Sul, se apaixonou pelo Pantanal e resolveu tocar a trilha de bicicleta. Só em Mato Grosso do Sul, já pedalou 968 quilômetros.

A gente encontrou ele por Bonito, durante o Festival de Inverno. Mas o aventureiro só ficou mesmo para a abertura e tocou viagem no dia 1° de agosto para a Capital, chegou aqui no domingo e nessa terça pegou a estrada de novo, em direção a Cuiabá. É que a saudade de casa começou a bater forte.
Foram quatro anos e meio pulando de um emprego para outro e assumindo cada vez mais responsabilidades num setor de estresse: empresas de telefonia. As férias ficaram de lado e o estresse foi se acumulando. Claro que isso um dia ‘explode’ de alguma forma, o rendimento cai e em janeiro acabou sendo demitido.

Nas palavras dele mesmo, quem trabalhou desde os 17 anos e se ver parado em casa, é óbvio, que não vai se acostumar com a ideia. Aí que ele deu uma surtada, economizou, vendeu o carro e com o dinheiro da rescisão é que vem se mantendo desde o dia 31 de maio, quando botou a mochila nas costas e o pé na estrada. Até agora, pelas contas dele, já foram gastos R$ 11 mil.

“No início eu ainda optava pelo conforto, mas depois a palavra que eu mais usei foi "econômica". Só não tive coragem de levantar a mão e pedir carona ainda”, brinca.

O trajeto estava definido e começou pela Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. Os planos eram de seguir viagem até a Argentina e Uruguai e de lá, na volta ao Brasil, tenta a vida no Rio Grande do Sul. Para isso, carrega na mochila a carteira de trabalho e os históricos escolares.

Em Santa Cruz de La Sierra, a curiosidade pelo Pantanal despertou e ele acabou despachando a bagagem de mochilão para Boa Vista, comprou uma bicicleta e todo material de camping. Desde o dia 17 de julho a viagem virou cicloturismo com destino a Roraima.

“Cheguei em Corumbá e tudo mudou. Eu quebrei o roteiro e segui sem pensar nas consequências, em quantos quilômetros, se o dinheiro ia ser suficiente...”

No Estado, a última andança, de Bonito a Campo Grande foram 257 quilômetros pedalados. Mas a viagem começou pegando Corumbá, Miranda, Bodoquena, até o município que há poucos dias recebeu o Festival. “De Porto Velho parece que tem uma balsa que passa pelo Amazonas, vou passar agora uns quatro dias dentro do rio”, conta.

Na mochila tem de roupas, documentos e alimentos já pré-prontos. Só não tem mapa, porque a viagem é mesmo no boca a boca. (Foto: Simão Nogueira)
Na mochila tem de roupas, documentos e alimentos já pré-prontos. Só não tem mapa, porque a viagem é mesmo no boca a boca. (Foto: Simão Nogueira)

Longe de arrependimentos, ele diz que se sente orgulhoso pelo que encontrou no caminho. “Um mundo de belezas naturais, humildade e simplicidade entre as pessoas e os lugares. Eu sempre curti esportes, mas confesso que dessa vez radicalizei”, admite.

A gente pergunta o que foi ou está sendo essa viagem e ele responde “um pouco de tudo. Me encontrar realmente e sair um pouco daquele pensamento que tudo era só trabalho, aproveitar mais a vida, viver. Fui curtindo a ideia de não ter responsabilidades e agora estou em paz e chegando na minha cidade vou trabalhar novamente, conheço meu potencial. Se souber lidar com os perrengues, uma viagem dessas é um mundo de paz”.

E se tratando de ‘perrengues’ no Estado, os dele foram durante os acampamentos em lugares que nem se quer pareciam ter sido habitados alguma vez na vida, onde qualquer barulho era interpretado como uma onça.
E percorrendo a estrada pelo Pantanal, ele não tinha como fugir dos ‘causos’ pantaneiros. Mais uma história que vai levar anotada na agenda, que tem registrado todo cicloturismo.

“Tive o prazer de encontrar todo um zoológico na estrada, muitas histórias de moradores, uns foram atacados por duas onças ao mesmo tempo com cicatriz e tudo mais”, relata.

A viagem que deve terminar daqui dois meses em casa, em Boa Vista – Roraima, já acumula 50 gigas de imagens, entre fotos e vídeos. “Eu estou conseguindo observar os detalhes ao meu redor. Com disposição e saúde, estou levando as energias positivas das pessoas que conheço. A única coisa que me faria voltar, de ônibus ou pegar um voo seria algo que colocasse em risco a minha vida. Ver os animais pela estrada, ouvir a buzina dos caminhoneiros que te cumprimentam...” Isso é parte do que na memória dele já ficou guardado.

Na bagagem, que era do mochilão e foi adaptada para a bike, tem material de sutura para o caso de se ferir. “Se uma onça tirar um pedaço de mim, eu tenho como me emendar”, diz.

Entre pequenas roupas, barraca, cobertas e comidas pré-cozidas, o que não tem são mapas. “Como nada foi planejado, eu estou achando legal, vou no boca a boca. Até a próxima visita”, se despede.

Jackler perdeu 8 quilos na balança, mas aposto que o peso maior foi tirar o estresse do dia a dia de cima dos ombros. Seja o tamanho da bagagem, pedalar com o mochilão está mais leve do que os quatro anos e meio que ele carregou sem férias.

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