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Comportamento

Nunca peguei nem “quebrante”, até o dia em que tive de amputar o pé

Ângela Kempfer | 24/08/2015 06:34
Iza agora vive com a filha. (Foto: Fernando Antunes)
Iza agora vive com a filha. (Foto: Fernando Antunes)

A notícia parece doer mais aos ouvidos do que à vida da professora aposentada Iza Bezerra Lopes, de 63 anos. É inevitável o choque ao saber que o pé de uma mulher tão independente teve de ser amputado depois de atropelamento na avenida das Bandeiras, no dia 4 de agosto. Ainda mais se tratando da “Tia Iza”, que pode ser definida pela palavra “espevitada”. As dores são fortes, agora ela depende do auxílio dos filhos, mas não tem tempo ruim para quem sabe viver e entende que o lamento de nada adianta. É incrível, por exemplo, a lista que dona Iza consegue elaborar sobre as vantagens que a nova realidade trouxe, e que ela mesma mostra agora, como exemplo de mulher de garra, aqui no “Voz da Experiência”.

Tem 20 dias que eu estou sem o pé. Ainda sinto ele, é estranho. Mas acho que ninguém diz esse tipo de coisa para o médico porque acha que ele vai pensar que a pessoa está doida. Mesmo assim, não fico pensando que poderia ter sido diferente. Estou feliz da vida porque continuo aqui, com os meus filhos.

O acidente aconteceu de noite. Tinha esquecido minha bolsa na casa de uma amiga e voltei pra pegar. Quando estava atravessando a Avenida das Bandeiras, uma moto que vinha pertinho da calçada me pegou. Eu fiquei ali, em pé, olhei pra baixo e vi o osso da minha perna aparecendo. Só fui cair depois.

Graças a Deus um bombeiro aposentado ia passando na hora e telefonou para a minha família. Eu já até entrei em contato com ele e agradeci. Te falo que dentro da ambulância dos bombeiros a trepidação por causa do asfalto fazia tudo piorar.

Então, quando cheguei à Santa Casa, eu sentia muita dor, mas não pensei que fosse perder parte da perna. Daí a neurocirurgiã veio e disse que ia ter de amputar, mas eu não acreditei. Achei que tudo ia dar certo. Fiquei confiante porque a equipe é muito boa, super preparada. Fui muito bem atendia desde o Pronto-Socorro, pelo pessoal da enfermagem, meu médico, raio-X, tomografia, no pós-cirúrgico e toda a enfermaria do 4º andar.

Só sei que quando acabou a cirurgia, acordei e me perguntaram: “Você viu a altura que cortaram?”. Só então caiu a ficha. Mesmo assim não acho ruim não. Cortaram para baixo do joelho, agora vou poder usar prótese. O que me interessa mesmo é que continuo com meus filhos e com os meus netos.

E tem tanta coisa boa que aconteceu depois. Lá no hospital eu recebi visita de 32 pessoas. No sábado, o apartamento ferveu de tanta gente. Parentes de Corumbá, que há muito tempo eu não via, voltaram para perto. A gente vê que tem coisa mais importante na vida do que um pé.

Meu irmão vem aqui em casa treinar comigo sobre como me levar na cadeira de rodas, já pensando no dia da consulta. Prepararam um banheiro só pra mim. Gosto de acordar cedo, sentar na cadeira de rodas, ir até lá e tomar um banho bom, hidratar meu cabelo com tempo.

Consegui me libertar de tudo mais para poder pensar em mim. Ainda não sei como vai ser depois. Nada mudou aqui dentro. Ainda não. 

Mas eu decidi que vou continuar fazendo o que eu gosto. Tenho de fortalecer a minha musculatura para poder andar, primeiro com a muleta, depois com a prótese. Quando era mais nova, trabalhava de manhã, de tarde e de noite, depois me aposentei.

Fiz pedagogia, lecionei e fui diretora. Foi no mesmo momento que parei de trabalhar que a minha mãe caiu de cama. Deus coloca a mão em tudo, e naquela hora ela precisava de mim. Quando a mãe morreu, catei um serviço para fazer e andava por ai de mototaxi, a pé... Agora é aprender um jeito novo.

Para alguém que nunca pegou nem “quebrante”, ficar na cama não é bom, mas é por pouco tempo, só até cicatrizar direitinho.

Sabe, antes do acidente eu fui ver o Papa no Paraguai e vim muito fortalecida na fé! Muita gente foi e não conseguiu ver o Papa pertinho. Eu vi! Sai da multidão por causa da muvuca e ele passou pertinho de mim. Fiquei emocionada, lembrei do meu pai na hora! Vi o Papa assim de perto em Cacupê e Assunção.

Agora queria mesmo é falar com a família do rapaz que me atropelou. Acho que eles devem estar agoniados. Só quero dizer que não tem nada não, tá tudo bem. Ninguém morreu.

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