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Comportamento

Minha vida de colunista social, barrada já de primeira por causa da cor

Lenilde Ramos | 28/02/2016 07:56
"Até aquele momento de minha vida, eu circulava com desenvoltura pelos bairros poeirentos da cidade". (Foto: Arquivo pessoal)
"Até aquele momento de minha vida, eu circulava com desenvoltura pelos bairros poeirentos da cidade". (Foto: Arquivo pessoal)

Quem me conhece sabe que, nos bastidores, sou meio troglodita e guardo as etiquetas para o trato social. Desde cedo queria ser jornalista e minha primeira chance foi no Diário da Serra, em 1974, com Valdir Cardoso na chefia de redação e Roberto Higa comandando o fotojornalismo.

A única função que me coube foi a coluna social e, de cara, vi que eu era um peixe fora d´água, mesmo assim resolvi agregar valor à minha tarefa. Comecei por telefone, assuntando o que acontecia nas altas rodas da cidade, sabendo que os salões me aguardavam.

Até aquele momento de minha vida, eu circulava com desenvoltura pelos bairros poeirentos da cidade envolvida em causas sociais, desfilava pelo velho Hospital São Julião, no meio dos hansenianos e dos voluntários italianos "lindos de viver" deixando Ir. Silvia preocupada e dava umas bandas nos festivais de música de Glorinha Sá Rosa, conhecendo os "enfant terribles" da época.

É claro que ao sair para frequentar o "grand monde" campo-grandense, prendi minha cachopa e coloquei um modelito "come ilfaut". Não adiantou nada. Fui barrada na porta do Rádio Clube por acharem que minha cor não combinava com o tom do ambiente.

Hoje em dia não existe mais isso. Mas fui notada por uma mulher revolucionária, empreendedora e negra: Irany Caovilla, que me colocou para desfilar no mesmo Rádio Clube.

Acabei sendo aceita e devo a quebra de protocolo a essa grande empresária da moda. Minha primeira grande recepção foi na Afonso Pena, no solar de um ícone do jet set local: Ivan Paes Barbosa.

Talvez por eu fugir do convencional, foi simpatia à primeira vista. Com Ivan pude sair do papo superficial para conversar sobre arte, cultura e me fascinar com as histórias de suas viagens. Já contei que nessa época os concursos de miss estavam no auge e os leitores adoravam minhas entrevistas com elas, até descobrirem que eu inventava quase todas.

Ah... também elas falavam sempre a mesma coisa... Uma vez Ivan Paes Barbosa ofereceu um café da manhã na sua antológica Chácara Gisele, em uma mesa à sombra de um arvoredo, digna de um filme de Hollywood.

De todos os quitutes, o que me chamou mais a atenção foi o queijo fresquíssimo, feito especialmente para nós. A um certo momento ele disse: "quero oferecer uma lembrancinha a cada um de vocês".

Já naquela época, aprendi que colunistas sociais são brindados ou vão à luta por seus mimos. Pensei um pouco e resolvi ousar, lembrando-me que o São Julião tentava formar um pequeno plantel para garantir um bom leite aos pacientes. Olhei para o pasto de nosso anfitrião, recheado das mais puras holandesas, criei coragem e disse: "Ivan Paes Barbosa, você pode dar uma dessas vacas para o São Julião?".

Em vez de se assustar ou de me olhar feio, Ivan falou com a maior classe: "Claro Lenilde, pode escolher". Quase não me contive, mas dei pulos de alegria e saí de lá com uma vaca holandesa vivinha a tiracolo. Quando ela deu cria, adivinha o nome que deram à bezerra? "Léa", que é meu apelido. Até hoje muita gente me chama assim. Minha vida de colunista não durou muito, mas rendeu!!!

*Lenilde Ramos é jornalista, sanfoneira e autora do livro História sem Nome.

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