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Comportamento

Não existe a hora certa de acabar com a farsa e assumir para os pais: Eu sou gay

Thailla Torres | 23/05/2016 06:10

O pior momento da homossexualidade é encontrar a hora de certa de falar para a família: "Eu sou gay". Revelar a essência para quem mais se ama vai muito além de ser verdadeiro, é conquistar uma liberdade emocional. Mesmo assim, coragem é algo difícil nessa hora e, inevitavelmente, a resposta vai surpreender, para o bem ou para o mal.

William e Diego passaram pelo momento que consideram mais difícil na vida. Eu também. E como jornalista, ao lado deles resolvi entrar na jogada e revelar como foi a minha hora, o dia em que assumi ser lésbica para minha mãe.

William Castelar Morales, tem 22 anos, e a revelação sobre a sexualidade veio aos 18, quando ele e a mãe Elizeth passavam as férias em São Paulo. William é do tipo que adora maquiagem e a mãe percebeu que o feminino aparecia com força nas atitudes do rapaz. 

Um dia, a verdade surgiu em um lugar inesperado. Na estação de metrô, a conversa veio à tona. Longe de julgamentos ou dúvidas, a reação da mãe foi surpreendente e lotada de amor. 

 "Ela me perguntou porque eu não havia contado antes. Mas eu disse que até então não me sentia preparado e expliquei que eu sabia desde os meus 14 anos e que já havia tido a experiência", revela.

William e Elizeth, são a prova de que no amor não há preconceitos. (Foto: Arquivo Pessoal)
William e Elizeth, são a prova de que no amor não há preconceitos. (Foto: Arquivo Pessoal)


A reação dela acalmou o coração do filho. "Você é muito importante pra mim e isso não fez diferença, ela disse", lembra Willian. Como toda mãe protetora, a preocupação foi com o preconceito. "Ela até me ofereceu um psicólogo, mas eu aprendi a lidar com o preconceito há muito tempo".

"O que mais me surpreendeu é que eu achava que ela ficaria chateada com a situação. Mas ela foi além, ela se preocupava com o meu estar. Morando em São Paulo e vendo as notícias na televisão, ela tinha o cuidado de pagar taxi para eu não voltar sozinho para casa e orientava sobre o uso de camisinhas. E foi primordial ter esse apoio total dela, porque não foi um apoio que procurei na rua, ele veio por consequência", declara.

Elizeth Antunes Castelar, 53 anos, lembra que sempre viu os sinais de que o filho gostava de homens e preferiu não seguir no caminho que a maioria escolhe. No lugar de fingir que não percebia nada, colocou um fim na dúvida.

"Eu percebia pelo fato dele não falar de mulheres, não ter me apresentado uma namorada e eu sabia que ele tinha mudado. Eu nunca julguei o meu filho, eu julgo é o caráter. Quando me falou, minha preocupação foi com a maldade das pessoas, que, infelizmente, chega ao extremo. Eu orientei sobre a saúde, uso de camisinha, coisas que sempre foi a orientação com os outros filhos", ensina.

A mãe que também sentiu na pele o preconceito, batalha pela felicidade do filho independente da orientação sexual. "Eu casei com um homem negro senti na pele a maldade e o preconceito, mas as pessoas vão te julgar por qualquer coisa, mas ninguém paga menos imposto por ser quem é. Por isso, luto pelo respeito a tudo e a qualquer pessoa", esclarece.

Para a mãe, melhor é bater no peito e se assumir, do que ser outro e jamais encontrar a felicidade. "O amor está acima de qualquer coisa, o meu nunca vai mudar e o meu filho é uma pessoa correta e feliz. Sabe que é amado e por isso não me sinto uma mãe diferente. Na verdade isso nem existe. Só agradeço a Deus por ter me escolhido para ser a mãe dele", se declara.

Entre ser gay e lidar com a distância dos pais, surgiu um abismo na vida de Diego. (Foto: Arquivo Pessoal)
Entre ser gay e lidar com a distância dos pais, surgiu um abismo na vida de Diego. (Foto: Arquivo Pessoal)

Para o assistente administrativo, Diego Gonçalves Rodrigues, de 29 anos, a revelação sobre a sexualidade trouxe a distância e a saudade dos pais. Ele não se arrepende de ter contado e hoje garante que é um homem feliz, mesmo longe da família. 

Diego tinha 21 anos quanto tudo aconteceu. Ele e os pais eram evangélicos e um dia a mãe encontrou revistas gays no quarto do filho. O pai fez o filho queimar tudo. A família acreditava até que a religião ia ajudar na  “cura” de Diego. 

O episódio de revelação se repetiu um ano depois, quando o pai encontrou mensagens de um amigo no celular de Diego. "Meu pai foi me indagar e eu resolvi me abrir. E naquele momento perguntei se ele tinha certeza que queria saber". E Diego revelou que era gay, de novo.

O ponto principal era se o filho já havia tido relação sexual com outro homem. Com a resposta positiva, os pais levaram a situação ao conhecimento da igreja. "Mas eu revelei que era assim e não iria mudar, eu passei a minha adolescência tentando me entender e eu não quero passar a vida inteira lutando contra algo que eu sou", comenta. 

os pais pediram para que ele saísse de casa. Com uma mochila nas costas, era a hora de uma nova vida. "A relação com eles foi completamente cortada. O máximo que a gente tem são encontros em situações esporádicas de família, como falecimento de um parente, mas pouco conversam comigo e mal me cumprimentam". 

Após sair de casa, Diego teve depressão, passou por crises, sem nenhum apoio. "Eu tinha consciência antes de falar pra eles, que a partir do momento que eu me assumisse eu não teria mais eles perto de mim. A partir do momento que eu sai de casa, a vida como meus pais parou ali e comecei uma vida nova".

Mas entre ser gay e saber lidar com a vida longe dos pais, no caminho surgiu um abismo. Ele saiu da igreja, se afastou dos amigos e além dos pais, o irmão também não fala mais com ele. Apesar da tristeza, da indiferença e da saudade, que já não há como medir, o sorriso continua forte, sem rancor da família. "O rancor prejudica quem tem e não quem é o alvo. O que eu sinto é pena, porque eu sei que eles sofrem com a ausência e em respeito a eles, eu nunca mais tentei uma reaproximação. Não tenho ódio e nem rancor, mas sei que não tenho mais eles", relata emocionado.

Diego é casado há 7 anos. No campo sentimental, a revelação trouxe junto a felicidade em conseguir assumir pela primeira vez um relacionamento e amar sem medo. Sobre ver os pais novamente, a possibilidade ele acredita que é pequena, mas confessa que nunca perdeu as esperanças.

Mas nada tira o sorriso e a amor que mantém pelos pais.
Mas nada tira o sorriso e a amor que mantém pelos pais.

Na busca de outras pessoas que aceitassem relatar esse momento com a família, percebi que, mesmo assumindo a sexualidade, a hipocrisia continua forte. Muitas vezes, a família sabe, mas aceita desde que ninguém mais fique sabendo. 

Por isso ousei em fazer parte dessa história, contando um pouco da minha revelação. O processo com a minha mãe teve dois momentos. Eu já sabia que gostava de mulheres desde a adolescência, mas ainda assim, não tinha segurança sobre o que eu realmente era. Ela descobriu meu interesse pelas meninas quando leu meu diário, manteve em silêncio durante um tempo, e depois afirmou que me aceitaria e me respeitaria como eu era, durante uma conversa aparentemente calma. 

Mas como toda mãe, surgem as angústias, as inseguranças e os medos. Quando ela descobriu que eu namorava uma garota, foi como se houvesse uma nova revelação. Eu disse em alto e bom som que gostava de mulheres e aí surgiram as brigas, as palavras mal colocadas, o choro e um abraço de arrependimento. Até que veio o pedido de desculpas cheio de amor. 

Foi um tempo até minha mãe compreender o que realmente eu era e ela descobrir que no fundo eu continuava sendo a mesma filha que ela sempre amou. 

Seu maior medo também é o preconceito, tema que hoje eu sei lidar muito bem. Já beijei, namorei e desfilei de mãos dadas com homem. Mas não pense que sou uma pessoa "mal resolvida". Sou lésbica! Sempre fui e sei muito bem o que me faz feliz hoje. 

Aos 40 anos, Wilma Torres, minha mãe, não nega o medo que teve. Mas o amor é tanto que agora ela até gosta de usar a palavra "lésbica". A supermãe cheia de humor faz questão de falar: minha filha é lésbica! "Bom... O primeiro impacto foi susto e um choque. Tive muito medo, não da minha reação, mas da sociedade lá fora. Eu acreditava que mãe ensinava filho, mas foi com você que eu aprendi. Amo minha filha e a sua escolha também será a minha", diz.

Para minha mãe, a situação virou orgulho que ela deixa bem claro, não importa o lugar, no consultório médico, na festa de amigos... “Hoje digo que toda forma de amor é digna e sempre soube lidar com isso dentro de mim. O primeiro impacto assusta, mas o sorriso de felicidade de quem você ama é tão gratificante que o susto se torna um orgulho”, justifica Wilma.

É com esse orgulho que eu sigo meu caminho sem medo de sorrir, de viver e de ser quem eu realmente sou!

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