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Comportamento

Para crianças que nunca comeram doce ou cantaram parabéns, carinho é novidade

Paula Maciulevicius | 23/06/2016 06:10
Carinho é novidade e às vezes os pequenos não sabem nem como recebê-lo. (Foto: Alcides Neto)
Carinho é novidade e às vezes os pequenos não sabem nem como recebê-lo. (Foto: Alcides Neto)

Cantar parabéns ao redor de uma mesa de doces pela primeira vez. Comemorar uma vitória comendo pizza. Pegar impulso e dar o primeiro pulo na piscina. Essas descobertas transformaram os dias de crianças entre 6 e 7 anos nos melhores de suas vidas. Os pequenos vivem no Lar Vovó Miloca e sentem nessas oportunidades, o carinho que nunca tiveram.

A reação delas diante de fazer coisas tão simples pela primeira vez, são as mais distintas. Desde o espanto, a surpresa, até a inércia. Os irmãos de 6 e 7 anos, não sabiam como agir quando viram os doces da festa de aniversário. Ficaram completamente paralisados e quando recuperaram os movimentos e a fala, pediram se podiam chegar perto, pegar para si e para os outros dois irmãos menores. Ninguém da casa nunca havia soprado as velinhas.

Quem acompanhou este momento e descreve para a gente é a psicóloga e coordenadora da Infância e Juventude, Rosa Pires Aquino. Pelo cargo que ocupa, visita sempre as instituições de acolhimento e pelo amor que tem pelas crianças, quando pode, as leva consigo para ter convívio social abrigo afora.

O primeiro pulo na piscina ficou marcado para os irmãos. (Foto: Arquivo Pessoal)
O primeiro pulo na piscina ficou marcado para os irmãos. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Foi uma coisa... Parecia que eles estavam descobrindo outro planeta. Eles chegaram com um ar de espanto até. Nunca tinham cantado parabéns. Não sabiam nem cantar e nem como entrar nos brinquedos que tinha”, conta.

De longe, ela ficou observando o comportamento de quem descobre outro mundo. “Eles não tocavam na mesa de doces. Ficaram paralisados, olhando tanta coisa de um universo que nunca tiveram acesso”, avalia.

A psicóloga ficou intrigada, mas chegou a conclusão pela experiência de que a realidade da maioria das crianças que estão em abrigos, é essa. “Quando eles chegam na entidade de acolhimento é que vão descobrindo que existem coisas boas na vida. Não só a negligência, a violência e o abandono”.

Os mesmos irmãos também nunca tinham ido à piscina. Num final de semana, Rosa os levou para casa, em cumprimento a uma promessa feita a eles. “Eles ficaram espantados de ver, falavam que a piscina era grande, que o jardim era grande. E sabe que pensei que eles fossem ter receio de entrar na água?” conta. E foi bem ao contrário.

“Eles pularam e ficaram o dia todo e sabe o que pediram de almoço? Eu queria fazer um churrasco, mas eles queriam macarrão com salsicha”, recorda aos risos. Para a psicóloga, são esses os momentos que compõem a história de vida de uma criança: a primeira festa de aniversário, o prato predileto.

O amor está nos pequenos gestos e são estes que arrancam mais sorrisos deles. (Foto: Alcides Neto)
O amor está nos pequenos gestos e são estes que arrancam mais sorrisos deles. (Foto: Alcides Neto)

Da festinha que eles foram, a recordação é presente na memória. Para o abrigo eles levaram docinhos e as lembrancinhas para dividirem com os irmãos e toda vez que veem Rosa, perguntam quando será a próxima festa.

Dos 19 anos em que participa do abrigo Vovó Miloca, dona Josefa Rosa de Andrade Arruda tem histórias de montão. De encher os olhos e o coração. De início, quem chega à entidade se assusta é com a fartura de comida. “Eles ficam desesperados com a variedade e sempre querem guardar um pouco ou comem de olho na panela, para ver se tem mais”, descreve a cena.

Passada essa primeira reação, vem o esquivo. Muitos deles antes de se abrirem, recuam ao primeiro contato de carinho. “Acontece muito de eles nunca terem tido carinho. Tem criança que fica arredia, encolhidinha e é só o passar do tempo mesmo para que eles deixem a gente abraçar e a gente abraça muito, bota muito no colo”, completa Josefa.

Cada dia é uma história diferente. Mas foi com a diretora do abrigo que o menininho judoca agradeceu pelo melhor dia de sua vida. Ao encerrar as atividades do judô, ele passou de faixa e todos saíram para comemorar.

“Ele olhou para mim com uma sinceridade e disse: hoje é o dia mais feliz da minha vida tia. Sabe por que ele disse isso? Saímos do judô e fomos comer pizza... Essas coisas que gratificam a gente”, resume.

O carinho é novidade e ele pode vir num abraço, num banho de piscina, num parabéns pra você e até mesmo num pedaço de pizza.

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O tempo faz com que eles se acostumem a receber e também dar abraços. (Foto: Alcides Neto)
O tempo faz com que eles se acostumem a receber e também dar abraços. (Foto: Alcides Neto)
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