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Comportamento

Na terra do poeta Fernando Pessoa...o mar sem fim é realmente português.

Andrea Brunetto | 03/08/2014 08:27
A beleza de Lisboa.
A beleza de Lisboa.

Adoro Lisboa, com sua gente, suas cores, seu rio, sua gastronomia maravilhosa, a mistura de raças, as ruas sinuosas com seus elétricos parecendo saídos do passado, suas ladeiras, as ruas da Baixa que descem para se encontrar com o Tejo. Seus fados quase sempre tristes. Lisboa tem uma música formidável. No momento ando encantada com Carlos do Carmo e Tereza Salgueiro. Na música O homem na cidade, Carlos do Carmo, que tem uma voz linda, canta essa poesia: "Agarro a madrugada como se fosse uma criança, uma roseira entrelaçada, uma videira de esperança". E a flor que ele canta é a de Lisboa, a bem amada, que o quer bem e a quem ele quer bem.

E quanto a Tereza Salgueiro, sou sua fã há anos. Ontem, entrei em uma padaria em um bairro distante do centro e as funcionárias estavam falando dela. Perguntei: essa Tereza Salgueiro é a cantora? Pois sim senhora, ela mora no prédio aí em frente, agora está dando aula de música para seus alunos. Não acredito, conte-me algo sobre ela, disse à portuguesa que já sabia ser do Norte, crescida à beira do Douro e apaixonada por seu país. Tinha me dito, mostrando uma revista Caras: está vendo esse lago na Suiça? – era o Lago Leman – nada nele é mais bonito que minha região, à beira do Douro. E ela tem razão. Mas voltando à Tereza Salgueiro, conte-me algo dela: é uma simpática, é dona desse carro preto que está estacionado aí ao lado e semana passada cortou o cabelo à altura do ombro. E para finalizar a conversa e continuar a caminhar, disse: diga a ela que uma brasileira sua fã, acha que depois que ela saiu do Madredeus, ele perdeu a graça.

Em Lisboa, estamos um pouco em casa. Minha amiga Andréa Rodrigues já fez ontem o levantamento de todos os monumentos que vimos em que a história deles e nossa se misturam. Só cito um: saindo do Parque da Estrela, nos deparamos com uma estátua de Pero Vaz de Caminha e escrito um trecho de sua carta sobre o Brasil, “essa terra graciosa, em que querendo-se aproveitar dela, tudo dá”.

Gosto muito da cultura portuguesa, do jeito acanhado e disfarçado de fazer chistes dos portugueses, parecendo que brigam, mas é para fazer graça, de sua cordialidade. Na entrada do país, o policial me perguntou: mas já está acá de novo? Respondi que não tinha culpa de amar Lisboa.

E cada vez que venho descubro um escritor maravilhoso. Depois de José Luiz Peixoto, Gonçalo Tavares, Walter Hugo
Mãe, J. Rentes de Carvalho, Francisco José Viegas, descobri Manuel Alegre. Aliás, que sobrenome lindo para alguém carregar. Sentada em um banco de frente para a Torre de Belém, esperando minha amiga tirar fotos de tudo e andar pela torre, percebi que estava sentada em cima de uma poesia. Ei-la: “Eu vivo lá longe, longe, onde passam os navios. Mas um dia hei de voltar às águas de nossos rios”. O mar e o Tejo são onipresentes nas poesias portuguesas. 

Há dois dias, liguei na recepção do hotel, perguntei se tinha de conseguir novo código para a internet, pois talvez ele já tivesse vencido, não estava conseguindo acessá-la. A atendente me responde: se em seu papel diz que é três dias, é assim, mas pode ser que diga um dia. Novamente digo que não estou conseguindo acessar a internet nem no telefone nem no computador. Resposta: pois sim, é que ela não está funcionando – por que não disse no começo, quando eu estava pensando que era problema em meu código? Só pensei, não perguntei. Enfim, ela precisaria desligar e religar o modem para o funcionamento se restabelecer. Pergunto quando vai fazer isso. Assim que seu colega chegar, para render o turno, pois não pode sair detrás do balcão antes disso. E assim fico sem internet por mais um tempo. Outro acontecimento: à tarde, estava no elétrico que chegou ao ponto final, disse ao motorista que iria pagar outro bilhete e descer no Chiado. Mas não, todos tivemos que descer, ele deu a volta na rotatória, parou novamente no mesmo lugar e os que queriam continuar, entraram pela porta da frente e pagaram novamente.

Coisas como essas acontecem o tempo todo – poderia contar dezenas a vocês. Nós, brasileiros, aliás, contamos muitas piadas de português e se acredita que eles são um pouco limitados. Mas não é verdade. É outra forma de pensar, é outra relação com a língua. É como se eles tivessem que seguir uma programação e não pudessem sair dela, sempre o mesmo roteiro. Há um começo, um meio e um fim, não há atalhos. Se eu pedi se havia um problema com meu código da internet, a atendente portuguesa não poderia se antecipar e já dizer que a internet não estava funcionando, pulando dessa forma uma parte do diálogo. Eu só iria descobrir a conclusão ao final.

Quero lembrar a todos que o Império Romano, que conquistou toda a Europa durante séculos, só o fez por terra ou em curta distância pela água, sempre às voltas do Mediterrâneo. Os portugueses foram além-mar, e chegaram às Américas, à Ásia, a África. Foram grande navegadores, descobridores, navegaram pelo mundo todo. Então sua relação com a língua não tem nada de limitada. É apenas diferente da nossa.

Diz Fernando Pessoa que Deus quis que a terra fosse uma e que o mar unisse. Por isso é que eles sempre foram tão longe? E termino com o mar e com Fernando Pessoa, esse grande patrimônio português: o mar com fim é grego ou romano, o mar sem fim é português.

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