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Comportamento

Transformação com os anos mudou status de morar na principal avenida da cidade

Paula Maciulevicius | 22/08/2013 06:25
Na história de Campo Grande que quer ser igual a São Paulo, tem trecho aí que caminha e numa velocidade rápida para isso. (Fotos: Marcos Ermínio)
Na história de Campo Grande que quer ser igual a São Paulo, tem trecho aí que caminha e numa velocidade rápida para isso. (Fotos: Marcos Ermínio)
Transformação com os anos mudou status de morar na principal avenida da cidade

Transformações que o avanço trouxe sem pedir a permissão dos moradores. Residir na avenida Afonso Pena era sinônimo de morar bem, no Centro, perto de tudo e de quebra vinha acompanhado de um ‘status’. O endereço de casa ser a principal avenida da cidade era considerado chique quando na época o trânsito não era este e as bagunças do final de semana não chegavam aos ouvidos da vizinhança.

A melhor fase da minha vida passei ali. Nasci e me criei na avenida Afonso Pena. Foi uma vivência feliz, apesar de nunca ter me dado ao luxo de brincar na rua. Chique pra mim era poder jogar bets na via e pular amarelinha no asfalto. Ali, proibidos às crianças e com toda razão. O barulho sempre fez parte do cotidiano de quem mora em qualquer que seja o trecho. O vai e vem de carros, buzinas e sirenes de ambulâncias até que não trazia incômodo. É que para orelha acostumada, o difícil era dormir no silêncio. Bons tempos aqueles, que ficaram nos capítulos passados.

Na história de Campo Grande que, por consequência ou vontade dos próprios nativos, quer ser igual a São Paulo, tem trecho aí que caminha e numa velocidade rápida para isso. A Afonso Pena é um exemplo disso. De residências passou ao comércio e às casas noturnas num fluxo intenso, que não respeita a sinalização de quem vive ali.

Edson não fala mal, mas também admite a dificuldade de sair da garagem por conta do trânsito.
Edson não fala mal, mas também admite a dificuldade de sair da garagem por conta do trânsito.

O estar perto de tudo e o costume com a barulheira já estão enraizados no cotidiano do publicitário Edson Cavalli Gonçalves, de 34 anos, ele não fala mal de onde mora há 14 anos, mas não omite que tem vezes que é difícil sair com o carro da garagem.

“Você vai a pé pra fazer qualquer serviço de rua, mas o trânsito... No horário de pico, entre 5h e 7h da noite não se sai da garagem”.

Ele não disse, mas deve ter sono pesado, porque a mãe acorda todo final de semana quando os jovens saem das boates ali próximas, por volta das 4h da manhã.

Se Campo Grande já está como São Paulo e a avenida Afonso Pena como a Paulista, ele nega. “Ainda não. Aqui não tem congestionamento, eu até brinco que um campo-grandense nunca ia conseguir dirigir no trânsito de São Paulo.

Ainda flui normal, comparado às grandes cidades”, observa. No entanto ele encerra a conversa desejando que o antigamente voltasse aos dias de hoje. “Era bom com menos barulho”.

Se mudar está nos planos, mas longe de ser pelo barulho. Dr. Leal só troca de apartamento se ficar na avenida.
Se mudar está nos planos, mas longe de ser pelo barulho. Dr. Leal só troca de apartamento se ficar na avenida.

Aos 86 anos, o advogado Francisco Leal de Queiroz vive um dilema. Morador desde 1985 na avenida agora cogita se mudar para um apartamento menor. “O apartamento é muito grande para nós, a idade vem chegando, mas se for mudar é para um outro aqui mesmo. Esse ar que se respira aqui tem outro sabor”.

A mudança dele, mesmo sendo idoso, não está baseada no tumulto que avenida virou. O barulho para ele é superado pela paixão de morar ali. “Se você pegar 25 anos atrás e hoje, de que morar na Afonso Pena é para quem tem condições financeiras, antes não era nada disso. A avenida tem tradição e também muita história pra contar. Ela é a cara do campo-grandense. Você estando nela, parece estar em casa”.

A verdadeira transformação de condições é sentida, vista e ouvida principalmente por quem habita na área nobre da cidade. A mais valorizada é também onde se concentra a muvuca de final de semana e faz qualquer morador se arrepender de escolher os altos da Afonso Pena para ter casa.

Se quem mora na região central sentia os efeitos de um trânsito caótico em horários de pico, mal sabe o que é não ter como sair de casa. Quem ainda tem essa alternativa, por morar mais perto do Parque dos Poderes, tem o luxo de uma única saída que representa uma volta imensa. Entrar e sair pelo parque.

O incômodo de Felipe ultrapassa os limites de som alto e esbarra no desrespeito aos animais.
O incômodo de Felipe ultrapassa os limites de som alto e esbarra no desrespeito aos animais.

Morador há seis anos no local, o fotógrafo Felipe Pellegrini, de 38 anos, confirma o incômodo. “Quando fica crítico o caminho é entrar lá e seguir pela Mato Grosso”. Mas o que mais choca ele e a esposa é a velocidade aliada a falta de responsabilidade.

Eles já testemunharam a morte de uma capivara atropelada por um veículo que disputava racha. Realidade bem distante do que queria o casal ao escolher a avenida como endereço residencial. “As pessoas não sabem do ecossistema ou não se importam e fazem o que querem fazer. Mas, no geral, é um local muito aprazível de viver. Tem natureza, paisagem e água de coco que não tem em outro lugar”, considera.

Para ele a baderna principal se restringe aos feriados e domingos. Dias que se contrapõem com a beleza de quem tem a vista mais bonita da cidade. Ao abrir a janela, eles se deparam com o Parque das Nações Indígenas. “Acho que morar na Afonso Pena é sonho ainda. Só um dia que tem bagunça e seria muito egoísmo querer manter a avenida só para quem mora aqui”.

O sonho de morar bem e com tranquilidade vira transtorno todos os domingos para Paula.
O sonho de morar bem e com tranquilidade vira transtorno todos os domingos para Paula.

Há quase uma década a casa nos altos da via foi uma boa escolha para a advogada Paula Tavares de Godoy Ferrucci, 35 anos. Recém-casada, ela veio morar no condomínio fechado por ser um lugar bonito, tranquilo, seguro e em fase de crescimento na época.

Os sonhos da moradia perfeita na área mais do que valorizada vieram por água abaixo há pelo menos seis anos. A palavra que define hoje o que é morar na Afonso Pena mudou para “transtorno”.

“Um absurdo a baderna que fazem no domingo e sem fiscalização nenhuma. Eles trancam a avenida e às vezes eu tenho que dar a maior volta pra conseguir sair, se tiver uma emergência com meu filho, estou frita, não tem nem como passar. Você demora 40 minutos para andar 300 metros”, descreve.

Paula explica que os panfletos de festas entregues na via, adesivagem e o próprio hábito de ouvir som e tomar mais do que tereré aos domingos na avenida tumultuam na hora e até o próximo dia.

“Depois amanhece uma imundice no que é o cartão postal da cidade. Tem papel no chão, copo e lata de cerveja e as marcas de cavalinho de pau. No domingo, eu escuto daqui da minha casa o som alto, tem carro parado até na garagem, que não dá pra sair de casa”, relata.

O que era chique vira caos de uma hora para outra e não é nada passageiro. Em média a aglomeração ali nos altos começa às 16h e só termina depois da meia-noite. “Não parece uma Capital, a avenida é boa para morar, mas a população tem que valorizar o patrimônio e às belezas”, finaliza.

É, ter o endereço fixo na Afonso Pena já teve seus dias melhores. Hoje o status virou reclamação de quem não permitiu e muito menos quis ver a casa dos sonhos afetada pelos avanços da cidade grande.

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