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Comportamento

Você sabe o que um negro escuta em Campo Grande só por causa da cor da pele?

Adriano Fernandes | 20/11/2015 06:12
Você sabe o que um negro escuta em Campo Grande só por causa da cor da pele?

Quando mais a gente reza, mas o ser humano mostra que precisa ouvir exaustivamente o mesmo assunto. O racismo é um desses temas, não sai da pauta, mesmo com tantos debates e com os linchamentos virtuais a cada episódio como o que envolveu a atriz Taís Araújo.

Só este ano, em uma pesquisa rápida pelas notícias publicadas pelo Campo Grande News, encontramos casos de pessoas chamadas de “macaco” ou que ouviram coisas do tipo “preto na rua é ladrão”, "macaco preto safado volta pra África mano", "tem que morrer queimado seu preto lixo", "macaca, vagabunda, preta safada".

Teve médico que ouviu no posto de saúde: "Eu não quero explicações seu preto nojento". E vendedora de loja que procurou a polícia depois de um cliente dizer: "Não quero que você me atenda não, pretinha. Sabia que você não deveria estar aqui? Você deveria estar na senzala porque lugar de preto é na senzala".

Hoje, no Dia da Consciência Negra, a gente não fala para o racista convicto, porque esse tipo não aprende fácil.

Os depoimentos a seguir são dedicados a qualquer um que olha torto para o cabelo "ruim" dentro do ônibus ou fica perturbado ao ver o casal "café com leite" na fila do supermercado. É para quem acha justo recomendar a chance de uma guinada financeira na Europa à amiga mulata ou aos pais que corrigem o filho dizendo: "Não chama de negro que ele não gosta, é moreno". 

Perguntamos a alguns negros em Campo Grande, de diferentes idades e classes sociais, o que ele ainda ouvem pelas ruas por causa da cor da pele. Os relatos mostram que, em cada um, esse tipo de agressão ao longo da vida forjou personalidades distintas. Há quem assumiu a causa como bandeira e até os que prefere seguir adiante de cabeça baixa.

Você sabe o que um negro escuta em Campo Grande só por causa da cor da pele?

Polyana Kamila, de 23 anos, estudante de Farmácia.

Ouvi e ouço comentários do tipo : Você passou em 8 federais? Mas foi por cota néh ? (não, não foi). Seu cabelo é impermeável, nem molha! Porque você não alisa o cabelo? Eu não sou racista, sempre tive amigos negros! Me apresenta um negão da sua família, quero saber se é bem dotado mesmo! Você sabe sambar né? Tem que honrar a raça! Negro tem mania de perseguição! Na sua família tem branco? Serviço de nego mesmo! Você não é tão negra, fulano é bem mais escuro que você! Você lava o cabelo 1 vez por semana? Até que seu cabelo não é tão ruim, e macio! Já pensou em ir pra Europa, os gringos adoram as mulatas!

A primeira agressão verbal que me lembro foi no 6º ano do Ensino Fundamental, quando um garoto da minha sala me chamou de neguinha. No ano passado, em setembro, uma moça que dividia apartamento comigo disse que "cota é pra justificar a inferioridade intelectual que os negros têm".

Já ouvi por várias vezes: "Sua mãe usa seu cabelo pra lavar a louça?" "O que você esconde nesse cabelo?"

No dia-a-dia sempre perguntam: "Entrou na universidade por cota e o que pensa sobre?". Não discuto. Durante a vida ouvi que "negros não têm oportunidades, são raros os que conseguem ser bem-sucedidos e ter formação superior". Ouvi de familiares e amigos negros mais velhos, em reuniões e encontros familiares.

Depois que passei a morar em Campo Grande o racismo se fez mais presente. As pessoas me olham de lado, se mantêm distantes, no ônibus urbano várias evitam contato ou sentar ao lado. São tantas coisas ao longo da vida que acabo por esquecer a maioria... Sentimento ruim se joga fora.

Você sabe o que um negro escuta em Campo Grande só por causa da cor da pele?

 

Cláudia Nogueira, 23 anos, estudante de Serviço Social

O que mais ouço é quanto ao meu cabelo. No serviço, muitos questionavam sobre como eu fazia para que ele ficasse todo pra cima (se eu penteava). Em um dos locais que fiz estágio, uma criança entre 9 ou 10 anos perguntou porque ele era assim, por inocência, achando que todos nós nascemos com cabelo liso.

Durante o período escolar, os apelidos foram inúmeros: cabelo de Bombril, microfone.... Penso que a cor da pele não é o maior questionamento e sim o estilo

Sobre cotas, já ouvi falarem muito mal, alegando que o negro mesmo faz seu pré-conceito por aceitar condições como essa na hora de ingressar na faculdade.

E difícil aceitar essa opinião, mas sei que a sociedade nos deve isso sim. Vivemos uma descriminação disfarçada, onde só quem e negro percebe. Mesmo diante das cotas, ainda e difícil ver negros na sala de aulas nas faculdades.

Sou negra, cotista 100% e vou me formar ainda este ano.

Você sabe o que um negro escuta em Campo Grande só por causa da cor da pele?

 

Luis Carlos Ribeiro, advogado de 47 anos

Tenho 3 faculdades, sempre sofri preconceito por ser negro, foi o preço por estudar em uma universidade católica e predominantemente branca. Pensava comigo: Você tem muito que aprender muito da vida meu irmão, em relação a quem era preconceituoso.

O racismo é um problema cultural. O preconceito em relação a cor é diário. De manhã, à tarde e à noite. A punição deve ser severa. 

É melanina. Só isso. Se amanhã ou depois você estiver com uma enfermidade, você vai deixar de receber o meu sangue só por eu ser negro? Não tem diferença!

A solução para não levar as ofensas para o lado pessoal é ter jogo de cintura, desmistificar a cultura de que o negro é inferior.

Raul Seixas já dizia: tem que ter cultura pra cuspir na estrutura. Então meu amigo, se você tem cultura, educação, você não discrimina. Você abraça o outro, independente de quem seja, chama de irmão, percebe que todos temos que caminhar junto e não discriminar. Tudo depende da educação.

Você sabe o que um negro escuta em Campo Grande só por causa da cor da pele?

 

Nilson Abadio Martins, de 37 anos, é trabalhador rural

Prefiro ignorar os comentários em relação a minha cor. O preconceito ainda existe e é direcionado principalmente por eu ser humilde, trabalhar no campo, por ser pobre.

Falam que estamos por aqui porque tomamos essa terra de alguém. Que somos impostores. Mas nem dou ouvidos.

Sempre respondo ignorando, não agredindo, porque a violência só gera a violência.

Tem de ser igual ao jogador Daniel Alves, que em um jogo, depois que jogaram uma banana no campo e o chamaram de macaco, ele comeu.

Vinicius
Vinicius

 

Vinícius dos Santos da Silva tem 15 anos 

Sou estudante do 9º ano do Ensino Fundamental. Na escola, me chamam de filho do Obama, já comentaram sobre meu cabelo...

Outro dia, no ônibus, uma menina disse que onde eu moro só tem macumbeiro e umbanda.

Moro na comunidade Tia Eva e nem sei o que é umbanda ou tive qualquer contato com “macumbeiros”.  

Talvez por inocência, não levo para o lado pessoal, prefiro levar tudo na brincadeira.

Meu sonho é se formar em Engenharia Civil. Por isso, só quero continuar estudando para alcançar o meu maior objetivo nessa vida.

Você sabe o que um negro escuta em Campo Grande só por causa da cor da pele?

 

Beatriz Arruda de 22 anos, estudante de Jornalismo

Há alguns dias, num domingo, quando voltava de ônibus pra casa do Parque das Nações, ao descer um senhor que também estava nele aproveitou para gritar e apontar com o dedo: "Como você tem coragem de sair na rua assim?" Fiquei com vergonha e raiva na hora. Pensei em me calar, mas em seguida disse pra ele cuidar do cabelo dele, ao invés do meu.

Uma vez, um velhinho bêbado passou por mim perguntando se meu cabelo era peruca ou não e, por mais que eu dissesse que não, ele insistia que sim. Uma senhora no ponto de ônibus também já me perguntou se era peruca.

Depois que assumi o cabelo black power, nunca mais tive "sorte" em entrevistas de emprego. Já ouvi piadas racistas de amigos, que justificavam com sendo apenas “piada”. Eu ria sem graça, concordando.

Dos comentários mais ofensivos, acho alguns do tipo: “Nego quando não caga na entrada, caga na saída" ou "Tinha que ser preto"

Hoje eu participo de movimentos sociais que tratam do racismo e feminismo.

Cleidevania
Cleidevania

 

Cleidivania Chagas de 40 anos, diretora de Ceinf

Se uma criança cresce num ambiente familiar saudável, instruída sobre as questões de igualdade, ela não vai reproduzir o racismo na escola ou em sala de aula.

É uma ferida na sociedade brasileira, mas hoje em dia se manifesta em menor proporção. Isso graças as lutas dos próprios movimentos de negros.

As cotas, por exemplo, são um mal necessário pra compensar a desigualdade em relação aos negros.

Ajudaram no desenvolvimento cultural e social do País, mas ficaram a margem.

Se essa desigualdade não foi compensada com o passar do tempo, tem de ser adotadas políticas compensatórias como está.

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