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Comportamento

Pelo direito de educar, professor vai até as últimas para não ser amordaçado

Paula Maciulevicius | 10/09/2016 07:10
Projeto foi votado em abril deste ano, aprovado na Câmara e vetado pelo prefeito. (Foto: Arquivo/Alberto Dias)
Projeto foi votado em abril deste ano, aprovado na Câmara e vetado pelo prefeito. (Foto: Arquivo/Alberto Dias)

Paulo César Duarte Paes. Dos 57 anos de vida, 35 deles foram passados ensinando. Professor do curso de Artes da UFMS, pós-doutor em Serviço Social, doutor em Educação e mestre, Paulo teve ao longo da vida acadêmica, toda sua pesquisa focada nas bandeiras que ergue: Educação e Direitos Humanos e dentro desta temática é que ele segue determinado a ir contra a corrente da linha conservadora, que através da "Escola sem partido", tenta se apropriar da educação para formar trabalhadores acríticos ao invés de cidadãos.

O professor foi educador do movimento menino de rua e transformou sua vivência em registros que viraram livros e artigos publicados Brasil afora. Quando se deparou com a "lei da mordaça", como ficou conhecido o projeto que chegou a ser aprovado na Câmara Municipal de Campo Grande, mas teve o veto do prefeito, preparou, através de muito estudo e trabalho, mobilização entre a classe para juntos irem contra a corrente. 

A primeira notícia que ele teve sobre o projeto que não permite que professores falem sobre gênero, religião e política em sala de aula, veio por uma colega do Paraná, onde ele recentemente tinha dado aulas de pós-graduação. Ao chegar em Campo Grande, se deparou com o alarde feito pela vereadora Luiza Ribeiro (PPS). "Quando eu li aquilo pensei: 'temos que tomar uma atitude. Temos que estudar e trabalhar na mobilização de pessoas e foi isso que eu fiz: panfletos com vários motivos pelos quais a gente tem de ser contra a lei e fui estudando, entendendo o que é o projeto Escola sem partido", explica.

O projeto vem de uma linha conservadora da educação, focado nas ciências humanas. "Lá eles falam de Bordier, Foucault, Marx, Paulo Freire, quase todos os grandes pensadores modernos são vistos como malignos, demoníacos e numa visão simplista e rasa", observa o professor. Na defesa deste projeto, Paulo argumenta que estão pessoas com pouquíssimo conhecimento.

A iniciativa vem do advogado Miguel Nagib. "Uma pessoa que não tem estudo na área de educação, que não conhece. Nós que estudamos 20 anos, eu que sou professor a vida inteira, são 35 anos dando aulas e ele um advogado que trabalha em outra área, mas tem o financiamento de grupos que tentam impor uma perspectiva superficial sobre algo que é muito complexo: ideologia, gênero e religião", discorre.

E isso acontece contra não só professores que veem o retrocesso batendo à porta, como atinge a Constituição Brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os parâmetros curriculares e os temas transversais. Em resumo, tudo o que foi produzido com a participação de milhares de educadores. "Eles são conta algo que foi construído coletivamente durante 20 anos, que tem todo respaldo legal. Partem de uma perspectiva inconstitucional, querem retirar o ensino em geral, da área de humanas e por que? Por terem uma perspectiva de que educação escolar tem que ser para formar o trabalhador produtivo, útil à empresa. É a visão do empresário", ressalta. 

Enquanto professores e mestres defendem uma visão de formar o indivíduo de maneira universal, com conhecimento em várias áreas e que possa discernir sobre sua ação de trabalho e como cidadão. 

"No site, eles são contra a formação do cidadão. O início da Escola sem partido se dá a partir de pesquisa feita no sentido de compreender a relação da educação com a cidadania, onde descobriram que mais de 70% dos professores diziam que a educação tinha a finalidade de formar o cidadão e para eles não, tem a finalidade de formar um trabalhador que não questiona, que é acrítico", compara Paulo. 

Na Lei Municipal, por exemplo, o texto trazia a coibição de qualquer tipo de discussão de gênero, o que para o professor, é um absurdo num país tão machista quanto o Brasil. "Uma mulher não pode andar sozinha na rua. Isso não é normal, é uma questão machista que tem que ser trabalhada na escola e na saúde, é uma coisa que está na Constituição", enfatiza o professor. 

Deixando a questão restrita à família, nos esquecemos de que aquela criança ou adolescente está inserido numa sociedade, para onde vai levar tudo aquilo que não foi discutido. "Se a criança é machista o problema é da família? Mas a questão é de toda a sociedade. Nós vivemos numa sociedade homofóbica, porque temos uma formação machista e essa questão tem que ser discutida na saúde e trabalhada na educação", defende Paulo. 

Que o projeto é uma afronta à Constituinte, não há dúvidas, mas ainda assim, o professor exemplifica até usando a religião. "Se um terena fala que tem adoração ao sol, vai ser perseguido totalmente, porque ele só pode ter a bíblia. Essa é uma forma de dominação branca sobre a terena e a escola deve trabalhar essa diversidade religiosa, a religiosidade como objeto de estudo curricular, não a imposição de uma ou outra religião", prossegue. 

O texto da Escola sem partido ainda prevê que um cartaz seja colocado nas salas de aula com um disk-denúncia, que incita alunos a denunciarem professores que trabalhem qualquer uma das questões acima.

Em discussão em Brasília, está ainda um projeto de lei que prevê pena de 1 ano e meio a 2 anos e meio de reclusão. "Por simplesmente o professor exercer seu papel constitucional, de dar aula de gênero, concepção político-filosófica ou sobre religiosidade. Eles vão tirar ainda mais o frágil poder do professor que já está tão desempoderado na educação brasileira", argumenta Paulo. 

Ir contra a corrente é, acima de tudo, não se deixar amordaçar.

"Vivemos um retrocesso nos direitos trabalhistas, perdemos o 13º, fundo de garantia, a jornada de trabalho está aumentando e para onde está indo esse dinheiro? Nunca o mundo foi tão rico, nunca houve tanta concentração de riqueza e para isso tem que tirar os direitos, que direitos? Trabalhistas e direitos humanos, tem que haver um regime opressivo e a educação tem que ser para formar seres autômatos, que vão trabalhar como escravos, quietos.

Nós lutamos para que não seja essa a educação, e sim forme o cidadão nessa linha dos direitos humanos. O problema é que os professores ainda não acordaram para isso. Aqui, até que sim, porque nós fizemos uma grande mobilização, houve engajamento da Fetems, ACP, Adufms, agora vamos produzir material e viajar o Estado inteiro para não deixar essa lei entrar".

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