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Comportamento

O centenário que há quatro anos vive debaixo de barraco na caçada à vida

Paula Maciulevicius | 02/07/2013 08:24
Dos 100 anos vividos, 40 deles foram passados em terras sul-mato-grossenses. Nenhuma dele até hoje. (Fotos: Cleber Gellio)
Dos 100 anos vividos, 40 deles foram passados em terras sul-mato-grossenses. Nenhuma dele até hoje. (Fotos: Cleber Gellio)

A identidade precisa ser mostrada, é que é difícil acreditar na idade que ‘seo’ Silvino Antônio de Souza diz ter. Por ser negro, a concentração de melanina lhe deu uma resistência maior para enfrentar os desafios. Baiano, mas o sotaque já se perdeu pelas andanças da vida. Há quatro anos ele mora debaixo de barraco em busca de terra para as vacas que cria. Vive de leite, de causos e de alegria há 100. Chegou ao centenário no último dia 26 e comemorou no acampamento Joaquim Pereira Veraz, do MST (Movimento dos Sem Terra), na BR-163 após Anhanduí.

Na bagagem, 40 anos como sul-mato-grossense, 11 filhos e agora a luta por um hectare de área. Como veio parar aqui, ele mesmo se encarrega de explicar. “Freguês tem que caçar a vida”.

A vontade de entrar para o movimento partiu dele mesmo. Exemplo a ser seguido pelos cerca de 100 acampados da região. É ele narrar a vida a seu modo que todos param pra escutar. Não é só a voz da experiência, é o som da persistência que sai das cordas vocais de quem tanto já falou nessa vida.

Ao lado dele, o pequeno João Paulo Medina Maciel, perde as contas ao somar nos dedos das mãos, quantos anos de diferença existem entre eles. O menino tem 9. “Ah! 90 não é?” responde depois de muito se perder. Não que a matemática não seja o seu forte, é que é preciso muitas mãos para se chegar a idade do seo Silvino. Se João Paulo vai chegar até lá? A criança responde “não sei, depende da vida”.

Na identidade a data de nascimento confirma o centenário. Silvino nasceu em 26/06/1913.
Na identidade a data de nascimento confirma o centenário. Silvino nasceu em 26/06/1913.
Entre os 100 e os 9. O menino diz não saber se a vida vai permitir que ele também chegue até lá.
Entre os 100 e os 9. O menino diz não saber se a vida vai permitir que ele também chegue até lá.

Ao entrar por si só no movimento, com 96 anos, a filha de seo Silvino se viu na obrigação de acompanhar o pai. Mas o tratamento fica só na companhia mesmo, porque o centenário faz questão de morar no próprio barraco. Diz que não fica sozinho. “Eu e Deus”. Há de se imaginar que os anos ligados a Ele tenham contribuído para a melhor das convivências entre os dois.

“O segredo é viver bem com todo mundo e você vai se apegando com Deus, que aquilo vai chegar pouco a pouco”, descreve como sendo o segredo da longevidade. Silvino fala como se já não tivesse vivido 100 anos neste mundo.

O propósito de entrar para o MST foi ver que passado dos 90 anos, o dinheiro da produção de leite não dava para pagar o arrendamento de terra onde cria 22 vacas. “Vou é caçar terra para eu viver. Quando morrer, fica para os filhos”. Apesar de admitir que não seja eterno nas palavras, o brilho nos olhos e a firmeza na expressão não escondem que muitos anos ainda virão.

Até que a terra e os acampados se encontrem num desfecho... Seo Silvino comenta. “Eu só acho que está tudo devagarinho”.
Até que a terra e os acampados se encontrem num desfecho... Seo Silvino comenta. “Eu só acho que está tudo devagarinho”.

“Enquanto eu estou vivo, é na estrada que vou batalhar. O dia que eu morrer, aí acabou. Quem não batalha não consegue, a pessoa só tem quando trabalha para aquilo”. Ensinamentos que faz questão de frisar e que justificam sua estadia ali.

Seo Silvino está aguardado a liberação da fazenda Nazaré junto de pouco mais de 100 acampados. A propriedade tem 2,5 hectares de terra e alimenta a esperança do povo sem terra há cinco anos. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) já comprou o espaço, mas está emperrado na burocracia, de aguardar emissão de posse por parte da Justiça.

Até que a terra e os acampados se encontrem num desfecho, o senhor de 100 anos finaliza: “eu que quis. Eu disse: eu vou, eu quero ir para o movimento. Eu só acho que está tudo devagarinho”.

(Foto: Cleber Gellio)
(Foto: Cleber Gellio)
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