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Comportamento

Há 14 anos no mesmo lugar, cuidadora de carro já ganhou de festa surpresa a casa

Paula Maciulevicius | 18/03/2014 07:23
Entre o riso e o choro, cuidadora de carros conta as alegrias divididas entre alunos, professores e funcionários. (Fotos: Marcos Ermínio)
Entre o riso e o choro, cuidadora de carros conta as alegrias divididas entre alunos, professores e funcionários. (Fotos: Marcos Ermínio)

A relação entre eles é “tia” e “meus meninos”. Há 14 anos, Mariza Luiz Alvesx sai de casa de madrugada, pega o primeiro ônibus para chegar ao local de trabalho: cuidar os carros de alunos, professores e funcionários da Uniderp nas imediações da Ceará. Pela ‘olhadela’, a tia não cobra nada. “Me dão o que querem e quando podem”, responde. Na entrevista ela ri, chora, se emociona e deixa claro que já ganhou muito mais do que moedas. A solidariedade dos clientes já rendeu até uma forcinha para conseguir a casa própria.

Quando a gente se aproxima para uma conversa, explicando o que seria a reportagem, Mariza cai no choro. “Me ajudam muito, ganhei uma casa através deles. Eles vão na minha casa, fazem festa de aniversário surpresa. Eu sou muito feliz trabalhando aqui”, conta.

A sugestão para uma reportagem com a "tia" de 54 anos surgiu, inclusive, de alunos. Avó de 10 netos, metade deles sob seus cuidados financeiros, e com a mãe já com a idade avançada, Mariza chora ao lembrar dos sorrisos, dos abraços e do carinho que recebe todos os dias.

“Tem dia que eu ganho, tem dia que eu não ganho nada, mas se eu tiro o passe, para mim já está bom. Trabalho porque preciso, minha luta é essa aqui” resume.

Fila de carros nas imediações da Ceará. Mariza não cobra dos motoristas, mas trabalha até na chuva e no frio.
Fila de carros nas imediações da Ceará. Mariza não cobra dos motoristas, mas trabalha até na chuva e no frio.

As primeiras olhadas nos carros surgiram à noite, mas fazer a ronda nas imediações lhe apresentava um certo perigo. “Era muita bagunça, até que um deles me falou: ô tia, vem de manhã, cuida lá para a gente. Eu chego 5h30, arrumo meu lugarzinho, se tem panfleto para entregar eu pego e deixo nos carros, se tem CD eu saio distribuindo”, relata a “faz tudo” Mariza.

O lugarzinho ao qual se refere é debaixo de uma árvore, com uma cadeira de plástico, já deteriorada pelo tempo. A rotina é puxada, Mariza conta que acorda todos os dias às 4h da manhã para pegar o primeiro ônibus. ‘Bate o ponto’ em frente à universidade por volta das 5h40 e dali só sai 12h15, quando o último dono de carro vai embora.

Com exceção das quintas, quando fica até 14h, e de lá já segue para a região da Chácara Bonança, cuidar dos carros dos jogadores de ‘pelada’ dos campos. Trajeto repetido aos sábados. O descanso mesmo só vem no domingo, dia reservado por ela para curtir a família e os netos.

“Batalho, ganho pouco, mas gosto muito dos meus meninos e das minhas meninas. Já ganhei geladeira, fogão, botijão, cestão e roupa. Eles são a minha família”, comenta.

Hpa 14 anos no local, ela diz que ali está sua família, que inclusive ajudou até ela a ter a casa própria.
Hpa 14 anos no local, ela diz que ali está sua família, que inclusive ajudou até ela a ter a casa própria.

O episódio da casa própria aconteceu há dois anos. “Um professor perguntou onde eu morava, eu disse que era lá no Bonança, em área de comodato. Ele me perguntou se eu tinha inscrição para ganhar casa eu disse que sim. Trouxe o papel para ele e depois ele me mandou ir na Agehab. Me ligaram em 15 dias”, narra.

A ligação foi durante o expediente. “Eu estava inscrita há anos e nunca tinha sido chamada. Me deu um xilique de nervoso, de emoção. No dia que fui pegar a chave, a gente foi de caravana daqui, um monte de aluno foi junto”, descreve.

Entre os "bom dia, boa aula e até amanhã", Mariza virou até confidente. Boa parte dos motoristas conta dos relacionamentos e alguns até levam puxadas de orelha. “O que eu não quero para mim, não quero para ninguém. Eu falo vocês vieram aqui foi para estudar”, diz. Se tem quem cabule aula, ela fica no pé até que os alunos sigam portão adentro.

As doações geralmente não são entregues ali. Como a tia vai e volta de ônibus, os motoristas pedem o endereço e volta e meia aparecem na casa dela. “Uma estudante de Arquitetura me perguntou se eu tinha geladeira, eu disse, que tinha mudado, que morava em barraco e que não tinha nada. Um sábado foi ela, o namorado, o pai e a mãe e me levaram tudo: geladeira, fogão, mesa com quatro cadeiras e um sacolão”, recorda, com histórias confirmadas por quem a conhece.

Mariza está pelas ruas perto da universidade de segunda a sexta. Usa um apito pendurado ao pescoço e geralmente tem nas mãos uma fita para marcar as motocicletas. “Aqui é meu divertimento. Eu já sou acostumada. Faça chuva, frio, eu não falto um dia. Eu só queria uma banquinha, sabe? Para eu ficar lá dentro. Para mim seria uma proteção. E olha, ninguém nunca mexeu eu carro meu”, se gaba.

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