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Comportamento

Um sinal fechado e o reencontro emocionado com um ex-aluno

Lenilde Ramos | 28/06/2015 07:56
Minha primeira sala de aula no São Julião, 1971. Adolfo é o menino da direita. Gosto do Brasil ao contrário porque estava mesmo. Época de ditadura braba.
Minha primeira sala de aula no São Julião, 1971. Adolfo é o menino da direita. Gosto do Brasil ao contrário porque estava mesmo. Época de ditadura braba.

Ir a Cuiabá sempre significou alegria, passeios e amigos mas, uma vez foi diferente e essa história aconteceu no São Julião, por volta de 1971, quando comecei como professora.

Os alunos eram de todas as idades e procedências. Para os idosos, a escola era um passatempo divertido e para os jovens com esperança de cura, era a perspectiva de um futuro.

Uma vez chegou ali um menino chamado Adolfo, vindo do Nortão de Mato Grosso que, apesar da pouca idade, estava coberto de chagas. Quando melhorou um pouco foi liberado para frequentar a escola e revelou-se uma esperteza só.

O fim do ano chegou com a fartura das mangas e Adolfo começou a chupar manga de toda qualidade. Vivia sentado embaixo das mangueiras juntando montes de caroço. As enfermeiras se preocupavam, mas Dr. Gunter Hans, outra figura genial daquela época, dizia que as mangas o ajudariam a depurar o sangue.

O São Julião era um porto seguro para almas e corpos castigados pela hanseníase. Ali os pacientes encontravam tratamento, dignidade, boa alimentação, faziam amizades, aprendiam novos ofícios e ousavam sonhar com um futuro.

Alguns até procuravam desculpas para continuar internados, mas com a cura, tinham que enfrentar a realidade da vida. E foi assim com Adolfo.

Uma vez em Cuiabá, eu saía de um restaurante na Avenida do CPA e ao chegar no carro, um rapaz se aproximou para pegar seus trocados. Levei um susto... era Adolfo!

Nos abraçamos emocionados e ali, no meio da noite, eu tentava saber como ele estava, onde morava, como estava se virando...

Os amigos queriam ir embora e eu ali, hipnotizada de emoção, até que nos demos mais um abraço e parti, deixando Adolfo ali na madrugada de sua nova vida. Fui embora com o coração apertado.

Parecia aquela música do Paulinho da Viola: “Olá, como vai... Eu vou indo e, você, tudo bem... Me perdoe a pressa... Quanto tempo, pois é, quanto tempo... Eu procuro você... vai abrir... Por favor, não esqueça, não esqueça...

*Lenilde Ramos é sanfoneira e craque em contar histórias sobre a vida e Mato Grosso do Sul, autora do livro "História sem Nome".

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