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Comportamento

Na cadeia todos os dias são comuns, mas de repente a cara metade aparece e...

Paula Maciulevicius | 22/06/2015 06:55
As mãos são de Mel e Cristiano. Ela, travesti de 42 anos, ele tem 31 e estão casados há cinco anos. (Foto: Fernando Antunes)
As mãos são de Mel e Cristiano. Ela, travesti de 42 anos, ele tem 31 e estão casados há cinco anos. (Foto: Fernando Antunes)

Na cadeia não tem calendário que marque o dia disso, daquilo, ou qualquer que seja. Até tem. Mas não existe. Não tem diferença. Amanhece e escurece sendo o mesmo dia de ontem, o mesmo que o de amanhã. Das 24h, apenas 4 delas eles vêem o céu, o lá fora, o ar puro que existe em torno das celas.

Os dias são todos iguais, mas o amor é o que os torna diferentes. A frase dita mais ou menos assim saiu do casal Mellany Christie Mendes Cristaldo e Cristiano Cristaldo. Ela, travesti de 42 anos. Ele tem 31. Casados há cinco anos, os dois se conheceram no Presídio de Segurança Máxima em 2010, quando ela adoeceu e ele foi o escolhido para cuidar.

Não sei quantos já tiveram a terrível sensação de entrar num presídio. Para um portão se abrir, o primeiro tem que fechar. São cadeados, grades. Uma estruturação física do que significa não ter liberdade. O Lado B visitou o Instituto Penal, onde o casal hoje está, há 10 dias, durante a reunião de entrega de cobertores e roupas de frio, promovida pela Rede Apolo - Rede de Homens Gays e Bissexuais de Mato Grosso do Sul.

Antes da reunião começar, cada um dos internos disse seu nome. Na vez do casal, Cristiano os apresentou como marido e mulher. Para a gente do jornal, eles preferem não mostrar o rosto, mas não escondem o afeto. Mel está presa desde 2010 e ele, um ano antes. 

"Eu fiquei doente e morava numa cela individual, na Máxima. Para não ficar sozinha, os outros internos mandaram ele pra lá", conta Mel. "Eu fui como amigo, nós dois morávamos na mesma galeria. Dei banho, fazia comida", narra Cristiano.

Uma crise renal e a coluna travada impediam Mel de qualquer movimento. "Foram dores horríveis, eu não levantava para fazer nada", relembra. Quando pergunto como foi que a intimidade chegou ali, o casal me olha entre risos, porque lá dentro é tudo diferente. Até os sentimentos. "A gente vai se aproximando da pessoa. Você quando está preso, fica muito carente", explica Mel. 

Já é a quarta cadeia de Cristiano. A primeira e "última" dela, como anuncia Mel. "A cadeia, ela é muito triste, eu tenho a minha mãe que vem me ver, mas é muito triste"...

Na cela onde eles vivem, são mais 26 presos dividindo um espaço que eles calculam não ser mais de 3x4m. "Tem banheiro de um lado, tanque e todas as camas", descreve Mel. 

Juntos, eles explicam que não descobriram o que é o amor, mas aprenderam na convivência. "Não é que eu aprendi o que é amor, eu aprendi a conviver com uma pessoa. Ele impõe respeito", diz Mel. 

Cristiano é, lá fora, pedreiro. Ali dentro, marido e interno. Como qualquer casal, eles dividem problemas, trocam abraços e conversas do cotidiano. Passam as mesmas 24h juntos, veem o dia só durante 4h, entre manhã e tarde. "O amor ele faz você esquecer um pouco do lugar onde você está", resumem os dois.

No mês em que se comemorou o Dia dos Namorados, me pergunto e passo a interrogação para eles, o que acontece lá dentro? "Não tem como fazer nada de diferente. Basta levantar, dar os parabéns, um abraço. Os dias são comuns, é o amor que faz eles diferentes. Escrever num papel que você dá depois e que ela não espera naquele momento a faz chorar...", exemplifica Cristiano. 

Em 30 dias, Cristiano vai para o semiaberto, mas com a condição de, assim que estiver na condicional, visitar Mel que ainda passa mais este ano e até um próximo presa.

"O que vamos fazer depois? Sair daqui para colocar os planos de 5 anos em andamento. Construir uma casa e unir nossas crianças", dizem. São quatro filhos: três dela e um dele. 

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