ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, QUINTA  28    CAMPO GRANDE 29º

Comportamento

Casa dos Aviamentos vai fechar, com coleção de histórias do Carnaval para contar

Ângela Kempfer | 15/08/2012 16:09
Loja completa 39 anos na rua 13 de Maio. (Fotos Rodrigo Pazinato)
Loja completa 39 anos na rua 13 de Maio. (Fotos Rodrigo Pazinato)
Cléo mostra potes de vidros de mais de 30 anos, carregados de miçangas.
Cléo mostra potes de vidros de mais de 30 anos, carregados de miçangas.

No Carnaval, uma corrente ficava preparada na fachada para interditar a loja quando a multidão de clientes lotava o espaço. Era tanto trabalho na Casa dos Aviamentos, que os funcionários tinham de passar a madrugada produzindo, por exemplo, os pompons para tipos variados de fantasias.

Alguns lugares entram para a história, mesmo sem querer, e deixam certa tristeza na cidade quando anunciam o fechamento. Para quem tem mais de 30, esse é a sensação sobre a Casa dos Aviamentos, já há 39 anos na rua 13 de Maio.

A empresa já não renova o estoque desde setembro do ano passado e a ideia é entregar o prédio até fevereiro do próximo ano, ironicamente, o mês do Carnaval.

No outro lado do balcão, a proprietária Cleonira de Souza, ou somente Cléo, recebe a cliente um pouco desanimada. Mas é só embalar na conversa para os olhos e as histórias começarem a brilhar, com direito a fotos de tempos de glória.

Todos os anos, era na Casa dos Aviamentos que o Carnaval iniciava em Campo Grande. A música tocava direto, com centenas de clientes escolhendo pedrarias, plumas, tecidos brilhosos e acessórios para a festa pela cidade.

“No Rádio Clube, o Carnaval começava 4 meses antes, com bailinhos. Depois, nos dias mesmo, tinha concurso de fantasia e isso aqui lotava de gente querendo comprar alguma coisa para concorrer. Famílias inteiras compravam”, conta Cléo.

Casa dos Aviamentos começou pequena.
Casa dos Aviamentos começou pequena.
Depois virou referência em Campo Grande.
Depois virou referência em Campo Grande.

As compras dos produtos, ela mesma fazia em São Paulo. Uma diversão que rendia o sustento dos 3 filhos. “Criei eles aqui, onde sempre foi a nossa residência. Cheguei até a construir uma piscina para brincarem, enquanto a gente trabalhava”.

Na hora, ela lembra de uma foto, procura na pasta de documentos e encontra a imagem de uma criança, em frente à porta da loja.

“Fiquei por muitos anos procurando esse menino, queria saber como ele estava, por causa dessa foto. Esses dias, no final da tarde, um homem entrou, tirou o boné e apareceu aquela cabeleira grisalha. Ele pediu para trocar o botão de uma calça e perguntou se eu lembrava dele. Abracei o rapaz e chorei, era o menino da foto”.

Era assim que as coisas funcionavam naquele tempo de cidade pequena. Todos ali no Centro se conheciam e se divertiam na lida cotidiana. “Aqui em frente ficava a sede do Operário. Era uma festa. Conheci o Manga (goleiro) nesse tempo”, conta.

Cléo trocou de marido, mas a loja continuou firme e forte, até a folia perder o glamour. “Lembro que o último Carnaval de movimento foi o da época do grupo “É o Tchan”. Vendi um monte de roupas da Carla Perez”.

As escolas de samba, que costumavam comprar material na loja, passaram a ter a comodidade de ir e vir de São Paulo no mesmo dia, em ônibus de turismo. "Isso também prejudicou bastante", avalia.

Foto na fachada da loja lotada. Clientes olham para a esquina, onde ocorreu uma acidente.
Foto na fachada da loja lotada. Clientes olham para a esquina, onde ocorreu uma acidente.

Lá se vão quase 15 anos. Hoje, quem entra quer apenas colocar crédito de parquímetro ou comprar lã e linha de bordar.

Nas prateleiras, há produtos que já completam 30 anos, diz Cléo ao mostrar dezenas de potes de vidro com miçangas. Em uma caixa, as centenas são de botões de madrepérola, “legítimos”, garante a proprietária.

Fitas com elástico para as melindrosas usarem na testa e na perna estão ainda em rolos, empoeiradas. “São tão velhas que acho que eu tenho mais elasticidade que elas”, brinca a senhora de 65 anos.

Cléo diz que, se bobear, há vestígios até da mãe que morreu há 30 anos. Dona Dolores era responsável por bordar cartolas com lantejoulas.

Agora como a loja fica a maior parte do tempo sem clientes, Cléo improvisou até uma cama dentro de um dos balcões. “É engradado. Os clientes perguntam alguma coisa e quando eu respondo ninguém sabe de onde vem o som”, solta a gargalhada.

No rosto da paulista que desde os 25 anos vive em Campo Grande, não há sinais de desgosto ou indignação. Sobram elogios ao dono do imóvel, que “nunca reclamou de qualquer mudança no prédio”. A loja começou em 2 cômodos, depois dobrou de tamanho e novamente cresceu para o imóvel ao lado, até que começou a diminuir novamente.

Os comentários sobre a concorrência moderna também são carregados de nostalgia. “O menino que é dono do Bazar São Gonçalo vinha aqui quando era criança”, conta sobre a loja que atualmente é referência em fantasias e aviamentos em Campo Grande.

Agora ela só quer vender o que ainda pode do estoque e entregar o prédio, mas promete ao Lado B que não vai fechar antes de um bota fora no Carnaval de 2013 com uma super liquidação.

A vizinha concorrente, a loja de aviamentos Cerejeira, também na 13 de Maio, fechou as portas este mês e deixou a lembrança em uma faixa: “Em agradecimento pelos 44 anos de trabalho...”

Loja Cerejeira já fechou as portas, depois de 44 anos na 13 de Maio.
Loja Cerejeira já fechou as portas, depois de 44 anos na 13 de Maio.
Nos siga no Google Notícias