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Comportamento

Dono de bar abre 6h para freguês tomar uma antes do trabalho, mas fecha à noite

Paula Maciulevicius | 15/05/2014 06:43
Parede rosada e janelinha azul, Bar do Manoel abre todo dia para dar primeira pinga a quem vai trabalhar. (Fotos: Marcos Ermínio)
Parede rosada e janelinha azul, Bar do Manoel abre todo dia para dar primeira pinga a quem vai trabalhar. (Fotos: Marcos Ermínio)

Apesar de a região ser lotada de bares e botecos, um específico chama atenção pelo movimento de clientes às 6h da manhã, no bairro Vila Nasser, em Campo Grande. Os fregueses não passaram a noite ali. Longe disso, são trabalhadores que chegam cedo para tomar uma pinguinha e assim seguir para o expediente. Não tem bagunça, apesar da prosa rolar solta entre quem já criou laço de amizade numa dose e outra.

Já faz quase 20 anos que a rua João Guimarães Rosa virou o endereço de Manoel Soares Freires. Sergipano de sotaque arrastado, dos 64 anos de vida, os últimos 12 foram passados ali, vendendo pinga às 6h da manhã e de domingo a domingo. O bar, claro, leva o seu nome.

De portão verde, parede rosada e janelinha azul, ele abre e fecha todo dia no mesmo horário. “6h da manhã e 7h30 da noite. Aí eu já vou deitar, porque cedo abre”, resume o expediente.

A ideia de abrir o boteco veio com a idade. Como ele achava que já estava velho, resolveu deixar a lavoura pela cidade. Nos primeiros três anos trabalhou como lavador de ônibus, até sentir que precisava “tocar alguma coisa”.

A ideia de abrir o boteco veio com a idade. No comércio: só pinga, balinhas, tubaína e limão.
A ideia de abrir o boteco veio com a idade. No comércio: só pinga, balinhas, tubaína e limão.

A pinga é vendida por R$ 1 cada dose. Preço que ele, como bom marqueteiro, insiste em dizer que é barato ainda. “O povo por aí faz R$ 2”, argumenta. A seu favor também está o horário. O Bar do Manoel é o único a fechar na noite e abrir logo que amanhece.

“Os outros não abrem cedo, eu abro para vender. Senão, não vendo. Eles primeiro passam, aqui é o ponto”, fala, ao se referir aos clientes.

Num dedo de prosa – sem pinga – ele conta que faz uma pausa no almoço. A esticadinha vai até 4h da tarde. É o tempo para ele descansar e andar de bicicleta pelo bairro. O portão de casa só volta a abrir para os fregueses baterem o ponto no fim do dia.

“Eu nunca abri à noite. Não quero bagunça, aqui é tranquilo. Eles bebem uma pinga e vão trabalhar”, reforça. E vão mesmo. Das 6h até meados de 7h30 da manhã o movimento é intenso. Passado disso, quase ninguém aparece. Quem tinha de ir para o batente já foi e se a vontade de beber mais passou pela cabeça do cliente, Manoel tratou de espantar.

“Eu controlo mesmo, senão fica bêbado”, diz, como se o álcool servido em copos americanos fosse um gole de café. Por falar em café, quebra a cara quem pensa que o ponto também pode vender a bebida. Engano. O café que chega ao bar é trazido por um cliente assíduo.

Há quatro anos o profissional da construção civil, de 38 anos, faz do Bar do Manoel o primeiro trabalho do dia. O nome ele prefere não dizer, é que não é todo mundo que tem a mesma cabeça do seu Manoel.

“Eu tomo e vou para o serviço. Mas na verdade a gente vem aqui é para ver os amigos. Tomar uma? É normal. Meu café eu tomo em casa, trago a garrafa e o povo toma, depois levo para a obra”, conta sobre a rotina.

No tempo de “serviço” no bar ele já viu e vivenciou puxões de orelha do dono. “E ele fala mesmo. Vai embora que você já está alterado. A gente respeita, né? Vai e no outro dia conversa de novo”, completa.

De comércio, o bar só tem a pinga mesmo e algumas cervejas no freezer. A gelada quase não tem saída frente às doses. “Mas tem umas balinhas e umas tubaínas e o limão também, para por na pinga”, mostra Manoel, como quem tenta amenizar a situação.

Na parede da janela do bar, um aviso, como aqueles pregados por aí que anunciam “obrigado por não fumar”, mas todo mundo fuma. “Eu falei, pode por. Comércio grande até que vai, mas se chegar, pelo menos está aqui”, diz mencionando visitas das autoridades ligadas à prefeitura.

De tanto vender pinga, Manoel se cansou. Ele fala que o motivo é ter “enjoado de mexer com gente”. O fato é que o bar tem dias contatos e fecha entre setembro e outubro. A clientela que ouve, não duvida. “Ele é sistemático, se falou é porque vai aposentar mesmo”, corre o bochicho.

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