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Comportamento

Na Rua dos Andradas, casa parou no tempo e ainda oferece serviço de datilografia

Paula Maciulevicius | 15/04/2015 06:12
De madeira, se não fosse pela fachada, seria a placa a responsável pela viagem no tempo. (Foto: Fernando Antunes)
De madeira, se não fosse pela fachada, seria a placa a responsável pela viagem no tempo. (Foto: Fernando Antunes)

"Datilografo trabalhos à máquina". A placa pintada à mão está numa casa de madeira na Rua dos Andradas, na Vila Alba, em Campo Grande. O endereço é de agora, mas quem olha tem a impressão de estar no passado. Talvez quatro décadas atrás, quando a residência passou a ser ocupada pela família Barros Dias, a mesma que habita até hoje.

De madeira, se não fosse pela fachada, seria a placa a responsável pela viagem no tempo. E se não fosse pelo anúncio, era o Fusca amarelo que está na garagem. Se não fosse pela relíquia de quatro rodas, seria porque a casa não tem telefone. Se não fosse pelo telefone, era pela máquina de datilografia que ocupa a mesa. Hoje, já quase encostada.

O motivo de estar no escanteio? Não. Não foi o relógio, não foi o passar das horas, nem tampouco o virar das folhas do calendário. Não foram os meses que se transformaram em anos. Foi mesmo a doença que acometeu Valdemar. O filho de dona Iva e quem se oferece na placa para datilografar.

Casa é um espelho do passado, onde se enxerga que o tempo parou. (Foto: Fernando Antunes)
Casa é um espelho do passado, onde se enxerga que o tempo parou. (Foto: Fernando Antunes)
Fusca amarelo é relíquia o do dono da máquina e datilógrafo. (Foto: Fernando Antunes)
Fusca amarelo é relíquia o do dono da máquina e datilógrafo. (Foto: Fernando Antunes)

"É só na máquina mesmo, mas ele não está mais trabalhando. Está com problemas nos rins e acamado. Mas antes? Era direto", conta a senhorinha Iva Barros Dias, de 78 anos. Quando a gente bateu palma em frente à casa ela descansava no sofá. Logo depois do almoço, a varanda virou berço para um sono tão pesado.

A casa onde ela, o marido e dois filhos moram, parece ter parado no tempo, mais precisamente na década de 50, quando ela chegou naquele trecho. Ainda não era aquela a casa, mas já estava nas redondezas. Baiana, sempre trabalhou em fazenda e foi com o dinheiro da roça que o casal comprou a casinha ali.

Valdemar, o filho e datilógrafo deve estar, ou já ter completado 62. A idade, a mãe não lembra de cabeça, mas não se esquece do ano. "Ele é de 53". Deficiente, dona Iva não sabe explicar ao certo o que o filho tem. "O problema dele deu na coluna. Depois ele fez cirurgia e passou a andar de muletas".

Dona Iva brinca que dali, só sai pro Santo Amaro. (Foto: Fernando Antunes)
Dona Iva brinca que dali, só sai pro Santo Amaro. (Foto: Fernando Antunes)

Mas nada que o impeça de dirigir o Fusca amarelo da garagem. Adaptado, Iva conta que foi com a datilografia que o filho pode comprá-lo.

A vida toda, Valdemar foi datilógrafo, mesmo não tendo nem terminado os estudos. "Ele só tem o 4º ano e sabe o que era engraçado, ele fazia trabalho de turma de colégios e até de universitários e corrigia muita coisa deles. Ele só tem até o 4° ano, mas era coisa que ficava para toda a vida, sabe?" explica a mãe. A clientela era de vizinhos, colegas de igreja e até estudantes de cidades vizinhas.

"Certa vez, eu até ri, chegou um menino de Ribas do Rio Pardo. Ele disse que estava aqui, vinha de ônibus para cá. Mas de Ribas?

Pergunto se o computador nunca esteve ali, para substituir a máquina. Dona Iva responde que não. E garante que o trabalho só parou há três meses, depois que o filho adoeceu. Senão, era até hoje contrato de aluguel e trabalhos de escola.

Hoje quase encostada, máquina funciona e só parou de bater trabalho porque o filho adoeceu. (Foto: Fernando Antunes)
Hoje quase encostada, máquina funciona e só parou de bater trabalho porque o filho adoeceu. (Foto: Fernando Antunes)

"Ele até quis uns tempos atrás mexer no computador, mas tinha que fazer o curso outra vez e para ele está difícil", argumenta.

A casa que há muito está no passado precisaria de uma reforma. Dona Iva nem pensa, diz que está tão longe de qualquer possibilidade. "Pensar para quê? Não tem condições. E como as pessoas dizem, é daqui para o Santo Amaro", brinca.

Na última tentativa de falar com quem guarda e vive o passado, peço o telefone da casa para falar com seu Valdemar. A resposta que ouço é até engraçada e me faz pensar em colocá-la em prática. "Não tenho telefone não. Eu quero é uma coisa que me dê dinheiro minha filha e não gasto". Está certa. Coberta de razão dona Iva.

Valdemar não nos atendeu. Deixei meu telefone, mesmo sabendo que seria difícil que ele retornasse, não por estar preso ao passado, mas talvez pela impossibilidade de discar.

O motivo de estar no escanteio? Não foi relógio e nem calendário. (Foto: Fernando Antunes)
O motivo de estar no escanteio? Não foi relógio e nem calendário. (Foto: Fernando Antunes)
O endereço é de agora, mas quem olha tem a impressão de estar no passado. (Foto: Fernando Antunes)
O endereço é de agora, mas quem olha tem a impressão de estar no passado. (Foto: Fernando Antunes)
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