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Comportamento

Uma vida na arte e com a ajuda de 3 mães, 2 delas que já viraram despedida

Lenilde Ramos | 04/09/2016 07:25
O último adeus foi para Glorinha Sá Rosa.
O último adeus foi para Glorinha Sá Rosa.

A tarde estava quente quando meu pai me pegou pela mão e entrou por uma das ruas daquela cidade em miniatura. Caminhava devagar, olhando casas pequeninas que pareciam de brinquedo: umas de mármore, outras caiadas, com portas, janelinhas, retratos, nomes, datas, anjos, flores vivas, de plástico, velas derretidas, paredes desbotadas ou cheias de mato, mas todas com uma cruz.

Era a primeira vez que eu entrava num lugar daquele e meu pai estava ali para desvendar o mistério do qual tentava escapar há dois anos. Paramos em frente a uma casinha pintada de azul e ali vi o retrato de minha mãe. Foi tudo silencioso e respirei fundo. O que não conseguia ouvir, naquele momento consegui ver claramente. Saímos, meu pai foi a uma loja, me comprou uma boneca e me levou pra tomar sorvete no Torino. 

Mais de meio século depois, a tarde estava quente quando entramos no mesmo lugar, levando o corpo de minha "mãe cultural" para o jazigo de sua família. Com ele, caminhou incansável, compartilhando energia, animando mentes e talentos e incentivando a arte de gerações. Naquele lugar de retorno ao pó, eu senti o espírito de Glorinha Sá Rosa vivo em cada um de nós.

Quem estava ali do meu lado era a freira que me abraçou quando minha mãe partiu e que zelou por mim a vida toda. Ela também se despedia da amiga forte e empreendedora.

O calor e o cansaço fizeram com que quebrasse o protocolo na maior naturalidade, como sempre faz e, sem cerimônia, sentou-se num daqueles túmulos. Num certo momento, apenas nos olhamos e entendi. Fui até ela, nos demos as mãos e saímos devagar passando perto da pequena casa, onde há tanto tempo, meu pai revelou sua verdade sem dizer uma palavra.

Eu não quis parar, porque para nós, o tempo ainda é de caminhar, trabalhar, plantar, colher e de viver neste mundo. Aquele foi um dia de lembrar com carinho a mãe que me gerou, de reverenciar a mãe que me fez cantar e escrever e honrar a mãe que, até hoje, me ensina a viver pelo que vale a pena viver. Sou feliz pelas mães que tenho!

*Lenilde Ramos é cantora, compositora, instrumentista, escritora e colaboradora do Lado B

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