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Comportamento

Geovanna esperou fazer 18 anos para contar ao pai evangélico que é transexual

Thailla Torres | 09/01/2017 06:05
Geovanna não quis esconder, mas escolheu o momento certo para revelar à família que é transexual. (Foto: Fernando Antunes)
Geovanna não quis esconder, mas escolheu o momento certo para revelar à família que é transexual. (Foto: Fernando Antunes)

Geovanna Silva hoje tem 19 anos. É outra pessoa para quem viu de fora a transformação nos últimos 4 anos. Para ela, tudo sempre esteve lá, mas escondido. Até que os 18 anos chegaram e ela finalmente assumiu ser transexual. Mas a revelação que pode ser devastadora em uma família conservadora, não foi de supetão. Exigiu paciência, e um processo que pode servir de exemplo para muitos adolescentes que sentem ter nascido no corpo errado.

Filha de pais evangélicos, ela nasceu como Geovanne e viveu desde a infância nos moldes desenhados pela religião. Seu maior receio era dizer a verdade ao pai. Foi por isso que ela decidiu esperar a maior idade, para contar a ele que havia se tornado uma mulher determinada.

Como é de se imaginar, a notícia não foi recebida com alegria nos olhos. Entre a verdade, houve um silêncio por parte do pai de Geovanna que precisou de tempo, para entender como o filho no corpo de homem se tornara mulher.

“Todo pai conhece o jeito dos filhos. Desde novo ele via que eu queria coisas de meninas. Mas pela religião sempre foi difícil. Minha mãe sabia, mas não comentava e nunca tinha conversado diretamente com meu pai”, diz.

A primeira revelação sobre a homossexualidade veio na adolescência, quando a família soube que Geovanna era gay. “Beijei o primeiro menino aos 15 anos e foi nesse tempo que ele descobriu. Me pediu para não expor, com a justificativa que não queria que eu fosse motivo de deboche”, lembra.

Com o tempo, ela conta que se olhava no espelho e não se identificava mais no corpo que tinha. “Sentia que meu físico era de um menino, mas eu me sentia uma mulher”. Mesmo assim, manteve sigilo quanto a identidade, até que o momento certo chegasse.

Apesar da reação conservadora do pai, todos os dias,  Geovanna se surpreende com o respeito. (Foto: Fernando Antunes)
Apesar da reação conservadora do pai, todos os dias, Geovanna se surpreende com o respeito. (Foto: Fernando Antunes)

O pai chegou a flagrar uma fotografia de Geovanna com roupas femininas, pouco antes de completar 18 anos. “Ele pegou uma foto minha vestida de menina. Tinha uns 16 anos e foi a primeira vez que ele viu. Quando completei 18 anos, eu não podia mais ficar presa em uma coisa que eu não era, decidi contar mesmo com medo da reação. Imaginei que me colocaria para fora de casa."

Na época, os pais enfrentavam a separação e ela continuou morando ao lado do pai e dos três irmãos. "Quis ficar perto dele, mas contar não foi fácil. Porque sabia que não tinha sido fácil para ele saber que eu era gay, imagina transexual”.

Quando decidiu aumentar o cabelo, o pai chegou a pedir para que esperasse. “Era um processo de transição e eu não podia ficar fingindo algo que não era. Então, ele viajou e na chegada eu já tinha colocado o cabelo”.

Contra a atitude, o pai ficou dias sem olhar nos olhos e trocar uma palavra com Geovanna. “Ele ficou todo fechado, mas cheguei nele e perguntei se ele ia fazer isso comigo por conta de um cabelo”.

Os dias passaram e o pai deixou a indiferença de lado e passou a mudar com Geovanna. A resposta diante da condição, foi surpreendente, diz ela. "Depois disso, apesar de saber que, para ele o que eu faço não é correto, ele foi mudando e me respeitou. Depois conversou comigo, mas colocou algumas regras do que queria ou não dentro de casa”, diz.

Apesar da imposição do pai conservador, isso pouco importou perto do sentimento de libertação. Em casa, ela continua com o megahair, usa maquiagem e roupas femininas. Mas evita o vestido e a mini saia a pedido do pai.

Assim, os dois vão escrevendo uma  história de respeito, de aceitação. “Ele disse que era difícil aceitar. Por isso não fico totalmente menina como queria dentro de casa. Mas me sinto feliz pela compreensão e o respeito dele”, declara.

Geovanna é estudante de direito, linda e uma mulher determinada. (Foto: Arquivo Pessoal)
Geovanna é estudante de direito, linda e uma mulher determinada. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com os olhos cheios e tomada pela emoção, Geovanna suspira ao falar da família. Em um mundo difícil, onde o preconceito continua, o apoio dos irmãos também foi importante. "Meus irmãos sabiam e quando veio a certeza, todos ficaram do meu lado. Não me criticaram e depois que coloquei cabelo, o meu irmão Jefferson foi quem me defendeu na primeira vez que quiseram me ofender. Quando fui a festas com eles, nunca fiquei em um canto e eles em outro. Sempre me apresentaram aos amigos e nunca houve desrespeito”, descreve.

Nesse processo, o apoio da família foi fundamental. “Por mais que meu pai tenha o jeito dele, pai é pai e mãe é sempre mãe. Não há nada que mude isso”, declara.

No cotidiano, longe do preconceito, Geovanna precisa lidar com a expressão de surpresa das pessoas. “Todo mundo fica surpreso pelo fato do meu pai respeitar eu assim dentro de casa. Eu sei que no fundo, eles têm medo do preconceito e da violência. Por isso tudo que ele me pede e eu faço. Afinal, não é do dia para noite que ele aceitaria”, acredita.

Geovana era adolescente quando sentiu atração por homem pela primeira, mais tarde passou a ver no espelho alguém com quem não se identificava. “Sempre me achei diferente, saia com as meninas sentia vontade de colocar um short curto. Mas não tinha muito conhecimento sobre o mundo trans. Comecei a estudar e ler sobre o assunto, mas realmente me sentia uma mulher”, descreve.

Acadêmica de Direito, Geovanna faz estágio em um escritório de advocacia e diz que sonha com a formatura e a luta pelos direitos. Na faculdade, conta que sempre houve respeito e aprendeu a lidar com a curiosidade das pessoas.

“Quando entrei na faculdade ainda estava vestido como um menino, quando me viram como mulher, não sei se houve susto, mas nunca ninguém me desrespeitou. As pessoas são mais curiosas, muitos olham, mas não me importo. Sempre entendo o lado das pessoas”.

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