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Comportamento

Médico sai de Mato Grosso do Sul para descobrir no Pará a força de uma tribo

“Eles só querem seguir sendo índios”, afirma Nilson que há 20 dias percorre aldeias isoladas ao redor do Rio Tapajós para atendimentos

Danielle Valentim | 20/04/2019 08:03
Índia descascando mandiocas para fabricação de farinha. (Foto: Nonato Silva/ Faro Fino)
Índia descascando mandiocas para fabricação de farinha. (Foto: Nonato Silva/ Faro Fino)

Viver na natureza e se alimentar do que vem da terra. Isso é riqueza para o índio. A modernidade e a destruição invadem as aldeias na mesma intensidade e a cultura dos primeiros moradores do país pede socorro. Esta é a visão do médico de Campo Grande Nilson Moura, de 27 anos, que em apenas 20 dias tem presenciado as mais diversas dificuldades do povo Mundukuro, na Aldeia Muiuçuzão - estrada transamazônica - a 40 km de Jacareacanga, interior do Pará.

Nilson se graduou em medicina em Santa Cruz de La Sierra, em 2017, e sem provas do Revalida há dois anos no Brasil, o recém-formado permaneceu na Bolívia se preparando para o exame e se dedicando à área do esporte.

No dia 23 de março, Nilson foi aprovado no curso organizado pelo Programa Mais Médicos, em Brasília, e seguiu para Itaituba, no Pará, cidade base do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) Rio Tapajós, grupo formado por 11 médicos. Depois de chegar à base, o médico viajou mais dez horas para chegar à cidade mais próxima das aldeias a serem atendidas, Jacareacanga.

Dentro da região amazônica, os locais são visitados a cada nova missão. Na última vez que o Nilson se conectou a internet, na segunda-feira (15), ele havia ficado cinco dias desconectado atendendo aldeias que abrigam o povo Mundukuru, entre elas a Muiuçuzão.

Dormindo em redes e com o uso de energia elétrica das 6h às 22h, por gerador, o médico pontua a experiência única e fortalecedora. “As condições não são as melhores, mas é uma experiência única. São pessoas acolhedoras e alegres. Se eles pescarem cinco peixes, três pequenos, um médio e um grande, com certeza te darão o grande. Não se importam com o luxo ou mordomia são simples, só querem uma vida ali [aldeia] em paz, tranquilos e com a natureza”, conta.

Parte da equipe Dsei Rio Tapajós. (Foto: Reprodução/Instagram)
Parte da equipe Dsei Rio Tapajós. (Foto: Reprodução/Instagram)

Segundo ele, a área a ser atendida é gigantesca e em alguns pontos só se chega de helicóptero ou de barco em viagem de até dois dias. Cada um dos 11 médicos é designado a atender um polo. Nilson, por exemplo, atendeu nesta semana, os Mundukurus; outros colegas, os Kaiapós.

Os profissionais são orientados a evitarem fotos ou exposição dos nativos e, por isso, as imagens não mostram os índios. Apesar de isolada, a tecnologia avançou aldeia adentro com roupas, televisores e celulares.

Nilson admite que nem precisou conversar, especificamente, sobre o que o povo reivindica para entender o que eles precisam. “Eles só querem o espaço deles, seguir sendo índios, cultivando a tradição e cultura deles. A sociedade suja o rio que eles pescam, contamina as águas que eles bebem, principalmente, o garimpo, que enche as águas de mercúrio. O peixe contaminado alimenta os índios, que também acabam contaminados. E mesmo em meio a tanto adversidade, eles continuam sorrindo”, frisa o médico.

Enfermidades - Nilson destaca que é comum encontrar nas visitas, três famílias habitando a mesma casa. Segundo ele, há muitas crianças e adultos doentes. Entre as doenças, gripe, malária e diarreia devido à contaminação por parasitoses.

“Somos limitados pelos medicamentos que temos e faz falta exames de laboratório, que não temos em campo, daí temos que enviar o paciente até a cidade. Tentamos fazer o melhor, porque quando a gente chega aqui vê de perto o sofrimento desse povo. É muito gratificante e penso muito em quantas vezes reclamamos. É como eu te disse, eles não querem luxo, querem o respeito a sua famílias”.

“As condições não são as melhores, mas é uma experiência única", diz Nilson. (Foto: Reprodução/Instagram)
“As condições não são as melhores, mas é uma experiência única", diz Nilson. (Foto: Reprodução/Instagram)

Nos cinco dias de atendimento, Nilson não conheceu ninguém com vontade de deixar a aldeia. A não ser pela abundância de alimentos na cidade.

“A gente sempre tem vontade de conhecer novos lugares e contar sobre lugares turísticos, mas uma conversa me chamou muito a atenção. Teve um índio que eu perguntei se ele preferia a aldeia ou a cidade e ele me respondeu de imediato que era a aldeia. Então eu voltei a perguntar se ele já havia saído da aldeia ou visitado, por exemplo, o distrito de Alter do Chão, mundialmente conhecido. Ele respondeu que sim, que tinha ido a um passeio com a escola e que a única novidade era a comida. Me chamou a atenção ele evidenciar o alimento e não o fato de estar conhecendo um ponto turístico”, conta.

Desafios - A aldeia Muiuçuzão foi a primeira a ser atendida. Novas missões são dadas após encerramento dos atendimentos. Segundo Nilson, as próximas da lista são Sai Cinza e Katõ. Grandes e isoladas, as duas aldeias não recebem médicos desde a saída dos cubanos.

“Ainda atenderemos a Karapanatuba, Sai Cinza e Katõ. As duas últimas possuem 1500 habitantes cada uma e estão há quatro meses sem atendimento médico, ou seja, desde a saída dos cubanos”.

Povo de tradição guerreira, os Munduruku sempre dominaram culturalmente a região do Vale do Tapajós. Hoje em dia, suas guerras estão voltadas para garantir a integridade de seu território, ameaçado pelos garimpos de ouro, projetos hidrelétricos e a construção de hidrovia no Tapajós.

O povo Munduruku já ocupou a bacia do Tapajós de forma tão ampla que chegou a ser conhecido pelos europeus como “Mundurukânia”.

Em Carta dos Munduruku ao Governo escrita há seis anos, eles explicitam seu histórico, conhecimentos e lugares ancestrais que consideram ameaçados.

Guerreiros munduruku dançam com pintura usada em cerimônias para receber visitantes; Pintura foi confundida pela Polícia Federal como pintura de guerra. (Foto: Mauricio Torres)
Guerreiros munduruku dançam com pintura usada em cerimônias para receber visitantes; Pintura foi confundida pela Polícia Federal como pintura de guerra. (Foto: Mauricio Torres)

“Por que querem nos destruir, nós não somos cidadãos brasileiros? Somos tão insignificantes? O que o governo está declarando contra nós? Está declarando guerra para nos acabarem pra depois entregar as nossas terras aos latifundiários e para os agronegócios, hidrelétricas e mineração? O governo está pretendo tirar de nós porque não estamos dando lucro pra ele”, indagam em trecho do documento.

Os Munduruku estão situados em regiões e territórios diferentes nos estados do Pará (sudoeste, calha e afluentes do rio Tapajós, nos municípios de Santarém, Itaituba, Jacareacanga), Amazonas (leste, rio Canumã, município de Nova Olinda; e próximo a Transamazônica, município de Borba), Mato Grosso (Norte, região do rio dos Peixes, município e Juara).

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