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Comportamento

O peso da frustração me deu 40 kg, quando insisti em fazer o que não queria mais

Paula Maciulevicius | 16/09/2016 06:55
Percillyanna no trote da faculdade, quando achou que tinha conseguido o que mais queria. (Fotos: Arquivo Pessoal)
Percillyanna no trote da faculdade, quando achou que tinha conseguido o que mais queria. (Fotos: Arquivo Pessoal)

Desistir pode envolver muita coragem. No caso de Percillyanna, foi assim. "Estudante há muitos anos", como se denomina hoje feliz da vida, Percillyanna Priscila Candelório, tem 27 e sentiu o peso da frustração quando insistiu em seguir o que achava que era seu sonho. Chegou a pesar 114 quilos por conta disso. Mas não era a balança que lhe afligia. A profissão que tinha escolhido para si não era tudo aquilo que ela tinha sonhado. E quando se deu conta, percebeu que preferiria estar em coma do que ir até a faculdade. E em primeira pessoa, é o relato dela que está hoje, no Voz da Experiência: 

Sou a caçula da família. Aquela que foi criada ouvindo que “no seu tempo as coisas já estavam fáceis”, que tem os exemplos dos irmãos que conseguiram vencer na vida e te dão todo apoio. Sabe quando você é criada destinada a “dar certo” na vida. Mas às vezes acabamos percorrendo caminhos não tão diretos.

Ainda no Ensino Médio, escolhi que iria ser farmacêutica. E não bastava fazer Farmácia, teria que ser na UFMS... Passava em frente à instituição e suspirava imaginando o dia que estaria ali como acadêmica.

O antes e depois da estudante. Uma diferença de 40 quilos.
O antes e depois da estudante. Uma diferença de 40 quilos.

Foi com esse sonho que conclui o Ensino Médio numa escola pública do meu bairro, em 2006. Nesse período, a vaga nas universidades federais ainda era pelo vestibular, desde início do terceiro ano comecei a estudar frequentando cursinho. Quando chegou o final do ano de 2007 fiquei por 2 colocados para ser chamada, estudei mais um ano e então o “sonho” se realizou no final de 2008.

Iniciei o ano de 2009 com muitas camisetas e bolsas personalizadas escritas “Farmácia UFMS”. Pois exercia com êxito toda a conhecida “ilusão de calouro”.

Pouco após as primeiras aulas percebi que aquilo não tinha nada ver com que imaginei para meu futuro. Iniciou-se a partir de então um período de “trevas”. Parece simples, poderia ter parado aí.
Mas como chegar na minha família e amigos e dizer “não gostei. Vou parar?” Na minha mente isso era coisa de “fracassado”. Eu não seria uma pessoa fraca, iria até o final! Imagina só, ter que voltar pro cursinho? “Ah não, deve ser uma fase, vai passar”...

Ao longo dos anos, foi acumulando falta de motivação, cansaço, dependências, tristeza e peso. Fiz estágios, trabalhei em hospital na área de Farmácia, e por mais que gostava do conhecimento proporcionado pelo curso, não me encontrava na profissão.

Feliz da vida, em frente ao símbolo do Direito.
Feliz da vida, em frente ao símbolo do Direito.

Era uma quinta-feira, 7 horas da manhã, nono semestre do curso. Sim, embora aos trancos e barrancos havia passado mais de 4 anos, quando um momento de insanidade me levou para a decisão mais sã da minha vida, explico:

Aquele dia tinha uma prova, final do semestre. Eu olhei pra cima na cama e pensei: “não queria fazer essa prova! Queria ficar em coma uns meses pra não ter que viver o dia de hoje!” À essa altura eu já tomava três medicamentos (que variavam conforme o psiquiatra que eu frequentava) e estava com 114 kg.

Então, parei olhei pra mim como se fosse do lado de fora. Vi o quanto aquilo não fazia sentido. O medo de decepcionar minha família, de virar história para os colegas, o medo de ser “fraca” estava me impedido de viver. Foi quando decidi que estava na hora de abandonar aquele “sonho”.

Tive que reunir as pessoas da minha vida para falar: “eu não aguento mais”. Sentia necessidade até de pedir perdão, chorava e via a menina do futuro promissor aos 24 anos sem graduação, sem perspectiva de futuro, com 7 anos de construção totalmente estraçalhados.

Mas não queria ficar parada, pois sentia que o tempo não me perdoaria. Certamente com muitos detalhes que não posso esmiuçar neste momento, decidi fazer Direito! Sim, atravessar a cidade para ir a UCDB, universidade particular que eu teria que reinventar um sistema para conseguir bancar os estudos. Sim, deixei a Universidade Federal, meu emprego na farmácia do hospital, mas também deixei meus medicamentos. Decidi que eu iria RECOMEÇAR!

Estudando num sábado à noite, mas fazendo o que gosta.
Estudando num sábado à noite, mas fazendo o que gosta.

Não aproveitei nenhuma matéria sequer. Um dia frio em julho de 2013 eu estava nervosa para iniciar meu primeiro dia de faculdade.

Confesso que nas primeiras semanas aconteceu de não ter força de ir a aula. Eu ficava no carro até as 11, sem ação. Mas não poderia ficar em casa porque aquele era meu recomeço. E todos veriam que eu ainda não me sentia pronta. Viver esse misto de emoções por si só já abala a gente, ter que lidar com todas as pessoas que aparecem indagando, questionando a decisão então, não é nada fácil. Mas bastou alguns meses para me encontrar em meio às filosofias, doutrinas e códigos.

De repente a vontade de ir as aulas foi aumentando. Enquanto alguns colegas bem jovens reclamavam, eu me via sorrindo discretamente porque eu sabia o quanto estar ali significava pra mim. A vontade de me tornar profissional cresceu tanto que decidi que não iria esperar os 5 anos do curso. A partir do quarto semestre comecei a dobrar a carga horária. Cursar disciplinas também no período da noite.

Se os planos derem todos certos (assim espero rs), concluirei o curso de Direito em 4 anos no meio do próximo ano (2017). As pessoas me perguntam por que fazer isso? Eu tenho sede de me formar, tenho pressa em realizar um plano que cada etapa dele tem sido um sonho! Todos os dias, eu agradeço a Deus por estar ali, saio cedo e volto tarde pra casa. Não sei o que é dormir mais de 6 horas, mas eu não trocaria um dia na minha faculdade por um dia de sono, porque hoje minha vida faz sentido. O corpo descansa em 6 horas, agora quando o cansaço está na alma, e esse é difícil de tratar.

Antes de encerrar preciso dizer, rsrs, após um ano cursando Direito decidi que não tinha mais desculpas, era hora de correr atrás do prejuízo e emagrecer. Nos últimos dois anos perdi 41 kg com um novo estilo de vida. E digo que “nada em mim foi covarde, até desistir foi meu maior ato de coragem”.

Gostaria de encerrar com uma frase que escrevi ainda no primeiro semestre do curso de Direito, quando caiu a ficha que eu estava no lugar certo. “Eu pensava que era preciso estar com a vida “feita” ou “pronta” para ser feliz em plenitude. Descobri que felicidade plena é um estado da alma quando a gente gosta do que produz, do que conquista”.

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