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Comportamento

Monóculos fazem neta e avó viajarem pela memória afetiva de uma família

Paula Maciulevicius | 30/07/2014 07:23
As pequenas fotinhas, no final de semana, foram passando de mão em mão e olho em olho. Um encontro entre o presente e um passado de 40 anos atrás. (Fotos: Marcelo Calazans)
As pequenas fotinhas, no final de semana, foram passando de mão em mão e olho em olho. Um encontro entre o presente e um passado de 40 anos atrás. (Fotos: Marcelo Calazans)

Pela lente do monóculo de fotos, as pequenas lembranças do passado de dona Cândida Jurgielewicz, ficam do tamanho da saudade. No presente e aos 81 anos, ela consegue reviver as poses dos 15 anos da filha Carla e o mergulho no mar do filho Dóio, em uma viagem a Santos. Registros de mais de quatro décadas atrás voltam aos olhos e à memória pelas pecinhas de plástico coloridas que guardam as pequenas grandes recordações.

Em cromo, fotografia quase transparente feita em filme positivo, a imagem é vista bem de pertinho e através da claridade. É o passado reproduzido que cabe no bolso, na palma da mão, no encaixe dos olhos e quando colecionados, em caixas, iguaizinhas às da dona Cândida.

Durante o último almoço de família, no final de semana, foi que o passado voltou aos olhos e da maneira como ele é. Sem que ninguém pudesse tocá-lo ou interferir naquela imagem, só vê-la. Os achados da avó foram resgatados pela bisneta Marie, de 2 anos. A menina procurava os brinquedos que haviam sido dos filhos e depois dos netos de Cândida.

"Estava aqui, na gaveta da sala de TV, ela veio procurar e achou, disse mamãe, o brinquedo e eu falei, não, não é e daí a gente começou a olhar. Eu nem imaginava o que tinha", descreve a mãe de Marie e neta de dona Cândida, a arquiteta e blogueira Mariana Jurgielewicz.

No presente e aos 81 anos, ela consegue reviver as poses de mais de quatro décadas.
No presente e aos 81 anos, ela consegue reviver as poses de mais de quatro décadas.

Os monóculos são desde os anos de 1961 até 1975. "Eles, os fotógrafos, vinham a Campo Grande e ofereciam para a gente. Eles iam nos colégios também, era pelo Brasil todo. Se a gente olhava? Nossa, entortava a cabeça de tanto que olhava, porque tem que olhar para a luz, para a claridade", ensina Cândida.

Ao mesmo tempo em que explica a lógica das fotos, ela resgata o passado, o qual pertenceu, viveu e escreveu. Mas fazendo a ponte entre o antes e o hoje ao alertar "isso deve ter um pouco de poeira na lentezinha, pelo tempo". Poeira esta que não é incômodo e sim sinal de que os anos se passaram e talvez rápido demais.

"Era uma festa de 15 anos, antigamente, as festas eram mais simples. Eu fiz um jantar em casa, foram 300 pessoas..." Aí a gente interrompe para traçar um parêntese, a comemoração era de pouca ostentação, mas grande em proporção de convidados. Não era luxo, a decoração era feita pelas mãos de casa mesmo. "Antigamente era simples, nem se usava maquiagem. A Carla fez, mas eu não fiz. Sabe que eu podia ter feito?" Constatações que surgem quando o agora olha o que ficou para trás.

As pequenas fotinhas, no final de semana, foram passando de mão em mão e olho em olho entre Cândida, a nora, netas e o filho. Parte da família que estava na sala. "Eu sabia que estava ali, o tempo todo. Eu tinha costume de fazer faxina e tinha a casa na minha mão. Sabia de tudo", comenta a avó. Até hoje, volta e meia, dona Cândida sozinha ainda relembra. "De vez em quando eu paro, olho e vejo umas duas, três, quatro fotos. Isso é tão antigo", confessa.

Aos 55 anos, Dóio Jurgielewicz deixa a entrevista para o reencontro com os velhos conhecidos.
Aos 55 anos, Dóio Jurgielewicz deixa a entrevista para o reencontro com os velhos conhecidos.

Para a neta a surpresa foi o visual. Por conta do blog que mantém, Mariana se apaixonou pelas roupas. "Olha como elas se vestiam, se preocupavam em estar bem arrumadas, minhas tias, amigas super bonitas, os vestidos eram meio hippies", comenta.

Entre afirmar quem era quem com certeza e os palpites "parece a tia Tânia, aqui é o tio Maurinho, tia Regina", o filho de dona Cândida também resolve contemplar o passado. Dóio, que no início das fotos aparecia na praia em Santos, hoje está com muitos anos a mais do que aquele menino que sorri no monóculo. "Tempo bom. Dá saudade, eu não lembro de ter visto essas fotos não". Aos 55 anos, Carlos Theodoro Jurgielewicz deixa a entrevista para o reencontro - ainda que só nas fotos - com os velhos conhecidos de uma "outra Campo Grande" onde ele cresceu.

Os monóculos também trouxeram segredos que dona Cândida não gosta de se gabar. Quando jovem estava sempre entre as 10 mais elegantes da cidade. A beleza continua igual, só que assim como a poeira que tomou conta da lente das peças, a pele foi ganhando traços mais experientes.

"Saudade dá, mas eu não tenho muito tempo de pensar nisso. A vida era mais calma, o tempo parece que era mais vagaroso", confirma.

O que avó e neta sentem é uma saudade atemporal. Dona Cândida viveu grandes encontros em pequenas festas, sorrisos largos em fotos estreitas. Proporções que hoje tendem a minimizar, sempre. "Sabe uma frase que eu li dizia que a gente tinha vontade de voltar, de ter vivido nessa época. Eu vejo pelos meus pais que se reuniam com os amigos e os filhos. Hoje em dia não, a gente estava sempre junto quando crianças", observa. A avó parece ter a justificativa "é que a gente comemorava tudo".

Ao ver o passado tão próximo, ao piscar dos olhos, dona Cândida admite que tudo volta. A saudade, as lembranças, aquela vida. "Você lembra de tudo, eu tinha boa memória, me lembro da época e com detalhes. Sei dizer quem eram, o que aconteceu, que dia, como é foi. Mas o tempo não volta. O que adianta pedir?" E para não encerrar a frase tão apegada ao passado, ela afirma que hoje as fotos são diferentes. "São mais estudadas para serem batidas, têm mais pose, antes era tudo mais natural".

O Lado B ligou nas casas de fotografia da cidade e ainda é possível "revelar" os monóculos. São poucos os saudosos que procuram o serviço. Na loja, eles escaneiam o positivo, passam para o computador e imprimem. A foto, dependendo da qualidade, pode ser ampliada em até 30x45, mas o recomendável é que fiquem dentro do tamanho de praxe, entre 10x15 e 15x21. O preço começa a partir de R$ 9,50.

Dóio, o filho de dona Cândida saiu da casa da mãe com um saquinho cheio para ampliar. "Essas aqui é que bateram de três amigos meus já falecidos, o Ludinho, o Carrilho e o Firmino". O resgate ao passado pode curar, em parte, um pouco da saudade dos tempos e de quem não volta mais.

O que avó e neta sentem é uma saudade atemporal. Dona Cândida viveu grandes encontros em pequenas festas, sorrisos largos em fotos estreitas. Proporções que hoje tendem a minimizar, sempre.
O que avó e neta sentem é uma saudade atemporal. Dona Cândida viveu grandes encontros em pequenas festas, sorrisos largos em fotos estreitas. Proporções que hoje tendem a minimizar, sempre.
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