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Comportamento

Há comportamentos "sem noção" que irritam e muito um deficiente físico

Paula Maciulevicius e Thailla Torres | 19/06/2016 07:10
"O que mais me incomoda é acharem que a deficiência é um fator para terem dó" (Foto: Alcides Neto)
"O que mais me incomoda é acharem que a deficiência é um fator para terem dó" (Foto: Alcides Neto)

Quem foi parar em uma cadeira de rodas, por doença ou depois de algum acidente, além de lidar com todas as dificuldades que isso representa, ainda aguenta cada coisa por ai. E, desta vez, a gente não está falando de acessibilidade. A lista de comportamentos "sem noção" está entre as coisas que mais irritam quem tem algum tipo de deficiência.

No lugar do cumprimento com beijinho no rosto, o beijo vai na testa. Pode parecer detalhe, mas para quem passou a só receber beijinho na testa, soa como piedade. E até na hora de conversar, fica claro como é complicado lidar com a diferença. Quem está na cadeira quer que o outro converse no mesmo nível, olho no olho, mas o jeito na maioria das vezes é exercitar o pescoço para suportar todo o bate-papo olhando pra cima. E isso é apenas o detalhe, tem coisa muito mais chata.

Para Mirella, incômodo é não ter ninguém olhando nos olhos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Para Mirella, incômodo é não ter ninguém olhando nos olhos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Pode ser falta de sensibilidade ou de informação. É essa a visão da presidente da Associação das Mulheres com Deficiência em Campo Grande. Mirella Ballatore Holland Tosta tem 52 anos de idade e usa cadeira de rodas desde os 11. Popularmente, a pedagoga hoje aposentada, tem o que é chamado de "ossos de cristal". Antes de virar associação, a ideia começou como comissão em março do ano passado, justamente para dar visibilidade às mulheres com deficiência.

"O descaso é falta de informação. Às vezes a pessoa não faz nem por mal, mas chateia muito", diz. A falta de colágeno no organismo dela fez com que a cadeira se tornasse parte do próprio corpo e o que lhe incomoda vem justamente disso.

"Quando ficam tocando na minha cadeira, sabe? Às vezes balançam a perna e batem ou querem fazer de cabide e isso é muito irritante", descreve. Mas o principal mesmo está na conversa onde os olhos não se encontram. "As pessoas não se abaixam e é horrível você ficar olhando para cima. E quando chega outro então e começa a falar? Você fica ali sentada e é como se não existisse", desabafa Mirella.

Após um acidente em 2000, Laudemir Antunes Silva, de 35 anos, ficou sem o movimento nas pernas. O processo de adaptação parece ter sido muito mais rápido do que o entendimento das pessoas sobre a sua capacidade diante da deficiência.

"O olhar duvidoso das pessoas é o que machuca. O que mais me incomoda é acharem que a deficiência é um fator para terem dó", lamenta.

Trabalhando em escola após a recuperação, ele afirma que foi difícil até para a família entender que ele podia ser independente. "Existe uma superproteção e as vezes acreditam que a gente não é capaz. Algumas pessoas fazem até careta achando que eu não vou dar conta".

Fazendo quase tudo sozinho, o momento em que dirige o próprio o carro é quando sente os olhares apreensivos. "Vejo um espanto por me verem dirigindo, elas esperam que um cadeirante sempre vai ter alguém do lado para auxiliar".

Gabrielli fala que além do: "Ah, tão nova..." tem também quem prefira recuar até na hora do Pai Nosso. (Foto: Alcides Neto)
Gabrielli fala que além do: "Ah, tão nova..." tem também quem prefira recuar até na hora do Pai Nosso. (Foto: Alcides Neto)

Gabrielli não está numa cadeira de rodas, mas teve parte do braço direito amputado depois de um acidente, dois anos trás. A estudante de Engenharia da Computação percebe nas ruas os olhos das pessoas carregados de dó. "Ah, tão nova, né?" reproduz o que ouve por aí, Gabrielli Guenka, de 23 anos.

Um caso clássico da reação das pessoas é na missa. No momento do Pai Nosso ou de desejar a "Paz de Cristo" entre os fieis, tem gente que fica sem saber o que fazer quando não encontra a mão e resolve desviar o olhar. "A pessoa fica me olhando, parece que não quer pegar em você com medo de cair alguma parte do seu corpo. E eu tenho dois ombros, pode pegar", conta.

O que a incomoda também é pensarem que só pela falta do braço ela não é capaz de fazer nada. "Se eu conto que cozinhei, ouço: 'mentira, você faz isso?' Se eu falo, é porque eu faço, não é?" questiona. Ao encontrar crianças, a curiosidade passaria batido se não fosse a repreensão dos adultos. Os pais advertem quando os pequenos perguntam a eles. "Ao invés de simplesmente falar: tem gente que não tem, mas isso não é um problema, não. Manda o menino ficar quieto", relata Gabrielli.

Hoje mais baixa que a maioria das pessoas, a jornalista Ana Paula Cardoso, de 32 anos, fala que o beijo na testa é o maior incômodo. "Não sei qual é o verdadeiro sentido, se é a preguiça de se abaixar para cumprimentar, mas é beijo na testa e mão na cabeça", descreve.

Cadeirante por conta de um acidente de carro, antes da batida ninguém nunca havia lhe beijado a testa na hora de dizer oi. Outra coisa que mudou foi o abraço, no caso, a ausência dele. "Não sei se é receio de pegar, mas diminuiu bastante. Comecei a observar isso depois de estar na cadeira, é uma mudança no comportamento", constata.

O mais absurdo são as palavras de quem parece não agir por mal, mas tudo levar a crer o contrário. Nas ruas, a estudante Angel Campos Magalhães, de 22 anos, já ouviu gente dizer que se orasse, a perna esquerda cresceria de volta.

Três anos atrás um acidente de moto fez ela perder parte da perna. "Geralmente são pessoas de mais idade, mas essa de parar e me falar para rezar... Outra coisa que me irrita é o coitadinho e principalmente que as pessoas falam como se além de deficiente físico, você fosse auditivo também e não tivesse escutando", exemplifica.

 Jansen resolveu confiar em si mesmo para não se importar mais com os outros. (Foto: Arquivo pessoal)
Jansen resolveu confiar em si mesmo para não se importar mais com os outros. (Foto: Arquivo pessoal)

Aos 27 anos, Jansen Marques diz que é impressionante o que ouve nas ruas. Ele nasceu com má formação congênita, que reduziu a mobilidade nos braços. Também tem uma perna menor que a outra.  

"Aleijadinho" é só um dos apelidos que ouviu na vida. Muitas fazes, só o olhar de alguém já bate como reprovação. "Eu me incomodo, mas passa porque eu sei que muitas vezes as pessoas falam por falta de conhecimento. Elas duvidam que eu consigo dirigir, andar sozinho e até ter um relacionamento amoroso", descreve.

A namorada serviu como mais uma lição contra a palavra alheia. "Por conta dos olhares, cheguei a pensar que não fosse capaz de me relacionar com alguém, mas quando comecei a namorar, vi que que só bastava me conhecer melhor e quem sabe ter o respeito que a gente merece", comenta.

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