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Comportamento

Doados para desconhecidos, mãe procura córneas e o coração do filho assassinado

Paula Maciulevicius | 01/11/2016 07:32
O mesmo abraço recebido no dia do sepultamento é o que a mãe quer dar em quem recebeu as córneas e o coração do filho. (Foto: Arquivo/Minamar Júnior)
O mesmo abraço recebido no dia do sepultamento é o que a mãe quer dar em quem recebeu as córneas e o coração do filho. (Foto: Arquivo/Minamar Júnior)

As córneas e o coração foram o que ficaram do filho assassinado às vésperas do aniversário. De Ike Cézar, do bom pai, do técnico em Enfermagem exemplar, do amigo para todas as horas. Quatro anos atrás, uma família vivia o pesadelo de ver no caixão quem sempre sorriu tanto para a vida. E hoje, a mãe procura o alento no abraço de desconhecidos que carregam consigo parte do que foi o filho. 

"Fez quatro anos, dia 28..." A frase é interrompida por um suspiro de quem flerta com a saudade. "Todos os dias é uma luta para a gente ficar de pé. Ele faz falta nas nossas vidas todos os dias", completa a confeiteira, Jaci Vieira do Nascimento, de 53 anos.

Ike Cézar Gonçalves morreu na manhã de um domingo de eleição, em 2012, depois levar um tiro na testa ao tentar separar uma briga, em frente a uma casa noturna na Rua Brilhante.

Ike Cézar foi morto com um tiro na testa, aos 29 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ike Cézar foi morto com um tiro na testa, aos 29 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em casa, antes daquele dia, Ike era a pessoa mais presente na vida da família. "A gente se falava todos os dias praticamente. Se não se via, se falava por telefone e não existe um dia sequer que a gente não fale dele", relata a mãe.

Aos finais de semana, para matar as saudades, dona Jaci pega os netos e leva para casa, tentando convencer a si mesma que é isso que os mantém de pé e junta a família despedaçada. "Não sei descrever a falta que ele me faz. Tem quatro anos que eu não ouço a voz do meu filho. No começo, falam pra gente: Jaci, vai passar... Mas não. Cada dia que passa é mais dolorido", tenta explicar.

Ike Cézar era técnico em Enfermagem e trabalhava na Santa Casa. Pai de cinco filhos, foi pela dedicação à profissão que a família autorizou doar os órgãos.

"Ele trabalha com isso, foi uma forma de homenageá-lo também e ele deve ter ficado muito feliz com isso", acredita a mãe. Pouco tempo depois do transplante, dona Jaci chegou a procurar a Santa Casa para saber para quem foram as córneas e o coração do filho, mas ouviu que o hospital não poderia interferir e acabou deixando pra lá.

"Queria tanto saber se a pessoa que recebeu está aproveitando. Sinto muito a falta de saber e eu gostaria de dar um abraço na pessoa que está com os olhos e o coração do meu filho", pede Jaci. "Eu acho que eu seria a pessoa mais feliz do mundo", ressalta. 

O que ela sabe das cirurgias é que aconteceram no decorrer do dia 28 de outubro de 2012, porque o corpo só foi liberado à noitinha. "Senão me engano, foi para o Paraná. No dia a gente estava, sabe? Sem saber o que fazer... Eu lembro que parece que vieram buscar, mas nem isso sabemos", conta a mãe. 

A vontade dela é, além de dar o abraço, saber se as pessoas que receberam estão bem. "A gente doou com muito carinho e cada vez que eu vejo algum caso na TV eu penso: 'ah se eu pudesse abraçar essa pessoa também'. Eu acho que me daria mais força...", encara a mãe.

E ao lembrar do dia da morte, Jaci repete para si mesma o que soa como um mantra. O agradecimento a Deus por ter lhe dado a chance de viver com o filho por quase 30 anos. "Agradeço todos os dias por ter ele na minha vida e uma coisa eu nunca falei para ninguém: eu sofro, meu filho se foi. Mas se tivesse sido ao contrário, ele tirado a vida de alguém, meu sofrimento era maior ainda. Eu sei onde ele está e sinto muita saudade".

Segundo a família, o acusado de matar o filho de dona Jaci, um policial militar foi condenado há 20 anos de prisão, mas só passou três dias preso. O caso ainda corre na justiça. 

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