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Comportamento

Já namorei homem e mulher. "Não cara! Eu não sou uma sapatão mal resolvida"

Elverson Cardozo | 14/04/2015 06:34
Quero saber de onde diabos as pessoas tiraram que eu devo amar homem só porque sou mulher?!
Quero saber de onde diabos as pessoas tiraram que eu devo amar homem só porque sou mulher?!

Na sétima reportagem da série "Saindo do Armário", o Lado B abre espaço para uma bissexual, a acadêmica de Letras Inayá Borba Martini, de 23 anos. Diferente de muita gente, ela teve o privilégio de nascer em uma família que sempre prezou pelo amor, acima de qualquer orientação sexual.  Se assumir não foi, para ela, um grande trauma. Hoje ela entende que avisar as pessoas da própria sexualidade é uma "questão revolucionária". "Assumir é natural. Necessário. Preciso", diz.

“Hoje, moro com um homem. Antes, morava com uma mulher”

Bissexual: Criatura cuja orientação sexual é voltada para o sexo oposto e para o mesmo sexo. Não, não ficamos com duas pessoas ao mesmo tempo. Não, não somos confusos. Não cara! Eu não sou uma sapatão mal resolvida. Posso começar o texto?

Tudo começou com a sorte de eu ter nascido filha de um dos melhores casais do mundo. Anita Borba e Henrique Martini. Minha infância foi sempre muito dinâmica, cercada de livros e toda a esquerda de Mato Grosso do Sul.

Meus 11 anos. Morava em Brasília com companhias, em sua maioria, masculinas. Estava na idade de: “qual minha cor favorita? O que eu vou ser quando crescer?” Será que a coruja do Harry Potter vai vir?”. Nada demais. Completamente criança. Mas meus problemas começaram quando os meninos da rua resolveram me proibir de participar de certas brincadeiras porque eu era menina. Como assim?

Já sabia fazer cerol! Subir em árvore! Jogar jamelão nos moleques! Falar palavrão, falar o que penso, peidar e arrotar. Não pode? Como assim? “Não sente de pernas abertas! Cadê seus vestidos? Porque você não prende o cabelo? Azul é cor de menino! Onde já se viu guria usar boné! Sua feia! Feia! Feia!” - era o que a sociedade, em seu coro boçal, gritava para uma criança. E em casa, ouvia: “você tem que ser o que você quiser, o que realmente é”.

Então, um dia, eu e meu irmão (por parte de pai) pegamos escondidos umas revistas pornográficas. No momento da separação das revistas, eu reparei que meu irmão só me dava as revistas que haviam homens nus. Absolutamente revoltada, eu o questionei por este ato. Então ele me disse:

- Ué! É que você é menina!
- E? – retruquei.
- E... Ah.... Sei lá. É que menina gosta de homem... Não é assim? Sei lá! Me disseram que era assim...
- Quem disse? Nada a vê. Vamos fazer assim. Eu vejo as dos homens e você das mulheres. Daí a gente troca – finalizei.

Pronto. Meu irmão odiou as revistas de homens nus e eu amei ver tudo. Até aquele momento, não havia pensado que eu tinha que avisar as pessoas que eu gostava de meninos e meninas. Depois, notei que avisar as pessoas da minha sexualidade é uma questão revolucionária. Assumir é natural. Necessário. Preciso.

Meus pais me ensinaram que o amor é a maior força que existe. Com 5 anos, eles me ensinaram que sexo é amor e confiança entre duas pessoas. Porque eu queria saber. E hoje eu quero saber de onde diabos as pessoas tiraram que eu devo amar homem só porque sou mulher?!

Quando contei oficialmente para a minha mãe:

- Uhul! Lindo filha. Eu acho os bissexuais criaturas lindas porque são capazes de amar todo mundo sem diferenças.

Quando contei oficialmente para o meu pai:

- E? Qual é a grande coisa aí? Eu e sua mãe lutamos pelos LGBTs a vida toda junto com outras lutas. Vamos comer?

Hoje, moro com um homem. Antes, morava com uma mulher. E antes, namorei um homem. E antes... O universo se fez, a terra se desprendeu do sol e formou vida complexa. Você morre esmagado na atmosfera de uma estrela de nêutron, mas vive tranquilo no planeta terra. Você envelhece mais devagar em Júpiter. Vão assassinar Júpiter porque ele não é “natural”? Vão negar que a estrela de nêutron existe porque é uma “aberração”?

Só fui notar que ser bissexual se tornaria um problema quando notei que ser mulher também seria um problema. Se fora de casa me reprimiam por parecer homem, isso significava então que existem leis na sociedade para ser mulher. E se eu desrespeitasse essas leis, iria pagar caro com violência, abusos verbais, exclusão e xingamentos.

Logo, meu primeiro e maior problema: ser mulher numa sociedade patriarcalista. Homofobia é só mais braço do machismo. Matam homens que fazem coisas ditas femininas e estupram mulheres por fazerem coisas ditas masculinas. Tudo em nome da “ordem”.

A esses, eu digo “não (risada maléfica), não adianta nos matar e tentar nos curar. LGBTTs sempre existiram e sempre vão existir. Coloridos! Uni-vos! Peguem seus armários e façam barricadas contra a violência reacionária! Se quiser sair do armário saia. Se não quiser, saia! A gente precisa de cada colorido pra lutar contra esse cinza maçante. Eu gosto de meninos e meninas. Vai ver que é assim mesmo. E é. Vai ser assim para sempre.

Envie seu relato - Se identificou com a história da Inayá? Tem alguma para contar? Compartilhe com a gente! Mande um e-mail para ladob@news.com.br

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