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Comportamento

Lado B testa beijo gay em público e a reação nas ruas é surpreendente

Paula Maciulevicius | 23/10/2015 06:12
Beijo na praça. (Foto: Gerson Walber)
Beijo na praça. (Foto: Gerson Walber)

Na semana anterior, a polêmica surgiu quando um bar de blues da cidade chamou atenção de um casal gay que trocava um beijo. A repreensão saiu num pedido de "menos rapazes", o que levantou o questionamento: se fosse um casal hétero, a postura teria sido a mesma? Por isso, o Lado B resolveu testar a reação de quem vive em Campo Grande ao ver um beijo gay ou a troca de carícias entre dois iguais.

A ideia inicial era por um manifesto pelo carinho sem preconceito. Mas foi um pouco difícil encontrar casais homossexuais que dessem a cara à tapa nos pontos mais movimentados da cidade: no cruzamento da 14 com a Afonso Pena e da praça de alimentação de um shopping.

Finalmente, em parceria com o blog Dois Iguais, chegamos até Igor, de 32 anos e Theodoro, de 29, casal que está junto há quase 2 anos. Corajosos, os dois toparam sair durante dois dias com o Lado B e namorar em locais públicos.

Coitados, sofreram mais do que a gente esperava e olha que a perseguição começou antes mesmo da troca de um beijo na boca. Pessoas chegam a virar o pescoço, torcer o nariz, ou no caso levantar para discutir. Mas o casal também recebeu apoio.

Só de andarem de mãos dadas e abraçados, quem via a cena virava a cara para acompanhar. (Foto: Fernando Antunes)
Só de andarem de mãos dadas e abraçados, quem via a cena virava a cara para acompanhar. (Foto: Fernando Antunes)

Primeiro Dia - As carícias

Pelas ruas da cidade o que teve foi gente virando, cutucando, comentando. Igor e Theodoro estavam só de mãos dadas e depois se abraçaram na porta de uma loja. Ao entrarem na praça de alimentação de um shopping, a reação foi a pior de todas. Os olhares tortos chegaram a tal ponto que teve gente que se sentiu mal, levantou e foi questionar se "atrás do casal gay, ele aparecia". Detalhe: a gente nem tinha chegado no beijo ainda.

O rapaz incomodado chegou a pedir para ver a fotografia. Ele aparecia, embaçado e de fundo, quando o casal apenas trocava carinho com as mãos, mas se revoltou sob o argumento de que se algum parente visse ele de fundo na foto dos gays, "não ia pegar bem".

Jovem, de 26 anos, ele ocupa um cargo administrativo como chefe de consignados de uma empresa de Cuiabá, mas que presta serviços aqui. O primeiro questionamento foi: incomoda? "Lógico, claro. Porque é totalmente constrangedor. Se eu estou com o meu filho, minha família, eu vou me sentir constrangido. Hoje em dia o povo acha normal, não tenho anda contra, mas olha para eles? Eu acho que vocês deveriam assim, estar em casa e não ter os seus momentos em público".

O discurso é dito na cara do casal. E o rapaz continua questionando o que diria ao filho quando crescer e ver aquela cena, que poderia achar "normal" e querer fazer também. O argumento não para por aí, ele cita a Bíblia e a definição de que família é constituída só por homem e mulher. Se nega ainda a aceitar o casal como família e descreve que os dois são: "um homem satisfazendo os desejos do outro".

Pergunto se ele não acha que isso é preconceito? Para o rapaz não. É apenas a opinião dele. "Só acho que tinham que ter mais respeito, assim como vocês querem mais respeito. Se quer se tocar, acariciar, se beijar, faça isso entre quatro paredes".

Ao lado, um pai e uma filha também são fotografados olhando. Alex Almeida, de 30 anos, é cozinheiro e explica que o que chamou atenção foi a câmera e não a troca de carícias. "Não existe lugar apropriado para beijar uma pessoa, é a demonstração de um sentimento. Por que causa tanta reação? Aí já não sei o que dizer. É que tem pessoas que são bem preconceituosas".

A filha de 10 anos diz que não viu nada demais e mesmo se tivesse visto... "Eu não ligo, já vi uma vez um beijo gay, quando saí com a minha mãe. Acho que assustei só porque eu nunca vi, quando olho da primeira vez que assusta", argumenta a menina.

Pai com filha acompanham a conversa do casal. Entrevistado explicou que espanto foi para a câmera e não por eles. (Foto: Fernando Antunes)
Pai com filha acompanham a conversa do casal. Entrevistado explicou que espanto foi para a câmera e não por eles. (Foto: Fernando Antunes)
Bastou um carinho para que o jovem que aparece embaçado atrás da foto levantasse para questionar. (Foto: Fernando Antunes)
Bastou um carinho para que o jovem que aparece embaçado atrás da foto levantasse para questionar. (Foto: Fernando Antunes)
Corajosos, Igor e Theodoro aceitaram dar a cara à tapa para levantar bandeira de que beijo gay pode ser dado em público. (Foto: Gerson Walber)
Corajosos, Igor e Theodoro aceitaram dar a cara à tapa para levantar bandeira de que beijo gay pode ser dado em público. (Foto: Gerson Walber)

Segundo dia - O beijo

O relógio marcava 18h, pleno horário de pico no Centro da cidade. Rua 14 de Julho, esquina com a Avenida Afonso Pena. Enquanto pedestres corriam para pegar ônibus, eles protagonizavam um beijo, como de quem se encontra no fim do expediente. De imediato começaram as reações: um jovem balança a cabeça, o outro olha torto, mas se policia e segue adiante e uma mulher até "corre" como quem não quer ver.

"Não incomoda não, é normal. Cada um tem sua vida, escolhe o que quer da vida. Você só toma um choque, porque não é normal. Mas tem que começar a aceitar", diz Amauri Adão Sabino, vendedor, de 29 anos.

O que balança a cabeça em negativo é o assistente administrativo Lucas Souza, de 18 anos. Ele não se assustou porque via de longe a cena e ao mesmo tempo em que argumenta que não incomoda, diz que a vida é deles desde que o casal não "encha o saco". O que seria encher então? "Perturbação. Não quero falar, mas muita gente 'desse tipo aí' gosta de dar muito bafão".

Para Theodoro a experiência foi revolucionária e para nós também. (Foto: Gerson Walber)
Para Theodoro a experiência foi revolucionária e para nós também. (Foto: Gerson Walber)

Os beijos não eram agressivos. Com um ar romântico, fomos até o chafariz da Praça Ari Coelho. De imediato, quem estava ao redor nos bancos respondia com um balançar negativo de cabeça e "olha aí" ainda apontavam.

De novo as respostas são ditas na cara de um deles. Theodoro me acompanha. "É nojento. É uma coisa que para mim, sei lá. Ainda mais por causa das crianças, como elas vão crescer hoje em dia? Vendo esse tipo de coisa errada diante de Deus. Na minha opinião eu não acho legal não. Como sou cristão, da minha parte, não aceito. Tenho nojo", pregava o eletricista Marcio Lopes Pereira, de 27 anos.

O mesmo pensamento foi compartilhado por quem lhe fazia companhia no banco. Rosana Gonçalves é manicure, tem 48 anos. "Eu fiquei triste diante de Deus, porque Deus criou o homem para ser homem e a mulher para ser mulher. Isso é um pecado total".

O discurso em nome de um Deus é propagado assim, para quem quiser escutar, sem papas na língua. "Não pode beijar. É a lei de Deus e a gente não pode aceitar isso. É errado, é o carimbo de um passaporte para o inferno", diz o montador de móveis Fabio Deghiche, de 36 anos.

Em todas as discussões, as entrevistas foram gravadas. Os entrevistados ainda se "desculpavam", ou pensavam que estavam fazendo isso ao dizer "nada contra, viu, nada contra".

Para quem está do outro lado, o discurso não mudou. Theodoro ouve isso desde a escola e já até se "acostumou". É sorrindo que ele devolve as críticas e quando cabe, responde.

A experiência para ele foi revolucionária e para o Lado B também.

"Para mim é uma felicidade imensa ter vivido essa experiência: beijado no Centro da cidade, no cruzamento. Porque independente do que as pessoas sejam e da minha história de vida com o preconceito e a discriminação, a gente vai se amar em todos os espaços. Queiram as pessoas ou não".

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