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Comportamento

Dois meses de Medicina na Índia foram transformadores para uma campo-grandense

Thailla Torres | 24/02/2017 07:10
Zilá Machado na companhia de famílias que a acolheram em New Delhi, Índia. (Foto: Arquivo Pessoal)
Zilá Machado na companhia de famílias que a acolheram em New Delhi, Índia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Dona de um sorriso lindo e cheia de sonhos, a campo-grandense Zilá Machado, de 26 anos, decidiu ir contra tudo que ouvia para ter uma experiência diferente na vida. Há três semanas, ela desembarcou em Vadodara, na Índia e, ao contrário de uma viagem de férias, escolheu fazer ali a etapa do internato de Medicina. Atualmente, matriculada na faculdade no Rio de Janeiro, o tempo na Índia tem feito Zilá conhecer um outro universo. Precisou se adaptar à cultura dos indianos e por isso ela conta sua história aqui no “Voz da Experiência”.

“Estou no sexto ano da faculdade de Medicina e agora na etapa do internato, onde a faculdade te dá a oportunidade de fazer três meses eletivos onde você preferir, eu escolhi no exterior para saber como funciona a medicina em outro lugar do mundo. Me inscrevi em um processo seletivo e passei.

Índia foi a minha primeira opção, queria entender um pouco da Medicina Ayurveda e também a Medicina tradicional deles, que é realmente muito interessante.

Para falar a verdade, nunca pensei em ser médica. Sempre gostei de arqueologia e de escrever. Não me lembro direito como cheguei a essa decisão e quando entrei na faculdade, fui me apaixonando. Hoje, não me vejo em outra profissão a não ser a Medicina.

Zilá no centro cirúrgico da universidade Sumandeep, na Índia. (Foto: Arquivo Pessoal)
Zilá no centro cirúrgico da universidade Sumandeep, na Índia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando decidi vir à Índia, as pessoas me carregaram com uma energia muito negativa, talvez pela preocupação, mas vejo que também era carregada de preconceito. Confesso que senti medo. Quando cheguei aqui, não dormi nas duas primeiras noites, só aos poucos fui me adaptando. Encontrei uma realidade muito diferente.

Logo que cheguei, fiz amizade com um motorista que me levou para conhecer a cidade. A primeira surpresa foi ele ter me convidado para jantar na casa dele com toda família. Lá, tive um choque de realidade muito grande. Era um quarto minúsculo, onde moram sete pessoas.

Chorei também na primeira semana por ter dificuldade de me adaptar à cultura, queria corresponder a todo carinho e atenção.

Eles foram incríveis comigo e cozinharam muita coisa. O sabor da comida é bastante diferente, eu mal conseguia comer de tão apimentada. Também estava nervosa quanto a qualidade da água. E mesmo eles percebendo todo meu nervosismo, conseguiram ser incríveis comigo. Os indianos são muito gratos por tudo que recebem.

Zilá ficou admirada pelo carinho e atenção dos indianos.
Zilá ficou admirada pelo carinho e atenção dos indianos.

Aqui é muito diferente e ao mesmo tempo vejo semelhanças com o Brasil. No campus da universidade, percebo o comportamento das pessoas e o problema com julgamentos, isso às vezes tem semelhança. Por ser uma mulher viajando sozinha, é bem difícil, eles têm uma mentalidade machista e as mulheres aqui aceitam isso.

Tive momentos em que fui ao mercado comprar especiarias e o dono questionou se eu cozinhava para o meu marido. Eu nem tenho marido, mas respondi que ele mesmo podia fazer a comida dele e ele ficou muito bravo comigo.

Outro momento doloroso, foi quando fiz um parto. Assim que o bebê nasceu, a mãe estava arrasada por ser uma menina, não queria nem olhar o rostinho do bebê. Aqui, existe um índice alto de abortos, porque para eles não tem sentido criar uma mulher que só vai se tornar uma despesa no futuro. Por isso, preferem os homens. Tanto que é proibido dizer o sexo do bebê antes do nascimento e isso mexeu comigo de maneira muito forte.

Quanto a pobreza, realmente é uma realidade, mas um pouco diferente. Aqui eles não bebem, não fumam e não usam drogas, a maioria. Encaram a pobreza como forma de evolução e tentam enxergar a maneira como eles podem evoluir espiritualmente, isso é um fator que gera muito menos violência no País.

Nas ruas, há sempre pessoas pedindo dinheiro, entre elas, crianças que acabam deixando a gente muito abalada. É uma verdade que existe sujeira e animais pela cidade. Passei por uma situação engraçada, em que uma vaca começou a me seguir, as pessoas começaram a dizer que eu estava sendo abençoada, mas a verdade é que ela estava tentando comer um mapa no bolso da minha jaqueta. Tem também os macacos que, inclusive, já roubaram comidas minhas, sem contar os cachorros, que cada vez que vejo um na rua e tenho vontade de levar para casa.

Comércio nas ruas de Jaipur, Rajasthan.
Comércio nas ruas de Jaipur, Rajasthan.
Difícil foi se adaptar a gastronomia diferente.
Difícil foi se adaptar a gastronomia diferente.

Diferente do Brasil, na gastronomia tem muita pimenta. Quando você vai a um restaurante, eles falam que não é apimentada, mas é. No entanto, em pouco tempo fui me acostumando. Tem pessoas que dizem passar mal, mas escolhi comer aos poucos cada refeição.

No início, procurei tomar cuidado com a água, para me sentir tranquila durante a viagem. Escovei os dentes com água mineral, porque já tive problemas de infecção em outra situação. Outra dificuldade foi com o banheiro. Aqui eles não usam chuveiro, o banho é tomado de balde e gelado, mas você acostuma. Sempre que vou para um lugar diferente, procuro viver como uma pessoa dali e isso transforma. 

O bacana é que as pessoas aqui são extremamente calorosas e descobri que existe até uma oração e uma comida especial a quem vem de fora, todos nos tratam muito bem.

Já no campus, foi preciso me acostumar com os olhares, principalmente, dos funcionários, que ficam te reparando. Mas em nenhum momento quis me isolar, por isso me deixei envolver pela cultura deles. Sinto um grande respeito e uma energia muito boa. Dizem que o brasileiro é caloroso, mas os indianos são 10 vezes mais.

(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)
Posso dizer que nenhum dos lugares que conheci, me mudou tanto como a Índia".
Posso dizer que nenhum dos lugares que conheci, me mudou tanto como a Índia".

É muito forte pensar em tudo que mudei desde que cheguei aqui. Até me emociono, porque sei que ainda estou nesse processo de mudança e que há muita coisa para acontecer. Mas estou conquistando meu objetivo, que é de evoluir cada vez mais. Aqui na Índia, posso dizer que dei um passo gigantesco, foi o lugar que mais me transformou.

Quando cheguei aqui, percebi como eu estava emocionalmente e comecei a minha mudança. Pratiquei muito yoga e consegui me colocar no eixo. No restante da viagem tenho conseguido captar a vida com outros olhos. Mudei a maneira de comer, mesmo sendo difícil, porque aqui eles não comem carne, mas tento mentalizar tudo que me ensinaram.

Também escolhi ficar em hostel. É claro que sempre acontece algum problema, como por exemplo, roubaram meu travesseiro, mas é só tomar os cuidados. Prefiro o clima do hostel, pela oportunidade de fazer vários amigos.

E para quem acha que é impossível viajar, seja para estudo ou diversão, eu também já tive esse pensamento. É claro que uma viagem para Índia tem custos muito menores do que uma viagem para Europa. Mesmo assim, tudo que faço é de mochilão e procuro levar somente o que realmente preciso. Economizo todos os meses, sou daquelas que ainda guarda dinheiro em baixo do colchão e me programo desde o começo do ano.

Já conheci 15 países e acredito que o maior sentido da vida são as relações que a gente cria, sejam elas boas ou ruins. Posso dizer que nenhum dos lugares que conheci me transformaram tanto como a Índia". 

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