ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, QUINTA  28    CAMPO GRANDE 25º

Comportamento

Roupa rasgada é folclore quando as mulheres chegam ao IMOL depois de uma surra

Paula Maciulevicius | 09/09/2015 06:23
Patrícia é uma das três únicas médicas legistas do Imol que acompanha mulheres na fase mais delicada da peregrinação. (Foto: Fernando Antunes)
Patrícia é uma das três únicas médicas legistas do Imol que acompanha mulheres na fase mais delicada da peregrinação. (Foto: Fernando Antunes)

Do balcão de entrada, é preciso seguir até primeira porta à direita do corredor. São poucos passos para o consultório 01 do Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal) de Campo Grande. A porta se abre e diante dela está uma mesa, um médico atrás e uma pequena sala ao lado, para exames. Quem lida diariamente, há 11 anos, com vítimas de violência chegando pelo portão do Instituto sabe que: roupa rasgada é folclore e que a mulher diante dela para o exame tem fome, sede e uma exaustão sem tamanho. 

Patrícia Mitie Nakamura tem 45 anos e é uma das três únicas médicas legistas do Imol que acompanham mulheres na fase mais delicada da peregrinação: a hora em que as roupas caem e a agressão é escancarada. "O médico legal é voltado para gerar provas materiais, eu faço o exame externo", explica Patrícia. 

O contato com tantas histórias na rotina da violência contra a mulher fez o Lado B escolher a médica para uma entrevista sobre os bastidores dessa epidemia.

Até chegar ao Imol, a médica descreve que a mulher passa primeiro na delegacia para dar queixa e se for um caso de flagrante, vai direto para o Instituto. A narração continua ganhando um tom cada vez mais sério.

"Às vezes a mulher, vítima de estupro, se o fato aconteceu à noite, ela vai desesperada para a delegacia, passa 2h fazendo a queixa, vai para o posto tomar o coquetel para evitar AIDS, aí vem para cá. Ela não dorme a noite inteira..." discorre Patrícia. Os exames em casos de violência sexual podem ser feitos até 48h do ocorrido.

São poucos os passos até o consultório 01 do Imol de Campo Grande. (Foto: Fernando Antunes)
São poucos os passos até o consultório 01 do Imol de Campo Grande. (Foto: Fernando Antunes)

O trabalho é delicado. A vítima, quase sempre, está acompanhada do policial da delegacia onde ela prestou queixa e quando passa do expediente normal, os médicos são avisados de que a vítima está para chegar. "Ela está exausta, cansada, em choque. O rosto choroso. Nessa hora você tenta fazer o melhor de você e com sensibilidade, porque a mulher já está num rebaixamento de autoestima".

Sobre o vestuário, Patrícia comenta que dificilmente os tecidos estão rasgados. "Isso é folclore e sabe por que? Porque raramente é um desconhecido. O abusador é uma pessoa que a vítima conhece, do ciclo dela. Dificilmente ela chega arranhada, machucada, porque na maioria das vezes, ela se submete ali, aceita a situação, por temer pela vida".

É difícil ter que tirar a roupa, mais que isso, é constrangedor. Mas não tem outra maneira para a paciente ser submetida ao exame que pode até coletar o DNA, através do esperma, embora a vítima sempre saiba que foi o abusador.

Sem comida, sem água e nem estrutura. Maior em números estão os casos de agressão que chegam ao Imol. Proporcional às ocorrências estão também as reincidências. "A mulher agredida acha que é normal apanhar. Isso é rotina na vida dela, a gente atende sim e pergunta: 'de novo'?" Do outro lado, a cabeça balança afirmando.

Muitas vezes sentindo dor, as mulheres chegam retraídas ao consultório, evitando qualquer contato. "Ela quer a família dela, não quer um abraço do médico, da polícia. É uma tristeza, infelizmente..."

Quando o assunto é voltado para as regiões que a médica mais costuma examinar, Patrícia balança a cabeça para dizer que assim como não há lógica na violência, não tem direção. "Soco, chute, pontapé. A gente fica indignado como que um homem pode fazer isso com uma mulher? E é qualquer lugar, rosto, braço, barriga. Eles? Eles não miram..."

De janeiro a setembro deste ano foram registrados 5.405 boletins de ocorrência por violência doméstica só na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) e outros 37 por estupro.

De janeiro a setembro deste ano foram registrados 5.405 boletins de ocorrência por violência doméstica. (Foto: Fernando Antunes)
De janeiro a setembro deste ano foram registrados 5.405 boletins de ocorrência por violência doméstica. (Foto: Fernando Antunes)
Nos siga no Google Notícias