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Comportamento

Envolvimento de médico chega ao ponto de deixar escola paga para 9 crianças

Paula Maciulevicius | 11/07/2013 06:49
Um povo que não vive, apenas aguenta. (Foto: Paulo Zanin)
Um povo que não vive, apenas aguenta. (Foto: Paulo Zanin)
Parte das crianças do orfanato que Paulo e o grupo de americanos ajudou a dar um futuro, pelo menos por um tempo.
Parte das crianças do orfanato que Paulo e o grupo de americanos ajudou a dar um futuro, pelo menos por um tempo.

"Não. Eu não podia ter ido simplesmente embora. Não é tão fácil assim. A partir do momento que você cria um vínculo, você vê o quanto que elas sofrem. Poxa o dinheiro que eu vou utilizar na Europa, eu vou manter uma criança na escola. É até injusta essa comparação. Então, não tinha como, a gente tinha que ajudar". A descrição do último passo dado no Nepal é do estudante de Medicina, Paulo Zanin, de 22 anos. Personagem que o Lado B ontem relatou a vivência de quatro semanas de voluntariado em um hospital da Ásia onde não se pode contar nem com um SUS.

A paixão pelo Nepal foi à primeira vista. Se sentir humanamente realizado também. No entanto a impotência diante de tanta falta de sensibilidade para com a dor do paciente fizeram com que o jovem mudasse os planos, mas ainda assim não perdesse o foco ali, de deixar um pouco de si e levar um pouco deles na maior experiência já vivida por ele até hoje. A última semana no Nepal para Paulo foi um fechar de portas do hospital e abertura de sorrisos dentro de um orfanato do Vale de Kathmandu, cidade na região central do País onde as quatro semanas de voluntariado foram vividas no início deste ano.

Ao deixar o hospital de lado, o estudante tentou antecipar a volta ao Brasil, mas não conseguia nem se quer linha para telefonar e remarcar a passagem. O recado foi dado aí. Ainda não era a hora de deixar o Nepal. "Estou aqui, daqui a pouco estou indo embora e preciso fazer mais alguma coisa", sentiu. Paulo e o grupo de sete americanos que juntos trabalharam no hospital já conheciam e visitavam regularmente um orfanato com 13 crianças, de 5 a 11 anos. Mas até então, ele apenas brincava com elas e ia embora.

A missão que faltava ser cumprida nessa viagem toda de renúncias, era com certeza, a ajuda àquelas crianças. O rapaz então conversou com a dirigente do orfanato que escancarou as portas. O lugar em nada parece com o que o Brasil chama de lar provisório para os pequenos. Lá não se recebe nenhuma ajuda do Governo e a administração se resume à pessoas que têm casas e as abrem para receber crianças. Nada é legalizado e não há qualquer documentação. Para entender a falta total de protocolos, adoção lá é pegar e levar embora, sem que ninguém saiba ao certo para onde eles vão.

Um lugar onde não se sabe que futuro os pequenos terão.
Um lugar onde não se sabe que futuro os pequenos terão.
Poluição, sujeira, miséria, abandono. O lado predominante de um país precário de tudo.
Poluição, sujeira, miséria, abandono. O lado predominante de um país precário de tudo.
Contrastam de uma maneira gritante com o colorido da feira de corantes.
Contrastam de uma maneira gritante com o colorido da feira de corantes.

As crianças e adolescentes que ali moram vem de situações onde os pais morreram ou ainda vivem, mas de certa maneira sem condição nenhuma de criá-las. Algumas delas foram retiradas do abandono nas ruas e no orfanato, dormiam em colchões da finura de uma folha de papel. "Elas dormem todas juntas para se protegerem do frio. É uma situação super precária, as casas são muito geladas, sem nenhum sistema de aquecimento. Elas não tem dinheiro, comida e não tem escola. Lá não existe ensino público, elas que tem que pagar e elas são extremamante carentes no emocional", detalhou Paulo.

E numa mistura de pai e irmão, que ao mesmo tempo em que dava bronca, brincava, Paulo se viu num dilema maior do que o encontrado nas macas do hospital. "Elas não tinham futuro. Essa visão de que lá para frente é complicado. Ninguém sabe o futuro que as espera". Ele então resolveu deixar todo o dinheiro que tinha para que elas pudessem ter uma educação.

"Meus pais mandavam dinheiro e eu resolvi não usar e os americanos, depois de voltarem para os Estados Unidos, mandaram dinheiro para mim. Resumindo, nós pagamos para nove crianças, seis meses de escola. As outras quatro de lá ainda tinham como estudar. A gente deu caderno, comida, brinquedo, tudo o que era mais ou menos necessário para que elas tivessem pelo menos um tempo. Eu sempre acreditei e vou acreditar que podem te tirar tudo, menos a sua educação. Então a gente fez um investimento que achou que seria melhor para o futuro deles", narra.

Nas quatro semanas que se seguiram no Nepal, Paulo ou qualquer um que fosse viver a experiência se daria conta do choque das diferenças de vida andando pelas ruas. Olhando para os olhos daquelas pessoas. Nas cenas que ficaram na memória do estudante, o palco de tanta sujeira e poluição que de início provocaram tantas crises de tosse. O que também gritou aos olhos do estudante foi ver um menino que mal devia ter 2 anos acender o crematório dos pais. "Pela religião, eles não enterram, eles cremam e isso quem tem que fazer é o filho homem mais velho. Eu vi uma criancinha, um menininho quase carregado no colo ter que acender".
E entre tanta miséria, um festival de cores em plena feira. Um contraste entre o belo e o deplorável. Da vida do colorido ao preto e branco de se viver de esmolas.

"Mas muita coisa me marcou para o positivo. Vi um casamento que foram quatro dias de pura cerimônia, cheio de ritual e nas feiras onde se vende corante, tudo muito colorido. A natureza é muito bonita, as maiores montanhas do mundo estão lá. Os templos e os rios são maravilhosos, mas o Nepal não. As pessoas que têm que viver e não tem condições. Não dá pra ser uma cidade bonita, mas ainda assim as pessoas têm uma beleza natural", descreve.

Ao contrário do que se possa imaginar, mesmo em meio à miséria, a taxa de criminalidade é baixíssima. Ninguém pega o que é o seu, mesmo com toda curiosidade. O estudante contou que em muitos lugares, ao fotografar, eram os nepaleses que pediam para sair na fotografia ao lado dele. Muitos nunca tinham visto uma câmera.

Na tentativa de descrever o que os olhos de quem vive no Nepal, Paulo resume ao trecho de Elis Regina. "Gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta".
Os pais de Paulo o fizeram prometer que essa seria a última vez que ele faria algo tão radical. Mas os planos como médico de ir à África não estão descartados. "Eu acho que é o meu dever, pessoalmente. Eu tenho que ajudar pelo menos um pouco e é com o meu trabalho de médico que vou fazer isso. Ele pode ajudar. Lá eu tive mil motivos para desistir, mas o único motivo, que era ajudá-los, foi suficiente para me manter lá".

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