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Comportamento

Moçambicano volta para casa após 3 graduações e 2 pós: "Sonhe, mas se esforce"

Elverson Cardozo | 23/03/2015 06:24
No dia da colação de grau em Pedagogia. (Foto: Arquivo Pessoal)
No dia da colação de grau em Pedagogia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em março de 2013, o Lado B contou a história de Toni Salvador Massiaba Jorge, 31, e, hoje, dois anos depois, o canal traz um desfecho inspirador. O moçambicano que veio estudar em Campo Grande está cumprindo, enfim, a promessa que fez quando aqui chegou, em 2008. Nesta terça-feira (24), ele embarca para São Paulo e, de lá, segue de volta para Moçambique, onde chega na quarta (25), para reencontrar a família, os amigos e, como ele mesmo diz, “ajudar o povo”.

No peito, está levando saudade e gratidão. Na bagagem, recordações e, com ele, apenas o que veio buscar: conhecimento. Após 7 anos, Toni Massiaba volta para casa com três graduações concluídas: Pedagogia, Enfermagem e Teologia, além de duas pós, uma em Saúde Pública e outra em Pediatria.

É para poucos, mas ele, que nada tinha, conseguiu e deixa, a quem possa interessar, a "fórmula do sucesso": "É não desistir dos seus sonhos. Dificuldade você vai encontrar no caminho e, às vezes, encontra em pessoas que você não contava. Não desista. Vai em frente. Deus ajuda a realizar. Mas também não adianta nada você sonhar sem querer se esforçar. Sonhe, mas se esforce".

Trajetória – Quinto filho de um casal de camponeses, Toni viveu na costa oriental da África Austral até os 24 anos. O rapaz teve uma infância sofrida, longe de qualquer luxo e das diversões necessárias a toda criança.

Com apenas 4 anos, o menino já trabalhava na roça junto com os irmãos, que também ajudavam na plantação e colheita de alimentos com amendoim e feijão. Por anos, parte da madrugada, para ele, virou dia. Muitas vezes o trabalho durava até o fim da tarde.

Não tinha como ser diferente. A ajuda garantia a alimentação da família, já que a agricultura sempre foi de subsistência. A renda, quando surgia, não passava de 2 dólares por dia, cerca de R$ 3,20, na cotação atual.

Foi assim até os 10 anos, quando ele resolveu estudar para lutar por um futuro melhor. A situação, a partir daí, ficou ainda mais crítica. Para conseguir comprar materiais básicos da escola, os pais, que sempre o apoiaram, se viram obrigados a vender parte dos alimentos que colhiam em um dia inteiro de trabalho. Por várias vezes, o reflexo foi visto à mesa. Houve dias em que todos da casa foram dormir sem jantar.

Quando havia refeição, o jeito era se contentar com pão ou mandioca com chá no café da manhã. O almoço geralmente era polenta, peixe ou folhas. A sala de aula, do primeiro ao 5º ano, foi debaixo de uma árvore. Nos anos seguintes, até o término do ensino fundamental, a turma foi para uma escola feito de pau a pique, mas não havia cadeiras.

A lousa era um quadrado feito de cimento. O primeiro, segundo e terceiro ano foram diferentes. As salas já contavam, pelo menos, com carteiras. Com o ensino médio completo, Toni passou a dar aulas de biologia para crianças em um orfanato.

Uma luz no fim do túnel - Em 2008, a história começou a mudar. O encontro com uma médica brasileira, campo-grandense, que estava em viagem missionária naquele país, trouxe novas esperanças ao jovem que sempre quis “ser alguém na vida”, mas não via saídas.

Em 2013, na biblioteca da UEMS, onde cursou pedagogia. (Foto: Elverson Cardozo)
Em 2013, na biblioteca da UEMS, onde cursou pedagogia. (Foto: Elverson Cardozo)

Com a ajuda dela, ele veio para Campo Grande, onde foi acolhido pela família da missionária. Ganhou bolsa para estudar teologia no Seminário Teológico Batista. Concluiu o curso, mas não parou.

Em 2010, tornou-se calouro de Enfermagem na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), onde ganhou bolsa de 50% depois de passar os primeiros seis meses pedindo R$ 10,00 emprestado a cada amigo para completar o valor, já que não podia trabalhar por conta do visto de estudante.

Um ano depois, ele revolveu tentar Pedagogia e conseguiu entrar para a UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). Dedicado, conseguiu conciliar os dois cursos e, finalmente, colou grau. Nesse intervalo, Toni aproveitou para fazer as pós.

A escolha das áreas foi estratégica. A maior parte da população de Moçambique não tem acesso à educação e a saúde é um caso sério, com índices assustadores de desnutrição e mortalidade infantil, por exemplo. Devido à necessidade, em “casa”, no país onde nasceu, Toni vai atuar como professor e praticamente como médico.

Despedida - Ele quer mais, mas, por enquanto, pretende exercer o que aprendeu em Moçambique. No sábado (21) à noite, o agora enfermeiro, teólogo e pedagogo Toni Massiaba ganhou uma despedida na igreja onde frequentou durante os 7 anos na cidade, a Batista Emanuel, que fica no Centro.

"Não desista. Vai em frente. Deus ajuda a realizar". (Foto: Elverson Cardozo)
"Não desista. Vai em frente. Deus ajuda a realizar". (Foto: Elverson Cardozo)

Em culto simples, com menos de 20 pessoas, o pastor Arlindo Brum, de 60 anos, dedicou boa parte do tempo para falar do moçambicano que, nas palavras dele, é uma pessoa dinâmica e corajosa, que não mede esforços para atingir os objetivos.

“Estamos enviando um missionário e um missionário qualificado, que conhece a cultura do seu povo e vai fazer a diferença”, disse. Também afirmou: “Você mostrou para nós, brasileiros, que às vezes não aproveitamos o que temos”

Um vídeo sobre a realidade e os costumes do “país de Toni” também foi exibido. Ele agradeceu e disse que partiria alegre por tudo o que conquistou e por toda a ajuda que recebeu, mas triste por deixar amigos tão queridos.

No púlpito, cantou e leu a Bíblia. Também leu uma carta de despedida. O Lado B reproduz na íntegra:

"Hoje sou feliz e triste ao mesmo tempo, porque faltam poucos dias para regressar à Moçambique, mas sentirei saudades (da minha mãe brasileira de 74 anos que sempre cuidou de mim e que nunca dormiu sem minha chegada 23hs e 00:00hr), igreja, amigos, colegas, conhecidos.

O meu regresso é um desafio, pois algumas coisas que possuí deixarei aqui sem a certeza de que irei encontrar a curto e a longo prazo, mesmo assim volto para me readaptar com muita alegria. Volto com a responsabilidade de compartilhar o conhecimento adquirido para o meu povo e ser agente transformador para a minha e futura geração, como modelo de exemplo prático, pois este é o meu sonho.

Sonho que um dia, o índice de HIV/AIDS diminua de 10/3 para 0; Sonho que um dia, as minhas irmãs moçambicanas possam ter a liberdade de estudar até o ensino superior sem serem dadas ao casamento na pré-adolescência ou adolescência.

Sonho que um dia nenhum moçambicano ou africano morra de fome, uma vez que possuímos terras férteis para agricultura; Sonho que um dia, haja respeito entre irmãos independente da cultura, religião e que todos possam viver em harmonia.

Agradeço a todos que caminharam comigo nesta jornada e o meu pedido é de sempre continuarem orarem por mim para que Deus possa me usar através de instrumentos que Ele forneceu para abençoar o meu povo.

Que Deus abençoe a todos!"

*Editada às 15h10 para correção de informação.

Toni e os amigos da igreja. (Foto: Elverson Cardozo)
Toni e os amigos da igreja. (Foto: Elverson Cardozo)
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