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Comportamento

Há 25 anos na mesma esquina, vendedora de jornal é personagem da Tamandaré

Paula Maciulevicius | 20/01/2014 06:22
Sem usar relógio, motorista nem precisa buzinar, mas ela sabe de cabeça quem passa e a que horas. (Fotos: Marcos Ermínio)
Sem usar relógio, motorista nem precisa buzinar, mas ela sabe de cabeça quem passa e a que horas. (Fotos: Marcos Ermínio)

A rotina dela é a mesma há 25 anos. De ter em mãos as notícias do dia às 3h da manhã. Faça chuva ou faça sol, Marisângela Dias Lenos, de 58 anos, está na esquina da Júlio de Castilhos com a Tamandaré, vendendo jornais. Se o pé d’água é violento, ela se esconde debaixo de capa de chuva ou dentro do carro, uma antiga Parati branca, que fica estacionada ao lado do posto de combustíveis. Mas faltar, jamais. Houve apenas uma exceção, há quatro anos.

A vendedora chega do Oliveira II, com uma garrafa de café no carro, velhinha, que ela confessa que é o xodó e 45 exemplares do jornal Correio do Estado, além do banquinho vermelho que fica no canteiro da avenida. Corumbaense, pegou ali como ponto de um senhor que se aposentou na venda e desde então bate cartão pontualmente às 4h30 da manhã.

“Tem 25 anos que estou aqui, você não era nem nascida ainda. Vendo só Correio e toda a minha vida foi nessa região, morei muitos anos aqui e conheço quase todos... Lá vem uma médica...” e assim interrompe a conversa para atravessar a rua correndo e entregar o jornal. O detalhe é que ela não usa relógio e a compradora não chegou nem a buzinar.

Na volta, ela explica: “desde quando comecei, eu sei o horário de cada um. Às vezes, deitada, de olho fechado em casa, eu escuto e falo lá vem eles”, descreve.

O marido trabalhava em fazenda, coisa que ela nunca gostou, nem quando era dona. “Eu também já tive situação financeira boa”, completa. Mas fazenda não era pra ela. “Resolvi vender, era o que eu gostava de fazer”. De início, ela tinha duas ajudantes e vendia 300 jornais por dia. Quando o azar batia à porta e o movimento era fraco, geralmente em feriados, o mínimo vendido eram 180.

Ponto é canteiro da avenida Júlio de Castilhos, próximo à Tamandaré.
Ponto é canteiro da avenida Júlio de Castilhos, próximo à Tamandaré.

“Caiu demais a venda, hoje eu mexo com reciclagem de latinha, porque os jornais não estão dando mais nada. Naquela época não tinha internet, não estava na internet”, resume.

O último cliente a passar é uma autoridade que ela não revela quem é de jeito nenhum. “Ele passa às 8h, aí eu vou embora. Ele é grande, eu sempre vendia, mas não sabia quem era. Depois que eu vi ele na televisão, ele nem parece que é isso, ele não transparecia”, conta.

A rotina é puxada para Marisângela que para acordar às 2h40, precisa ir para a cama antes das 7h da noite. Em horário de verão, ainda tem sol lá fora quando ela dá o dia por encerrado.

Os 45 exemplares são todos vendidos, com exceção de um, que ela tira para si. Nos dias de venda recorde, se não fizesse isso, precisava passar em uma banca para comprar o seu. “Eu leio. Tem que ler, eu sempre tive o hábito de ler”, afirma.

A exceção que a fez faltar foi a morte do irmão, durante a madrugada por leishmaniose. “Foi um desespero. Eu nunca tinha faltado. Mas fui e expliquei, não cobraram pelos jornais daquele dia, eles entenderam”. E no dia seguinte, ela estava ali, com banquinho vermelho no canteiro e a Parati branca estacionada.

O valor é R$ 1,30, mas a maioria compra por R$ 1,50 ou R$ 2,00 e se recusa a receber troco. Há 25 anos ali, hoje ela pensa em se aposentar das manchetes e pular para os cabelos. Para este ano, Marisângela vai se inscrever num curso para trabalhar em sacão de beleza. “Vou mexer com cabelo, continuar mexendo com gente, que eu adoro”.

Por fim, pergunto, o que é notícia boa para quem vive de vender manchetes? “O que é notícia boa é o que me deixa feliz e faz vender jornal rápido. Vou falar que daí eu fico alegre quando acontece uma bomba de verdade, quando estoura sabe? O Alcides Bernal, todo mundo chia”, finaliza.

Para Marisângela, notícia boa é quando estoura bomba de verdade. Aí sim, vende jornal.
Para Marisângela, notícia boa é quando estoura bomba de verdade. Aí sim, vende jornal.
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