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Comportamento

No Facebook, uma foto causa surpresa e revela o “poder dos cabelos crespos"

Elverson Cardozo | 28/01/2015 06:30
Letícia na foto que "bombou" no Facebook. (Foto: Arquivo Pessoal)
Letícia na foto que "bombou" no Facebook. (Foto: Arquivo Pessoal)

Letícia Daniel da Silva, de 20 anos, nunca havia recebido tantas curtidas e elogios em uma foto postada no Facebook como na de janeiro deste ano, onde aparece com o cabelo naturalmente crespo, solto e bem armado. Foram mais de 160 e quase 60 comentários, contra uma média bastante singela de meses e anos anteriores.

O registro “bombou” e a justificativa é simples: quem sempre viu a garota com os cachos bem definidos, mas “murchinhos”, jogados para trás, no conhecido “lambido”, não imaginava que ali morava um mulherão.

Ela, ao contrário, já desconfiava, mas, por vergonha, não queria assumir. “Jogadão chama muito a atenção. Eu uso solto, mas com tiara. E dou um jeito de não mexer para não ficar grandão”, conta. Evangélica, Letícia nunca foi ao salão para cortar o cabelo. Também não pensava em mudar.

Letícia com o cabelo todo para trás. (Foto: Arquivo Pessoal)
Letícia com o cabelo todo para trás. (Foto: Arquivo Pessoal)

A garota sempre foi muito tímida, mas diz que melhorou depois que entrou para o curso de Jornalismo. Na faculdade, colegas viviam pedindo para ela soltar a cabeleira, mas a vergonha vencia. Um dia, no entanto, a estudante resolveu se render e, em mais um das várias tentativas, experimentou a liberdade dos fios soltos.

“Fui passar um final de semana com uma amiga que gosta de fazer maquiagem. Ela me maquiou e eu joguei o cabelo. Daí fiz a foto, e postei, sem filtro nem nada”. O resultado foi uma surpresa não só para os amigos, que conheceram a “nova” Letícia, mas para ela que, sem querer, teve ainda mais consciência do “poder do cabelo crespo”.

“Foi muito intenso. Nunca tinha acontecido antes. […] Não imaginava tantas curtidas. Fiquei admirada porque muitas pessoas que eu tenho no Face mas nem converso, só conheço de vista, ficaram bobos”, relata.

Depois do sucesso, a foto foi parar no perfil do Facebook, mas Letícia ainda não tem certeza se consegue sair com o “cabelão” na rua. Diz que está pensando na ideia.

Para inspirar a acadêmica e outras pessoas, o Lado B foi atrás de duas mulheres que sentem o maior orgulho de suas cabeleiras. Ao canal, elas contaram como foi o processo de aceitação, como lidam com as críticas e olhares tortos e, o mais importante, como se exergam hoje. Leia os relatos:

“Meu crespo é minha coroa”

“Quando eu assumi meu cabelo afro todo mundo se espantou, até meus familiares porque eu alisava desde pequena. Eu já estava acostumada a me ver de cabelo liso, mas teve um dia que cansei e resolvi mudar, e para falar a verdade sou muito mais feliz quando assumi meu real cabelo.

Angela com alisamento. (Foto: Arquivo Pessoal)
Angela com alisamento. (Foto: Arquivo Pessoal)
E com o cabelo afro assumido. (Foto: Arquivo Pessoal)
E com o cabelo afro assumido. (Foto: Arquivo Pessoal)

Recebi muitos comentários positivos, mas também há os negativos, pois a sociedade impõe um padrão de beleza e quando uma pessoa rompe esse padrão ela se torna alvo de críticas, e muitas delas negativas e preconceituosas.

Sempre quando ouço ou vejo alguém comentando do meu cabelo de forma negativa eu me defendo. Nunca fiquei calada para o preconceito alheio, até porque meu crespo é minha coroa.

"A sociedade impõe um padrão de beleza e quando uma pessoa rompe esse padrão ela se torna alvo de críticas". (Foto: Arquivo Pessoal)
"A sociedade impõe um padrão de beleza e quando uma pessoa rompe esse padrão ela se torna alvo de críticas". (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando me olho no espelho vejo uma mulher livre, que se ama e que sente feliz por ser como é. Devo essa mudança às meninas de vários Estados de alguns grupos do Facebook que focam essa proposta. Elas dão dicas e incentivam as outras assumir o cabelo crespo ou cacheado. Uma ajuda a outra, e hoje sou assim, livre das químicas e principalmente feliz”.

(Angela Batista Xavier. 21 anos. Professora de Literatura. Resolveu assumir o cabelo afro no dia do aniversário, em 30 de abril de 2014)

“Hoje me vejo livre”

Eu, desde pequena, tinha vergonha do meu cabelo porque as crianças riam de mim. Fazia aula de balé na escola e minha mãe fazia sempre um coque bem apertado pro cabelo não soltar. Quando acontecia, com o movimento da dança, do coque se desfazer, eu era motivo de piada do tipo "cabelo de vassoura", "cabelo Bombril" essas coisas.

Bruna em 2012. (Foto: Arquivo Pessoal)
Bruna em 2012. (Foto: Arquivo Pessoal)

Tenho até uma foto aqui de um dia que meu cabelo se soltou no balé. Tinha uns 8 anos. Por muitos anos tive vergonha dessa foto.

Daí, claro que depois na adolescência eu não me aceitava de jeito nenhum. Sempre queria fazer escova. Vivia com o cabelo preso. Na escola eu tinha uma amiga com cabelo cacheado também, e os meninos tiravam sarro de nós, porque nosso cabelo era 'ensebado' de tanto creme.

Na minha formatura de terceiro ano do Ensino Médio fui no salão fazer um penteado e a cabeleireira ficou insistindo para eu fazer um tipo de amaciamento no cabelo, para diminuir o volume e ficar 'mais bonita'. No dia da festa ficou lindo.

Escovei o cabelo. Ficou super liso. Todo mundo me achou linda. Mas depois, quando lavei o cabelo, senti um arrependimento terrível porque eu tinha acabado de virar refém de alisamento. O cabela começava a crescer, ficava a raiz crespa e o resto liso. Até que eu resolvi que queria assumir meu cabelo e ser feliz do jeito que eu era.

Passei uns 3 anos deixando o cabelo crescer de novo e cortando as pontas até não sobrar nada de cabelo alisado. Depois que, finalmente, tirei todo o alisamento do cabelo decidi, também, assumir o volume. Não queria mais ficar com o cabelo cheio de creme e tentando fazer com que ele murchasse.

Estilista assumiu o cabelo crespo e hoje vive feliz. (Foto: Fany Vigato)
Estilista assumiu o cabelo crespo e hoje vive feliz. (Foto: Fany Vigato)
"Todo lugar que eu chego as pessoas perguntas se eu quero alisar. Ninguém entende que é da minha vontade assumir meu cabelo". (Foto: Fany Vigato)
"Todo lugar que eu chego as pessoas perguntas se eu quero alisar. Ninguém entende que é da minha vontade assumir meu cabelo". (Foto: Fany Vigato)

A partir de então comecei a pesquisar sobre os cuidados com o cabelo cacheado. Tive dificuldade enorme com cabeleireiros porque aqui em Campo Grande praticamente não tem salões que realmente entendam de cabelo crespo e cacheado. Passei passei um bom tempo eu mesma cortando meu cabelo até encontrar alguém que se importasse com a minha vontade.

Todo lugar que eu chego as pessoas perguntas se eu quero alisar. Ninguém entende que é da minha vontade assumir meu cabelo. Já sofri preconceito.

Uma vez meu cabeleireiro me atendeu, fez a hidratação e tal, e tirou uma foto comigo e postou na página dele do Face. Choveu comentários preconceituosos, de pessoas rindo de mim e debochando do trabalho dele, dizendo coisas do tipo: "porque você não deu um jeito no cabelo dessa menina?!"

Mas hoje me vejo livre, me amando como sou, sem depender da opinião das outras pessoas. Para as mulheres que tem vergonha de assumir o cabelo crespo eu diria para deixarem a real mulher que que existem dentro delas se libertarem.

A sensação é incrível. Não é nada fácil. Sempre surgirão pessoas que dirão coisas difíceis de ouvir, mas o importante é estar em paz consigo mesma.

(Bruna Fernandes Alves da Fonseca. 25 anos. Estilista)

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