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Comportamento

Quanto há de preconceito escondido no calote depois de uma noite de sexo?

Adriano Fernandes | 15/03/2016 06:12
Idianara Siqueira é Integrante da Marcha das Vadias e esta à frente do projeto TRANSrevolução/RJ. (Foto: Reprodução Facebook)
Idianara Siqueira é Integrante da Marcha das Vadias e esta à frente do projeto TRANSrevolução/RJ. (Foto: Reprodução Facebook)

O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) reconhece por meio da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) que a prostituição é um oficio legal. Por isso, assim como qualquer outra ocupação, se contratado um serviço, ele deve ser pago.

Mas aqui em Campo Grande são comuns os boletins de ocorrência feitos por garotas de programa e travestis depois de calote do cliente. Em casos extremos, há violência, resultado do machismo e da hipocrisia.

O tema do evento deste ano foi o fim da transfobia.
O tema do evento deste ano foi o fim da transfobia.

Daiane Vasconcelos tem 26 anos e há mais de dez vive do sexo no Bairro Aero Rancho, em Campo Grande. Ela conta que das muitas situações de violência que viveu, a mais grave foi quando um cliente atirou contra ela. “Fomos para um lugar afastado, na saída para Três Lagoas e, após o programa, ele simplesmente não quis pagar e me apontou uma arma. Eu fugi, mas ele atirou e por muito pouco não me acertou”, lembra.

Ela é travesti e, é claro, apanha graças ao preconceito. “Quase metade dos clientes são homens, que levam uma vida social como héteros, mas na calada da noite procuram uma travesti para satisfazerem seus prazeres sexuais. Muitas vezes até pedem para a gente ´virar homem`, sendo que foram eles que nos procuraram. Levam uma vida dupla e hipócrita”, diz.

Daiane diz que o risco de calote e atitudes agressivas é ainda maior quando a prostituta trabalha nas ruas e sozinha. “Um cliente, em atitude suspeita, sempre procura uma prostituta que fica em um ponto afastado ou sozinha, porque ele sabe que caso ele seja agressivo, aquela prostituta não tem como se defender. Em motéis, por exemplo, esse risco é menor porque tem câmeras”, explica.

Revidar com violência, segundo ela, acaba sendo a única forma de se defender. “Se ele aborda uma travesti em um ponto com mais de uma garota de programa, por exemplo, nós pedimos a ajuda das outras colegas para nos defender, caso ele não queira pagar. Somos tão marginalizadas na sociedade ou pela policia, que quando estamos expostas na rua, aprendemos que esta é uma das únicas formas de se defender”, se queixa.

Aos 26 anos, a transexual Kaila Melody já ouviu várias desculpas banais para os calotes. “Eles olham nossas fotos em site, agendam horários, mas quando chegam querem algo que não estava combinado. Falam até que deixaram a carteira ou o dinheiro no carro, voltam para pegar e somem”, comenta.

O 21º ENTLAIDS - Encontro Nacional de Travestis e Transexuais ocorreu no último fim de semana em Campo Grande.
O 21º ENTLAIDS - Encontro Nacional de Travestis e Transexuais ocorreu no último fim de semana em Campo Grande.

Kaila é ativista e estudante de Psicologia na Faculdade UniCeub, em Brasília. Ela não esconde de ninguém a profissão, mas conta que a falta de uma regulamentação formal, ainda alimenta o preconceito.

“Eu já tive vários atritos com alunos da minha instituição, pelo tipo de trabalho que exerço. Já tive colegas que saíram da faculdade e vieram me insultar no meu ponto à noite, com questões relacionadas. Mas eu não me sinto constrangida”, diz.

Indianara Siqueira é um dos maiores nomes do País quando o assunto é ativismo em relação aos direitos de prostitutas, feministas, transexuais e na prevenção do HIV/AIDS. Assim como Kaila e Daiane, ela foi uma das debatedoras do 21º ENTLAIDS - Encontro Nacional de Travestis e Transexuais, que aconteceu em Campo Grande no último final de semana. Um dos temas abordados no evento foi a regulamentação da prostituição.

Para a ativista, a quebra de estigmas quanto ao trabalho das prostitutas depende também de um melhor treinamento da policia. “Se a polícia fosse mas bem treinada, ia saber que a prostituição é declarada como ocupação legal. Que da mesma forma que uma pessoa que vai ao camelô e se vê no direito de não pagar, porque aquele é um trabalho informal, o cliente não pode dar o calote em uma prostituta”, explica.

Para ela, um dos grandes desafios e convencer as colegas a entenderem que têm direitos. “A prostituição carrega uma série de outros fatores de exclusão. Da travesti que é sempre mal vista, à mulher que por ser livre para escolhas é chamada de vadia ou puta. As prostitutas precisam entender que o que elas fazem é sim uma profissão para que, se necessário, irem a policia registrar um boletim de ocorrência com base nos seus direitos”, conclui.

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