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Comportamento

Por que Samuel continua nas ruas, mesmo depois de uma chance para recomeçar?

Thailla Torres | 01/09/2016 08:00
Quando não está dormindo, Samuel arrisca-se entre os carros pedindo dinheiro para sustentar o vício. (Foto: Fernando Antunes)
Quando não está dormindo, Samuel arrisca-se entre os carros pedindo dinheiro para sustentar o vício. (Foto: Fernando Antunes)

Com olhar fixo e as mãos tremulas, Samuel Pereira, de 20 anos, segue pedindo dinheiro pelas ruas de Campo Grande. Arrisca-se entre os carros, algumas vezes encara quem passa e em outras aparenta estar atordoado. A reação tem resposta nas drogas e os trocados que consegue é o que sustenta essa roda viva. Depois de uma tentativa de reabilitação, o problema voltou à tona quando teve contato com as ruas, foi à estaca zero.

Parte da história de Samuel, já foi contada no Lado B em 2014. Na época, ele teve apoio de pessoas que insistiram na reabilitação. Quando disse sim ao recomeço, Samuel tinha 18 anos, recebeu atendimento médico, buscou um novo caminho na fé e foi encaminhado para tratamento em um centro de recuperação em Três Lagoas.

Não demorou muito e Samuel encontrou a “liberdade” como ele mesmo definia de volta às ruas. Hoje, bem mais magro, com as marcas do uso contínuo de drogas, pouco se lembra da oportunidade que teve. “Bem não estou,  tia”, responde sobre a vida ainda sob efeito de drogas, enquanto tenta mais um dinheiro no semáforo da Avenida Afonso Pena, no cruzamento com a Ernesto Geisel. Com as roupas sujas, contando as moedas, diz pouco sobre a vontade de sair dali. “A gente quer, mas agora não dá, é difícil”, afirma.

Diz que dorme todos os dias na Rua Barão do Rio Branco e que precisa de mais dinheiro. “Ainda preciso de R$ 2 pra comprar droga”, admite, se esquivando para não perder tempo. “Minha cabeça não está boa, volta outra hora. Acabei de usar droga”, revela, ao se arriscar novamente entre os carros, falando alguma coisa que não dá pra entender. 

Samuel já nas ruas em 2014, antes da internação.
Samuel já nas ruas em 2014, antes da internação.

Sem saída - A situação de Samuel é só uma dentre muitas nas ruas de Campo Grande. É mais um "nóinha", na gíria que resume sem envolvimento uma legião de homens e mulheres que só aumenta na cidade.

No caso dele, em dois anos o uso de pasta base de cocaína, a zuca, tirou a lucidez, o que vira e mexe se revela como agressividade contra quem nega um trocado no trânsito.

Em uma Capital pequena, mas com acesso facilitado às drogas, a prevenção poderia reverter o caos que já se verifica em grandes centros, mas nada tem sido feito por aqui. 

Para o psiquiatra Marcos Estevão, Campo Grande está longe de solucionar o problema. “Dependência química não tem cura, o que existe é ex usuário. Tem que haver estrutura, espaço para internações e internação compulsória”, opina.

Aqui, conforme a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), são apenas 12 leitos para internação no Hospital Regional e 37 leitos são disponibilizados de emergência em CAPS e Unidade de Acolhimento da rede pública. 

Com número escasso de vagas para dependentes, o tratamento se torna um desafio. “Para esses casos, isso é um absurdo. No Hospital Regional são poucas vagas e a internação é no máximo por 15 dias, o que é pouco para iniciar qualquer tratamento", diz o médico.

Apesar de mais equipada, até a rede particular deixa a desejar. “Aqui só temos uma unidade particular de recuperação e para pacientes voluntários. Não tem a compulsória que seria muito importante”, diz sobre a Clínica Carandá, na Avenida Mato Grosso, que só atende quem tem plano de saúde ou dinheiro para pagar.

Na opinião do psiquiatra, os tratamentos não impedem o usuário de voltar para rua. “Tem projeto que leva uma equipe aos locais de uso abusivo de droga para orientação. Mas não pode se resumir a isso, porque sem a internação e o uso de medicamentos, até que ele contribua com o próprio tratamento, não vai diminuir o sofrimento e essas pessoas precisam sair das ruas”, argumenta.

A internação entra, segundo o médico, como uma necessidade para que o paciente não interrompa os efeitos do tratamento. “Numa fase inicial é preciso medicação, senão ele vai querer sair do hospital. Depois devem ter um suporte psicossocial, terapia, família e grupo de apoio que se torna um dos fatores importantes na recuperação. Porque se haver recaída, o paciente volta para o estágio motivacional zero e ali não tem poder decisão sobre a vida dele”, esclarece.

E o que as pessoas não percebem é que além de uma questão de humanidade, o investimento em projetos de internação para esses dependentes químicos, reflete também na própria segurança. Em mundo fictício onde não houvesse drogas, não haveria tanto vidro de carro quebrado, bolsas levadas e armas na cabeça.

O delegado titular da Derf (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos), Luiz Alberto Ojeda afirma que a maioria dos envolvidos em roubos e furtos tem ou já teve contato com as drogas. Mas até a falta de estatística atrapalha a pressão por políticas públicas. “Não temos um levantamento exato de quantos casos têm essa relação, mas posso dizer que mais da metade são crimes cometidos para sustentação do vício”, comenta.

E por mais que tudo pareça perdido, o psiquiatra Marcos Estevão ainda pontua a prevenção que deve começar dentro de casa. “O trabalho contra as drogas se baseia em três pontos. Prevenção, tratamento e repressão. A mais importante é a prevenção que não existe da forma que a gente gostaria. As famílias conhecem pouco sobre as drogas e a escola deve ter um preparo maior com os docentes. O assunto tem que ser recorrente. No tratamento, faltam todos os quesitos que citamos anteriormente e na repressão é preciso um efetivo maior para evitar o tráfico. É um trabalho em conjunto que precisa ser abraçado”.

Em Campo Grande quem deseja atendimento gratuito pode buscar ajuda em um dos CAPS. Confira aqui as unidades de saúde.

Há também grupos dos Narcóticos Anônimos na cidade, de apoio aos dependentes químicos. Normalmente, há reuniões em salões de igrejas católicas, como a Sagrado Coração, na Avenida Mato Grosso. O contato pode ser feito pelo telefone (67) 98155-2282. Para as famílias, uma ajuda importante vem do grupo Amor Exigente, com sede na rua Senador Ponce, número 569, no bairro Monte Líbano, em Campo Grande. O telefone de lá é o 3026-4404.

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