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Comportamento

Escritas por médiuns, mensagens trazem detalhes de filho e pai que já partiram

Paula Maciulevicius | 15/07/2014 06:19
Católicos, Djalma e Dulce descobriram através da doutrina espírita que poderia haver um contato do lado de lá com o filho Marcelinho. (Fotos: Marcos Ermínio)
Católicos, Djalma e Dulce descobriram através da doutrina espírita que poderia haver um contato do lado de lá com o filho Marcelinho. (Fotos: Marcos Ermínio)

“Para mim, parece que foi ontem. A emoção... Volta tudo”, recorda-se dona Dulce Barbosa da Fonseca, de 67 anos. Há quase duas décadas, ela e o marido perderam o filho Marcelinho na flor da idade. Aos 22, o jovem foi vítima de bala perdida. Pela violência como tudo aconteceu, eles perderam o chão. Católicos, descobriram através da doutrina espírita que poderia haver um contato do lado de lá. Mas que era preciso passar o “endereço”.

O endereço não é o nome da rua, número da casa, e nem bairro ou CEP. Está condicionado ao fato do destinatário em questão se abrir para a mensagem, ir até o centro, se mostrar disposto, procurar, bater à porta. O Lado B acompanhou uma manhã de atividades no Centro Espírita Recanto da Prece – Eurípedes Barsanulfo, que funciona aos sábados, na loja Arte Técnica, em Campo Grande. Quem sempre teve a curiosidade de saber ou imaginava um lugar “pesado”, surpreende-se com a leveza de espírito do ambiente.

A sala permanece com a porta fechada, mas ao se abrir, mostra as dezenas de pessoas que acompanham a palestra. O espaço é claro, cheio de janelas que permitem a claridade do sol entrar. As cadeiras, embora muitas ocupadas, são suficiente para dar lugar a quem vem chegando. O ritmo é de culto ou missa, mas não ministrado por um único palestrante. 

Primeiro começam as leituras do Evangelho, seguidas de comentários de convidados que preparam antecipadamente o que será dito, de acordo com o que foi lido. Enquanto isso, numa mesa à frente de todos, médiuns trabalham conforme as inspirações. Folhas de papel são postas à mesa, com canetas e tintas para que eles deem vida ao que for necessário. Neste Centro, especificamente, não é preciso dar nome, nem entregar bilhete aos médiuns. Quem espera por uma correspondência do outro lado precisa apenas abrir o coração e aguardar.

Nas recordações da mãe, Luciene mostra o desenho que veio de Luane.
Nas recordações da mãe, Luciene mostra o desenho que veio de Luane.

“Nos disseram tem que dar o endereço para saber notícias do filho. O telefone toca de lá para cá”. As palavras são do marido de dona Dulce e pai de Marcelinho, Djalma Ferreira da Fonseca, de 75 anos. O contato relatado pelo casal com o filho demorou, segundo o relógio do lado de cá. Isso porque os ponteiros para quem fica andam em uma velocidade à parte.

O casal já estava indo ao centro espírita há quatro meses com a esperança de ter de volta – ainda que por outra pessoa – um olá do filho, eles abriram o coração para receber a mensagem quando estivessem prontos. As palavras que eles descrevem como sendo de Marcelinho saíram das mãos da médium Beth Sanches.

“Chegamos até a casa dela, ela entregou. Comecei a ler. Nos questionamos, porque era tudo muito estranho. Mas naquele dia, a Beth estava com um grupo de senhoras, uma delas falou que sentiu que era para chegar e me abraçar por trás. Ela disse que não podia fazer isso porque não nos conhecia. Esse era o jeito que meu filho me abraçava ao chegar em casa. Era ele, para confirmar que estava ali”, conta o pai.

“A casa caiu”, descreve o casal. Além da linguagem da escrita ser toda no estilo ‘peão’, modo que o rapaz adotou e viveu por aqui, o gesto do abraço veio a calhar quando a dúvida ainda permeava os dois. “Foi o primeiro impacto de saber que a vida continua”, descreve Djalma.

Para a esposa, a carta chegou trazendo mais que um abraço. “Foi um alento muito grande, um conforto. Ele estava bem, estava preocupado conosco, viu o nosso sofrimento”, comenta dona Dulce. Da primeira mensagem até hoje já foram mais de 30 contatos, incluindo até um livro.

Segundo a mãe, o primeiro contato que a filha fez, demorou 4 meses a contar do tempo em que ela procurou um centro.
Segundo a mãe, o primeiro contato que a filha fez, demorou 4 meses a contar do tempo em que ela procurou um centro.

As borboletas de Luane - A estampa do caderninho de Luane foi uma das mensagens que mais marcou a mãe, Luciene Ferreira. Segundo a mãe, o primeiro contato que a filha fez, depois de ser levada da família por um tumor cerebral, demorou quatro meses a contar do tempo em que ela procurou um centro. “Foi uma carta muito bonita, citava o pai, os irmãos, foi muita emoção. Um dia antes, lá em casa eu estava muito triste, chorando e resolvi pegar os caderninhos dela de escola. Ela gostava de desenhar nuvem, solzinho e borboletas, muitas borboletas. Fui olhar para matar a saudade. No dia seguinte cheguei aqui, eu vi a pessoa pendurar no varalzinho e quando vi as borboletas, não tive dúvidas”, recorda.

O trabalho dos médiuns está tanto em psicografar cartas como reproduzir desenhos. As pinturas, também inspiradas pelos espíritos, ficam depois penduradas, ao alcance dos destinatários. Por ter deixado o lado de cá ainda criança, a mãe acredita que quando pode, Luane envia o colorido que vem das tintas e dos lápis de cor. “Olha eu ficava na ansiedade de receber uma mensagem dela. Eu senti uma emoção, que tudo o que eu queria era chegar em casa, mostrar para o meu marido. É um alívio, mesmo que momentâneo”, acredita.

De pai para filha - Uma das médiuns do centro onde acompanhamos a reunião é Valesca Jovê César, de 46 anos. Depois da morte do pai, aos 10 anos, ela conta que passou a ver, sentir e ouvir a figura paterna. Ela sustenta que a sensibilidade desenvolvida foi empregada para o bem e que mesmo psicografando, também recebe cartas do pai por outros médiuns. Palavras que carrega consigo na bolsa para consolo, ainda que tenha se passado mais de 30 anos.

“Minha filha, muitos são os anos já passados, mas meu amor acompanha cada passo seu. Tuas lutas diárias, enfrentamentos, e com alegria, acompanho a tua disposição de servir”, descreve a última mensagem entregue. Para que o recado de carinho sempre lhe acompanhe, ela digitou as palavras. “De vez em quando dou uma lida, para tomar fôlego. É uma sensação de alegria”, explica.

Médium, Valesca guarda consigo as palavras de consolo, que escritas por outro médium, trazem o que acredita serem conselhos do pai.
Médium, Valesca guarda consigo as palavras de consolo, que escritas por outro médium, trazem o que acredita serem conselhos do pai.

Dom, talento ou vocação? - A gente sempre tem a necessidade de classificar o que quer que seja, denominar para entendimento ou conceito. Se tratando de médiuns, a pergunta que fica ao visitar um centro é o que seria o trabalhos destes que preferem, ao modo Chico Xavier, serem chamados de carteiros.

“Somos intermediários. Não somos evoluídos, somos trabalhadores que temos uma dívida a pagar e para isso, temos de trabalhar”, afirma a médium Beth Sanches. Aos 54 anos, ela já tem três décadas de mediunidade aplicada à psicografia, aliada a muito estudo.

O tempo de trabalho lhe rendeu experiências de emoção ao tocar corações através do correio mediúnico. “Teve um caso interessante, de um pai que veio na reunião e o filho mandou a carta. Depois eu soube que ele estava desesperado e pensando em se matar. Quando eu mostrei a carta, ele comparou a assinatura com a identidade. Era dele. Eu não tinha como saber disso”, exemplifica.

A sensibilidade dá a ela a escolha de repassar ou não o que sente. As mensagens podem ser tanto boas, quanto ruins e cabe ao médium o cuidado de espalhá-las, explica Beth. Para a vida, ela adota o método: “está certo? Pode influenciar a vida da pessoa? Às vezes é algo de que ela precisa saber. Sempre há um objetivo para o contato, seja de consolo, de alerta”, descreve.

Para receber o recado, não basta a disposição, os médiuns explicam que há a questão de merecimento e de necessidade. “Isso conta muito. Você não pode querer receber se você não vai à reunião, se o seu pensamento não é direcionado para isso. Um dos objetivos da mensagem é fazer com que a pessoa caminhe”, pontua Beth.

Experiência própria - Eu mesma, a repórter que assina esta matéria, nunca tinha ido a um Centro Espírita para acompanhar as palestras com o propósito de receber qualquer mensagem que fosse. Neste sábado, fui a trabalho e para acompanhar o trabalho deles. Quando me aproximei da médium Beth, para registrar em fotografia o desenho que ela fazia, me encantei pela posição das mãos, que criavam através de um azul, um mar numa folha de papel.

Passadas duas horas, me disseram que havia chegado para mim uma mensagem. Não fui com este intuito e nem precisava de evidências para escrever a matéria. A carta trazia uma mensagem de um espírito de nome "Maria" e descrevia exatamente angústias que só eu e Deus sabíamos. Beth, a médium, não me conhecia, nem mesmo sabia meu nome. Terminou o desenho e a carta e perguntou à mesa quem era a menina que havia fotografado. Chegaram até mim, com a mensagem e para surpresa minha, o desenho o qual eu tinha registrado. Me senti privilegiada e imagino a tamanha alegria e emoção daqueles que recebem dos seus entes que já partiram. A carta não precisa ser necessariamente ditada por quem a gente conheça. Às vezes, só eles nos conhecem.

“Para mim eu não diria dom. É a oportunidade que Deus me dá de realizar alguns trabalhos em auxílio ao próximo”, resume Beth.

O Centro Espírita Recanto da Prece fica na rua Dom Aquino, 431, no bairro Amambaí.

O trabalho dos médiuns está tanto em psicografar cartas como reproduzir desenhos. As pinturas, também inspiradas pelos espíritos.
O trabalho dos médiuns está tanto em psicografar cartas como reproduzir desenhos. As pinturas, também inspiradas pelos espíritos.
Pintados com tinta, retratos ficam pendurados, ao alcance dos destinatários em varal.
Pintados com tinta, retratos ficam pendurados, ao alcance dos destinatários em varal.
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