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Comportamento

Pai nunca entendeu porque Leandro quis morrer e por pouco não enterrou 2 filhos

Leandro se foi dentro de casa, José nunca entendeu e cinco meses depois, viu outro filho quase partir, da mesma forma

Paula Maciulevicius | 30/09/2016 08:17
"Os pais sempre mudam, muitos se fecham e eu continuo sempre alerta, pedindo a Deus pelos meus filhos e pelos dos outros", diz José, pai de um suicida. (Foto: Alcides Neto)
"Os pais sempre mudam, muitos se fecham e eu continuo sempre alerta, pedindo a Deus pelos meus filhos e pelos dos outros", diz José, pai de um suicida. (Foto: Alcides Neto)

No mesmo quintal onde tudo aconteceu, seu José volta no tempo. No bairro Jardim Aeroporto, seis anos atrás, as últimas cenas de Leandro em casa foram ouvindo música, a ligação das 7h da noite e depois só o desespero de ver o que parecia uma montagem. Na manhã do dia 28 de março, Leandro estava morto na varanda onde funciona a serralheria da família. Por pouco, a imagem não se repetiu com outro personagem. Cinco meses depois, o irmão também tentou partir. 

Não é pela culpa que seu José decide falar. Porque isso ele jura que não guardou para si. É por acreditar que pode, de alguma forma, alertar famílias e pais para não passarem pela mesma dor dele.

"Se eu mudei com isso? Completamente. Os pais sempre mudam, muitos se fecham e eu continuo sempre alerta, pedindo a Deus pelos meus filhos e pelos dos outros. Você começa a se preocupar com seu próximo", justifica o serralheiro José Carlos Miranda, de 54 anos.

Não é pela culpa que seu José decide falar. Porque isso ele jura que não guardou para si. (Foto: Alcides Neto)
Não é pela culpa que seu José decide falar. Porque isso ele jura que não guardou para si. (Foto: Alcides Neto)

Seu José é de Aquidauana, mas já rodou o país. Morou até em Rondônia e há 22 anos escolheu trocar o mato pela cidade. A vida nunca foi fácil, pautada no trabalho pesado, quando ele percebeu que a lida na fazenda viria, com a velhice, com o que ele chama de "humilhação", decidiu que precisava abrir horizontes e mostrar que sabia e podia fazer mais.

Pai de seis, enterrou Leandro aos 23 anos, o segundo filho, contra a lei natural da vida e a própria vontade. Entre as grandes perdas, nenhuma se equipara a de ver o caixão baixar no cemitério mesmo depois de ter se despedido de pai, mãe e irmãos. "A perda mais doída é a de um filho. Você falar que perdeu um filho? É o filho que enterra o pai, ele que vai ser seu representante na terra, vai dar continuidade na família. Não foi nem 1% da dor do filho, a de enterrar minha mãe. É uma ferida que não cura e não desejo para ninguém essa dor", descreve.

O sentimento que ele supunha, não é nem de perto na intensidade que ele imaginava. Antes de ser condenado a partida prematura do filho, nunca se imaginou numa situação assim.

"Só passei a saber agora, às vezes você até faz um julgamento indevido, porque não tem conhecimento de causa. É fácil apontar o dedo para a pessoa que está sentada na cadeira do réu, mas o difícil é você assumir o lugar dele ali e escutar o que o juiz tem a falar sobre a sua condenação", compara. 

Por vezes, seu José tenta buscar algo que - se tivesse dentro do contexto - poderia amenizar a saudade. "Por que se fosse, sei lá, um bandido, você sabe que está no caminho errado e a qualquer momento pode tomar um tiro ou ir preso, mas agora um guri que nunca se envolveu com crime, nunca soube nem o que é uma cadeia, que sempre foi amigo, companheiro..." Não, não há consolo ao pai para o suicídio de Leandro. 

"A gente tinha uma amizade, ele chegava e eu dizia: 'oi corninho' como foi seu dia hoje? E ele dizia: foi bem pai, beleza, tô de boa, tranquilo... E aí você vê aquela situação? É inexplicável", comenta. 

O pai nunca desconfiou que Leandro tivesse tamanho sofrimento dentro de si para acabar assim. Dos filhos, não que algum fosse fazer, mas ele era o único que José nunca imaginou. "Um guri alegre, tinha liberdade... Eu dizia que o pai era o único amigo que você tem, quem vai poder estar com você no pior momento da sua vida, vai ter ombro pra te abraçar e de repente, até no dia em que houve o feito, ele estava em casa...", conta.

Foi um vizinho, que é cliente da serralheria, que bateu palmas na manhã daquele domingo. A madrasta de Leandro, quem carinhosamente ele chamava de "tia", fazia o café e ainda não tinha aberto a porta de casa. 

"O conhecido bateu palma e perguntou: o que é aquele rapazinho ali? Eu só escutei os gritos e ele estava naquela situação, é difícil sabe... Uma pessoa que não tinha motivo, até onde a gente sabia, pelo menos, não... Você fica achando que não tem resposta, não tem chão, por mais que procure", reflete.

Seis suicídios com uma diferença média de 15 dias no mesmo bairro. Uma epidemia aos olhos do pai de um deles. (Foto: Alcides Neto)
Seis suicídios com uma diferença média de 15 dias no mesmo bairro. Uma epidemia aos olhos do pai de um deles. (Foto: Alcides Neto)

À época, foram seis suicídios com uma diferença média de 15 dias entre cada um na mesma rua e o que seu José se resume em falar: uma epidemia. A resposta, ele diz que desistiu de procurar.

"Porque cada vez você vai se machucando mais. Às vezes o pessoal fala coisas que não te agrada, que você sabe que não tem nexo aí eu fui desistindo de ir atrás e naquele momento, eu tive que ter uma sustentação..."

O desespero da família era tanto, que seu José se manteve firme e só foi desabar depois de passar pela delegacia, no IML. "Deus foi tão bom que bloqueou a minha mente naquele momento... E de lá para cá foram seis anos, mas a gente não esquece, não consegue esquecer, ele estava ali no meio..."

Leandro não deixou nada escrito. Cinco meses depois, o irmão tentou fazer o mesmo, mas este, seu José diz que conseguiu salvar. Por serem muito ligados, o mais novo avisou um dia os amigos, que em breve todos saberiam a notícia e que eram para ajudar a "catar o corpo".

O próprio pai quem arrebentou os fios e socorreu o segundo filho, com vida. (Foto: Alcides Neto)
O próprio pai quem arrebentou os fios e socorreu o segundo filho, com vida. (Foto: Alcides Neto)

"Eles ligaram correndo para a minha esposa e tinha um ponto na frente, com um rapaz que nunca pegava ônibus aqui, mas aquele dia ele sentiu vontade e viu quando o menino chegou, escutou o barulho e correu para segurar ele", descreve.

O próprio pai quem arrebentou os fios e viu os bombeiros socorrerem o filho, em vida.

Na época de Leandro, como se não bastasse toda a dor, José ainda ouviu acusações de muita gente, de que a culpa era dele. "Você acha que um pai amoroso igual eu? Sempre amei meus filhos e no caso dele, não tinha explicação. Eu penso: desespero do que? Só se ele mexeu com alguma coisa errada, mas não tenho o que falar e ele não está mais aqui para se defender também", argumenta o pai.

A cada notícia que seu José escuta, ele se coloca no lugar da família de quem partiu, coisa que antes, nunca tinha experimentado fazer. "Vem tudo na mente, a situação, você imagina o sofrimento que aqueles pais estão passando e você se sente impotente e às vezes até se culpando... Poderia ter feito alguma coisa? Deixei de fazer algo para evitar? Machuca, mas a vida continua..."

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