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Comportamento

Parado em frente a casa, ônibus é lembrança de acidente que levou avó e netinha

Naiane Mesquita | 17/08/2015 06:34
Agda Mareco perdeu a filha e a mãe em um acidente de ônibus e nove anos depois ainda precisa cuidar de um veículo igual ao da tragédia (Foto: Fernando Antunes)
Agda Mareco perdeu a filha e a mãe em um acidente de ônibus e nove anos depois ainda precisa cuidar de um veículo igual ao da tragédia (Foto: Fernando Antunes)

“Fiquei dois anos indo ao cemitério todos os sábados”, conta a operadora de caixa Agda Mareco, 30 anos. Em silêncio, ela percorria o caminho para deixar flores no túmulo das duas companheiras de vida, a mãe, dona Margarida, e a filhinha Alessandra, de apenas 3 anos. Uma dor lembrada diariamente, assim que sai no portão de casa.

O ônibus estacionado em frente a casa de Agda
O ônibus estacionado em frente a casa de Agda

As duas, avó e neta, sairam de Campo Grande com destino a São Paulo para passar férias na casa do irmão de Agda e nunca mais retornaram.

O caminho foi interrompido por um acidente de ônibus, no dia 22 de outubro de 2006, que na época, também vitimou mais quatro pessoas. “O motorista dormiu no voltante e colidiu com uma carreta. O lado direito do veículo, onde estava minha mãe e minha sobrinha, foi o mais atingido com a batida”, diz Adailton Mareco, irmão de Agda.

Morando na casa onde vivia Agda com a filha e a mãe, Adailton explica os detalhes do dia olhando justamente para um ônibus idêntico ao do acidente, estacionado em frente ao portão há meses.

Devido a um impasse judicial na briga por indenização, Agda é a fiel depositária do veículo há quatro anos, até que ele vá para leilão. A demora no processo tornou inviável a permanência do ônibus em uma garagem, paga pela família, e com a novidade de que ele finalmente iria para leilão, ela decidiu há três meses estacioná-lo na frente de casa.

Longe de ser apenas um problema na rua do bairro Silvia Regina, porque ocupa quase dois espaços de garagens, o ônibus é a lembrança obrigatória para a família da separação precoce de Margarida e Alessandra. “Toda hora que você sai ali e lembra do acidente, só que assim, você parece que cria um bloqueio também. Agora, na entrevista, minha mão está suando, se você tocar vai perceber. É porque estou revivendo tudo”, acredita.

Para Agda ver todos os dias o ônibus se tornou cotidiano, uma parte da história e de uma dor que, para ela, nunca terá fim. “É difícil, mas também, é uma dor que nunca vai passar. Faz quatro anos que estamos com o ônibus, agora parece que vai para leilão. Saiu a ordem, mas eu também só acredito quando estiver tudo certo”, afirma.

Todos os impasses judiciais e, para ela, o descaso da empresa, fizeram a família criar um escudo.

Agda parece forte, mesmo quando as lágrimas surgem. Ela logo as espanta e continua falando de onde tira a coragem de seguir todos os dias. “Minha força hoje é a Maite. Eu olho para ela e isso me faz seguir em frente, apesar de ser dolorido”, afirma Agda.

O sorriso surge ao falar da filhinha mais nova, Maite, de 4 anos
O sorriso surge ao falar da filhinha mais nova, Maite, de 4 anos

Maite é a segunda filha e tem quatro anos. É a xodó da casa. “A gente vive por ela e para ela. A Maite e os meus sobrinhos, mas eles moram em São Paulo. O cuidado com ela é redobrado, coitadinha”, diz, a mãe.

Esse jeitinho de tratar a filha, que ela julga ser até exagerado as vezes, é um reflexo do trauma. Agda morava com a mãe e Alessandra antes do acidente. “Fiquei totalmente sozinha. Depois meu irmão resolveu morar com a gente. Ele morava em São Paulo. Depois chegaram a minha tia e a minha prima. Hoje, vivemos todos juntos”, explica.

Mesmo com o longo processo e desgastante processo judicial, Agda nunca pensou em desistir. “Precisei fazer muita prece para conseguir ir me desprendendo. Pode pagar o que for, mas nunca vai trazer elas de volta. Tudo que eu quero é o justo. Não sei como está a situação das outras famílias, mas o que mais me dói é o descaso, eles nunca me prestaram nada, no dia do aniversário de quatro anos da Alessandra foi a última vez que eles me ligaram oferecendo um acordo. Respondi que era o aniversário dela e o presente deste ano era um vaso de flores e um maço de vela”.

Tantos anos depois, Agda ainda brinca de imaginar como estaria Alessandra, hoje com 11 anos. “Tenho uma amiga que nós engravidamos na mesma época, então quando vejo o filho dela eu sempre penso, imagino. Mas, tenho um bloqueio..não consigo seguir muito pensando nisso. Eu acho que ela seria muito parceira, ela era tão companheira, assim como a Maite. É uma dor que não acaba, você vai carregar para o resto da vida, mas se Deus me colocou nesse mundo para carregar isso, vou ser forte”.

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