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Comportamento

Dona de bar reduto universitário começou vendendo almoço "para pagar a janta"

Paula Maciulevicius | 20/10/2014 06:23
Sem nem saber falar a marca da cerveja que hoje é carro chefe do bar, Graziele tem história inspiradora. (Foto: Alcides Neto)
Sem nem saber falar a marca da cerveja que hoje é carro chefe do bar, Graziele tem história inspiradora. (Foto: Alcides Neto)

"Inspirador mesmo. Muitas pessoas que me conhecem desde o começo falam isso, que eu fui a única pessoa que conseguiu". Graziele Soares dos Santos tem 38 anos, 5 deles está à frente do bar que se tornou reduto dos universitários na região da UFMS, o "Batata +". Sem nem saber falar a marca da cerveja que hoje é carro chefe do estabelecimento, dia desses, na mesa do bar, ela contou que começou o seu negócio com R$ 143,00. A história dela não é singular. Assim como Grazi, várias outras pessoas têm trajetória inspiradora, mas hoje o Lado B reservou parágrafos para descrever o encontro dela com a felicidade.

Sim. Graziele é feliz e adora falar do bar, da vida e do seu começo. Não importa se as palavras não obedecem tão à risca assim as regras da língua portuguesa. Ao longo dos anos, ela foi empregada doméstica, cozinheira, passadeira e até carpia terreno aos domingos para sustentar três filhos sozinha. Não teve tempo de estudar, deixou a escola ainda no 4º ano. Mas o impulso não veio da teoria. "A vida me empurrou", prefere assim dizer.

Em 2008, depois de cinco anos trabalhando como cozinheira de um restaurante, ela juntou o dinheiro do acerto para tentar abrir o próprio negócio. Na mesma época, um amigo alugou um espaço para abrir um bar, perto da UFMS.  A proposta inicial era de que ela ficasse à frente da cozinha por duas semanas. Os 15 dias se transformaram em seis meses, até que o bar foi à falência. "Só tinha comida, porque quem tomava conta era eu. Num sábado, eu lembro até hoje, ele me ligou e disse não abre as portas, porque eu não volto mais. Isso aí só me deu prejuízo". A primeira reação foi chorar e pensar que o sonho acabava ali. 

"Entrei no bar, olhei de um lado, do outro. Eu estava sozinha. Fui ao banco, peguei o que tinha na minha conta e comecei meu negócio. Eram R$ 143,00. Pensei, é por aqui que vou começar. Comprei arroz, feijão e óleo. Eu tinha que começar pela comida", explica.

O "Batata +" fica na esquina das ruas Trindade e Júlio Anfe e funciona de segunda à sexta, a partir das 7h30 da manhã.
O "Batata +" fica na esquina das ruas Trindade e Júlio Anfe e funciona de segunda à sexta, a partir das 7h30 da manhã.

Na primeira semana de bar, ela teve de enfrentar fornecedores e renegociar dívidas que nem havia sido assumidas por ela. "Eu sentei e conversei, expliquei que não fui eu que fiz essa conta. Tinha comprado e ninguém podia tirar nada, mas se eles tivessem paciência, eu ia pagar", lembra. Até para o dono do prédio ela foi pedir um pouco mais de paciência. "Olha era só na minha fé, porque eu não tinha perspectiva nenhuma. Não tinha nada, nem cliente. Hoje ele fala que ficou com dó de mim, que confiou porque viu brilho no meu olho", diz.

O ponto de partida eram as refeições. Para começar, Graziele comprava 1kg de bife, pagava o açougue, fazia e só depois de vender é que conseguia dinheiro para comprar mais carne. Quando os clientes pediam por refrigerante, ela corria na padaria mais próxima e comprava de 1 litro. "Pagava R$ 1,00 e vendia por R$ 1,25. Eram só R$ 0,25, mas era assim. Tinha dia que eu vendia R$ 8,00, outro dia, eram R$ 15,00 e eu estava firme".

O estabelecimento é bem localizado e fica logo em frente ao bar mais tradicional da região. Correm boatos de que do lado de lá da rua até um bolão surgiu. "De que eu fecharia em menos de 6 meses. Sabe que eu ficava lá, sentada sozinha olhando o movimento. Eu nunca quis o movimento dele, eu só queria o movimento dos carros passando, de quem passava e não parava".

Três meses depois de aberto ela conseguiu vender mais de R$ 100,00 justamente no dia em que o concorrente não abriu as protas. "Eu lembro como se fosse hoje. Era Nossa Senhora Aparecida, eu vendia R$ 243,00. Eu chorei a noite inteira de alegria".

Claro que para os amigos e familiares, "louca" era a qualificação menos pior empregada à Grazi naquele instante. "Me falavam que eu tinha que ir para um lugar mais periférico, que eu não ia poder competir". O forte eram as refeições, por dia, Graziele vendia 150 pratos, o mais caro custava R$ 6,00.

De 2008 para 2009, veio a proposta de fechar exclusividade com a Coca-Cola. Assim ela ganharia promoções vendendo uma marca específica de cerveja que hoje já saiu do mercado. "Foram eles que me deram a visão do que era vender cerveja. Um diretor me deu a primeira caixa, ele que pagou. Foram R$ 76,00, comprei Kaiser, Sol e Bavaria. Eu vendi, paguei e comecei a comprar com o meu próprio dinheiro, porque crédito eu não tinha nenhum".

Com o tempo o movimento foi crescendo até chegar a ideia de vender uma cerveja difícil até no nome: "Heineken". "Me perguntaram se eu conhecia. Eu não sabia nem falar. Na época vendiam a long neck a R$ 9,00 lá no Centro, mas que não era cerveja para bairro, que era só para boteco chique". A comerciante foi audaciosa e pediu uma chance para encarar.

"Ela era cara, só classe A e B que consumiam. Campo Grande mesmo não conhecia direito, mas isso foi crescendo no meu olho e no meu coração. E olha, no concorrente, eles estavam vendendo Bohemia a R$ 1,99. Era a mais top da época", compara.

Na tentativa de trazer a Heineken para o bairro, pediram a ela um projeto. Um amigo fez seguindo o que Graziele tinha em mente. "Eu entreguei para a Coca para vender Heineken a R$ 2,50. Olha a minha petulância?". Seis meses depois veio a resposta. Ela poderia vender, mas seria difícil de manter. "Era uma cerveja amarga, podia não cair no paladar, mas do meu povo eu sabia, ia cair".

Numa segunda-feira, uma faixa foi colocada na frente do bar: "Cerveja Heineken 600ml gelada a R$ 2,50". Graziele só se preparou com três caixas. Todas foram vendidas. "Eu lembro como se fosse hoje. Em 1 ano e meio eu entrei para o round de bares mais frequentados".

Com a bebida e o título de maior vendedora de Heineken da região, ela conseguiu até que o bar fosse pintado nas cores da cerveja. Além do esforço para conquistar o movimento que sempre sonhou, Graziele colocou em prática algumas teorias que não foram aprendidas em banco de escola.

"Adotei um sistema: meu freezer é na base da confiança. O cliente tem acesso e liberdade para pegar a cerveja. Porque se eu ponho funcionário, ele pode tratar mal e o cliente não voltar mais. E eu tenho que cumprimentar e atender bem todo mundo", resume. De mesa em mesa ela também sabe os nomes de quem senta, assim como eles sabem o dela.

"Olha Paulinha, eu arregacei de sofrer no começo, sofri mesmo. Mas eu sempre fechava os olhos e via aquele bar cheio, como é hoje". Quando pergunto se de fato ela conhece outra história como a sua, ela para e pensa. "Olha, acho que só da televisão mesmo".

O "Batata +" fica na esquina das ruas Trindade e Júlio Anfe e funciona de segunda à sexta, a partir das 7h30 da manhã. 

Além do esforço para conquistar o movimento que sempre sonhou, Graziele venceu o bolão de que não duraria mais de 6 meses. (Foto: Alcides Neto)
Além do esforço para conquistar o movimento que sempre sonhou, Graziele venceu o bolão de que não duraria mais de 6 meses. (Foto: Alcides Neto)
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