ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, TERÇA  23    CAMPO GRANDE 22º

Comportamento

Há 40 anos, depois de um baile, avião explodiu e comoção paralisou Campo Grande

Paula Maciulevicius | 02/06/2014 06:45
18 de setembro de 1974, data daquele que até hoje é considerado o maior acidente aéreo da aviação sul-mato-grossense. (Fotos: Roberto Higa)
18 de setembro de 1974, data daquele que até hoje é considerado o maior acidente aéreo da aviação sul-mato-grossense. (Fotos: Roberto Higa)

Quando o céu choveu estrelas, um Búfalo da FAB (Força Aérea Brasileira) caiu em Ponta Porã, matando 19 militares. A aeronave C-115 levantou voo na Base Aérea de Campo Grande. Devido ao rigor com o horário do coronel José Hélio Macedo Carvalho, à época comandante da Base e o piloto do Búfalo, muita gente perdeu o embarque. Apesar do flerte com a morte, não era a hora deles. Da explosão, apenas um militar sobreviveu. Um sargento que, para ajudar no pouso, estava de pé e foi arremessado.

Dia 18 de setembro de 1974, data daquele que até hoje é considerado o maior acidente aéreo da aviação sul-mato-grossense. As imagens voltaram à cena 40 anos depois, pela publicação das fotos de Roberto Higa e nos veio à cabeça que relatar o passado pode ser uma das faces do presente e do jornalismo de hoje.

A notícia que estampou jornais e ganhou repercussão nacional hoje volta à capa do Lado B, como forma de reviver o que um dia foi manchete, pela tristeza da tragédia que matou protagonistas do alto escalão militar de todo País e pela ironia. Do acidente, os 19 caixões foram velados no Círculo Militar, clube onde, dias antes, os mesmos senhores dançavam em baile.

Entre os que deveriam estar no avião, mas o destino mudou as regras, o próprio Roberto Higa. As lentes dele que capturaram o que restou da explosão do avião em Ponta Porã. O olhar devia ser muito mais emotivo, porque era ele quem podia estar entre os escombros.

Velório dos 19 corpos foram no Círculo Militar.
Velório dos 19 corpos foram no Círculo Militar.

“Nós tínhamos recebido o convite para ir naquela viagem. Era o encerramento da manobra feita no Estado. Antigamente era treinamento dos militares, que separavam grupos e caçava um ao outro. O motorista que nos levaria acabou que não passou e não embarcamos. Depois ficamos sabendo que o avião tinha caído, pegamos o carro do jornal, uma Brasília e fomos. Foi uma comoção muito grande”, relembra Higa. Além dele e do jornalista Luca Maribondo, mais gente da imprensa havia sido convidada. Ninguém foi.

Aos 11 anos, Germano Barros de Souza Filho ouvia o som das sirenes da chegada dos corpos ao Hospital Geral assim como a corneta tocada por um cabo do Exército que só conseguia chorar. Filho do médico militar diretor do HG e quem reconheceu os corpos, Germaninho era só um menino que do muro de casa acompanhava toda movimentação. Os protagonistas da tragédia eram todos conhecidos da sua família e esta foi a primeira vez que o garoto viu a morte tão de perto. Isso porque seu pai, Germano Barros de Souza também perdeu aquele avião.

“O avião ia fazer escala em Bela Vista, meu pai saiu num jipe atrás, o avião sobrevoou Nioaque e não tinha como descer. Ele então voltou para Campo Grande. Ficamos sabendo que o avião tinha caído na hora do almoço. Foi terrível”, lembra.

No avião estava praticamente todo o comando militar de Campo Grande. Os corpos vieram para a Base em uma locomotiva que viajava sem fazer escala. “Onde era o HG, ao lado tinha uma unidade do exército que era depósito de combustível, o trem entrava lá dentro, aí vinha a ambulância e levava os caixões”, descreve.

O pai do menino foi quem reconheceu os militares através da identificação do uniforme, patente e aliança. “No velório, estavam soldados fardados de gala e o caixão coberto com a bandeira do Brasil. Dois, três dias antes, eles, ironicamente dançavam baile onde horas depois seriam velados. Eu não sei o que aconteceu, o Macedo era um excelente piloto”, conta Germano, hoje com 51 anos.

Na sala histórica da Base Aérea, uma caixa de madeira guarda os fragmentos do Búfalo. (Foto: Paula Maciulevicius)
Na sala histórica da Base Aérea, uma caixa de madeira guarda os fragmentos do Búfalo. (Foto: Paula Maciulevicius)

Na sala histórica da Base Aérea, um capa de jornal conta a história do trágico acidente. Bem próximo, uma caixa de madeira guarda os fragmentos do Búfalo. O acidente matou 19 militares, incluindo o então comandante da Base, Coronel José Hélio Macedo Carvalho e o comandante da 9 região militar, general de divisão Alberto Carlos de Mendonça Lima.

O único sobrevivente da tragédia foi o mecânico da aeronáutica, sargento Shiro Ashiushi, que passou mais de um ano no hospital e perdeu as duas pernas. Quando os militares de Campo Grande souberam do acidente, os relatos denominam como “fato macabro”. A notícia chegou trazendo o escurecer do céu. Mesmo sendo por volta de 8h30 da manhã, o céu de brigadeiro se pôs e virou noite na Capital.

Naquela manhã do dia 18 de setembro, a ponta da asa da aeronave bateu num poste e explodiu. Segundo o sub oficial da Aeronáutica e historiador da Base, Carlos Alberto de Carvalho, o avião havia sido reabastecido há pouco tempo, o combustível levou à explosão.

A comitiva do Exército estava, naquele voo, fazendo uma visita de reconhecimento às unidades do interior. Na rota estavam Nioaque e Bela Vista, como o tempo não estava bom, resolveram seguir para Ponta Porã, onde tinha base de apoio.

“O coronel Israel Cavalcante Silva comenta que foi comunicado ao rádio que o avião C-115 iria fazer uma aproximação para pousar. Entretanto, senão fosse possível a aterrissagem, o piloto faria uma arremetida rumo a Campo Grande. A comunicação foi cortada depois disso e o avião acabou caindo entre o aeroporto e a cidade”, conta uma das páginas do jornal.

O único sobrevivente, Shiro Ashiushi, mora, segundo a Base Aérea de Campo Grande, em Taubaté, interior de São Paulo.

Quando o avião caiu, o Brasil ainda passava pelo período de repressão. Na apresentação de uma peça em São Paulo, o compositor e humorista Juca Chaves disse que “havia chovido estrelas no céu de Mato Grosso”, se referindo às patentes dos militares mortos. O episódio entrou para a história e Juca foi repreendido.

Campo Grande em peso esteve na despedida. A imprensa foi impedida de entrar.
Campo Grande em peso esteve na despedida. A imprensa foi impedida de entrar.
Nos siga no Google Notícias