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Comportamento

Antes no asilo, do que mal acompanhado

Ângela Kempfer | 03/10/2011 10:10
Edméia, de branco, leva "hóspede" ao espaço ecumênico.
Edméia, de branco, leva "hóspede" ao espaço ecumênico.

A ideia de acabar em uma casa de repouso assusta até quem mal chegou aos 40, mas na Associação dos Amigos da Casa de Abraão, em Campo Grande, uma conversa mostra que a vida pode ser boa, mesmo longe da família.

Muito bem vestida, de óculos escuros modernos e com unhas impecáveis, dona Judite Dias esbanja bom humor aos 87 anos. “Antes morava com Deus, sem contar Nossa Senhora e o menino Jesus. Agora minha família é essa aqui”, comenta.

Na vida nova, a cada 15 dias Judite vai ao salão de beleza, cuidado que julga essencial. “Gosto de tudo assim, arrumado. Aqui, por exemplo, na hora que você chegar vai estar assim, limpinho”, compara. Sobre a família, ela se cala, emocionada. “Não quero falar sobre isso”. Passa para outro assunto, sobre a roupa sempre bem passada e resume. “De ilusão também se vive”.

Nos arquivos da casa, a felicidade das pequenas coisas está em fotos. Depois de conhecer o circo, o museu, passear de trenzinho, fazer city tur pela cidade, dançar no Centro de Convivência Vovó Ziza, em setembro o grupo foi ao parque de diversões, a primeira vez para a maioria.

Com a cabeça completamente branca aos 84 anos, os olhos de Jacinta brilham só de lembrar da experiência. “Tô até rouca, nunca ri tanto na minha vida”.

Agora ela espera que o próximo passeio seja na feira das Moreninhas. “Não fomos na semana passada porque choveu”, justifica.

Felicidade de Iraídes em nopite no parque de diversões.
Felicidade de Iraídes em nopite no parque de diversões.

O espaço sem fins lucrativos, na rua Albert Sabin, tem vagas apenas para 20 pessoas, talvez por isso seja tão bem cuidado. A administradora, Edméia Couto, diz que não é só isso. “É carinho mesmo. Aqui a gente faz tudo como se fosse na nossa casa”.

A senhora agitada, de riso fácil, tomou para si a função depois que a filha Ana Laura resolveu “adotar” 17 velhinhos que ficaram sem teto após o fechamento de um outro asilo, por falta de condições estruturais.

Mesmo evangélica, ela fez uma parceria com o centro espírita Casa de Abraão que cedeu o terreno para a instalação e também conseguiu convênio com a prefeitura.

Os primeiro ano foi complicado, lembra Edméia, “pensamos em fechar”, mas então veio o apoio da prefeitura e o espaço vingou.

No período da tarde, durante a visita do Lado B, enquanto alguns assistiam DVD de Paula Fernandes, outros jogavam sinuca, alguns conversavam e a carinhosa Iraídes namorava. Há 2 anos ela conheceu Jorge e de lá para cá os dois nunca mais se desgrudaram.

Orgulhoso, ele mostra roupinhas de boneca costuradas a mão por ela. “Já casamos, é o meu amor”, se declara.

Iraídes tem problemas mentais, é deficiente auditiva e também não fala, mas adora demonstrar carinho. Vive ao lado do “marido”, mas cada um dorme em uma ala da casa.

Nos pés da cama dela, uma boneca muito bem arrumada, é a filha do casal. Na parede, a foto dos dois no dia do casamento, realizado em uma das festas juninas da instituição.

É assim em todos os quartos. Quem não tem foto com a família, aparece ao lado de um dos funcionários. “Sozinho? Aqui não tem disso não. Aqui somos uma família”, explica a diretora. A decoração com o toque pessoal tem o radinho, o crochê, os bibelôs.

“A casa respeita todas as regras estabelecidas para tratamento de idosos. Tem gente que está aqui por opção. Vemos casos de famílias que só ficam com o idoso para ter acesso ao benefício (INSS), são negligentes. Melhor estar aqui”, comenta a assistente social Leslye Ledesma.

Tarde na Associação de Amigos da Casa de Abraão.
Tarde na Associação de Amigos da Casa de Abraão.

Devoção - As histórias são contadas sob os olhares de funcionários, todos sorridentes. Com a idade de cada um na ponta da língua, os atendentes parecem ser um dos segredos da qualidade de vida no lugar, que tem sala de fisioterapia, sessões de caminhada e até espaço ecumênico. “Eles são muito atenciosos, meus amigos”, reforça Judite.

“Aqui o que vale é o aconchego, é a devoção. Quem não gosta de trabalhar, não fica, não consegue”, garante Edméia.

Paulo, funcionário há 5 anos, é um deles. Sorri ao lembrar de cada episódio vivido com os idosos. Sobre a morte, ele diz tranqüilo. “Ninguém pensa nessas bobagens aqui”.

A diferença em relação a outros lugares é confirmada pela transformação de dois hóspedes.

Odir tinha com barba e cabelo compridos. Sem falar em qual asilo estava antes, conta apenas que se revoltou quando rasparam a cabeça dele. “Fiquei bravo, com razão. Eu disse que era velho sim, mas tinha direitos. Gostava do meu cabelo”.

Rebelde, foi transferido para a Associação e hoje, sentado em uma cadeira de rodas, parece um dos mais simpáticos do lugar. “Virou um anjo”, brinca Edméia.

Na casa, a maioria não recebe a visita de ninguém da família. Outros têm grau de dependência tão grande que os filhos resolveram pela internação.

Mas há o caso de dona Romalina, que tem sempre a presença da irmã Nadir. Ela chegou depois de perder a vontade de viver. “Chorei muito antes de decidir pela internação, mas fui convencida de que não tinha outra solução. Ela ia morrer”, conta a irmã.

Sem se alimentar, ela estava muito debilitada, mas na tarde de sexta-feira parecia mais animada, comendo com auxílio de um dos funcionários. “Digo sempre que eles são anjos de Deus”.

A direção lembra que a presença com visitas e o carinho são o melhor tipo de doação que alguém pode fazer à Casa. “Pode vir quando quiser”, convida Edméia.

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