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Comportamento

Em tempos difíceis, criar espaços de enfrentamento é resistência ao fascismo

Paula Maciulevicius | 04/09/2016 10:25
A bandeira arco-íris com suas diferentes cores simbolizam a diversidade na comunidade homossexual. (Foto: Benson Kua/CC BY-SA 2.0/Wikimedia Commons)
A bandeira arco-íris com suas diferentes cores simbolizam a diversidade na comunidade homossexual. (Foto: Benson Kua/CC BY-SA 2.0/Wikimedia Commons)

Na última sexta-feira, o Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Diferenças, Imprópria, da UFMS, trouxe a Campo Grande a professora Simone Becker, da UFGD, para a aula inaugural do curso "Democracia, Gênero, Sexualidade e Diferenças". A palestra foi uma verdadeira aula sobre como resistir em tempos em que o diálogo é quase impossível.

Graduada em Direito, mestre e doutora em Antropologia Social, Simone é pesquisadora nos temas sexualidade, gênero, raça e etnia. O curso é um projeto de extensão que envolve acadêmicos de fora da Universidade e diferentes grupos da sociedade que vão contar em encontros, experiências e também suas pesquisas, para no final, escreverem projetos de atuação em diferentes comunidades a partir do tema: democracia, gênero, sexualidade e diferenças.

Um dos coordenadores do curso, professor Tiago Duque, explica que o objetivo é tornar público o conhecimento científico sobre o assunto.

Simone Becker esteve na Capital para a aula inaugural do curso "Democracia, Gênero, Sexualidade e Diferenças", projeto de extensão da UFMS.
Simone Becker esteve na Capital para a aula inaugural do curso "Democracia, Gênero, Sexualidade e Diferenças", projeto de extensão da UFMS.

"A gente percebe que os debates têm pouca fundamentação sobre o que está sendo produzido e o objetivo é juntar forças para potencializar, porque a corrente é muito forte e tende a ficar mais forte ainda. A gente quer produzir um movimento bem informado, crítico, criativo e bem fundamentado, porque a corrente mesmo é muito autoritária e pouco conhecedora desse tema", ressalta. 

Lado B - Por que vivemos em tempos difíceis, em que ir contra a corrente se faz necessário?

Simone Becker - Porque o diálogo tem se tornado cada vez mais raro. Você respeitar a diferença é sempre um desafio quando inexiste diálogo. Quando então você me pergunta “o que é ir contra a corrente”?, eu te respondo que parto do pressuposto que ir contra a corrente é você questionar algo que está normalizado e imposto a todos como norma. Portanto, como eu produzo o normalizado? A partir de norma e quem é que produz norma? Assim, cada vez mais eu acredito que a gente tem que questionar e questionar, seja legislações, seja comportamentos tomados enquanto normais, para que desnaturalizemos o que construção social.

Acho que a questão de estarmos em tempos difíceis é também como diz Marcia Tiburi, a inviabilidade do fascista dialogar ou de dialogarmos com fascistas. Se você gosta de vestido e da cor amarela, e eu não, isso não poderia obstaculizar que viéssemos a estabelecer relações de troca. Esse é o grande desafio em tempos de ódio.

Lado B - E como resistir a isso?

Simone Becker - Desconstruindo. Desconstruir é primeiro, não deixar de expor, de dar visibilidade às questões e os sujeitos tidos por determinados discursos dominantes como anormais. Se você não conversa com um fascista, porque é inviável, à medida que ele não oportuniza o diálogo, é necessário produzir o máximo de contextos possíveis para a possibilidade de escuta e construção de elos relacionais. Então assim, dar visibilidade à posição da forma mais aberta para o estabelecimento do diálogo é uma forma de resistência.

A resistência é a re-existência, isto é, poder produzir uma existência outra ou repetir outra até se tornar também uma norma que se espera não imposta a produzir discriminação/desigualdade entre sujeitos.

Então, se a gente pensa que até a década de 70, a homossexualidade era patologizada, estamos falando de pouco tempo, ou seja, de 43 anos. Graças aos movimentos que saíram às ruas ela deixa também de ser considerada doença. Esse, aliás, é um local (a rua) onde nós nos re-voltamos, isto é, no sentido mais amplo do termo, é o local onde voltamos diferentes para casa em virtude das trocas com outras pessoas. Infelizmente, algumas tantas vezes, o movimento de ir às ruas e se manifestar é confundido com vandalismo por dadas mídias.

Lado B - Esse seria um espaço de enfrentamento?

Simone Becker - Sem dúvida. De enfrentamento, porque a gente está falando de coisas que são constantemente combatidas como não possíveis, não apenas de visibilidade, mas de existência. Então, se eu tenho a aprovação recente em dados municípios brasileiros, como me parece que o foi em Campo Grande de uma Escola Sem Partido, cujo objetivo principal é deslegitimar, por exemplo, formas plurais de constituições familiares, etc, enfrentar no sentido dado antes de re-existência é imprescindível.

Ocupar as ruas é sem dúvida alguma uma forma de resistência, porque quando você está em tempos em que ateiam fogo em terreiros de candomblé, de umbanda; em que você mata gay na rua, mata travesti, mata indígena, ou seja, extermina por ódio a alteridade/o diferente; mostrar que eles são sujeitos e o que é ser sujeito e ser humano é uma forma de enfrentamento. Enfrentamento em síntese, ou acima de tudo, o faço comigo mesma, diariamente com as desnaturalizações de meus ditos e de meus feitos. 

Parte das aulas do curso são abertas, basta acompanhar o calendário pelo site do Impróprias.

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*Matéria editada às 12h40 para correção de informações. 

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