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Comportamento

Com fila para operação espírita de redução de estômago, Centro é acusado de curandeirismo

Ângela Kempfer | 08/09/2011 10:00
Fotos: João Garrigó
Fotos: João Garrigó

Uma multidão de quase 6 mil pessoas de terça a sexta movimenta o Centro Espírita Emmanuel, no bairro São Francisco, e há anos é rotina na rua dos Ferroviários, assim como os ataques ao local que é conhecido por fazer cirurgias espirituais, de retirada de tumores até a inédita redução de estômago.

As filas e a crença sobre a cura que vem do céu renderam uma pichação que há 3 meses está na fachada do prédio, mas que não parece incomodar. “Curandeirismo”, ataca a frase em azul.

O muro não foi pintado de branco novamente e nem deve ser, garante o presidente do Centro, Elias Galdino Gomes. “Hoje eles estão pichando e amanhã podem estar aqui dentro, precisando de apoio espiritual. Isso não incomoda em nada”, diz o homem baixinho que criou o local em 97, depois de desentendimento com direção do Centro André Luis, que também faz esse tipo de operação em Campo Grande. "Mas somos os únicos no mundo que fazemos a redução de estômago", lembra o presidente.

Nos últimos anos os planos cresceram e a ideia agora é construir um hospital no terreno em frente, para que o paciente fique durante a recuperação. A área custa R$ 396 mil, R$ 100 mil já foram pagos, graças a almoços promovidos e doações, “mas o terreno já é nosso e vamos começar a construir um asilo, para os médiuns de idade avançada, uma casa de repouso para eles”, detalha o Elias.

A aparente tranquilidade sobre os projetos, apesar dos ataques, tem como lógica a ideia de que o preconceito acaba de acordo com as necessidades humanas, explica Elias e começa a ser entendida depois de algumas entrevistas com pessoas a espera de senha para o atendimento individual. Todos os escolhidos pelo Lado B, aleatoriamente para conversa, são de outras religiões e procuraram o centro na hora do desespero.

“Sou evangélica, mas sentia muitas dores, nem médico deu jeito”, justifica a dona de casa Lindinalva Neres, de 60 anos, que passou pela intervenção espiritual para reverter o Fogo Selvagem, mas diz ainda não ter visto todos os resultados que esperava. "Mas ainda estou em tratamento, vou ficar boa, pelo menos agora fico em pé".

A vendedora MIlta Ajalla, de 47 anos, conta a mesma história, mas com resultados imediatos. “Eu tinha hemorróidas. Você nem imagina a dor que isso significa é de matar. Uma amiga conseguiu a cura par ao filho aqui e eu resolvi vir também e deu certo, não sinto mais nadinha, há muito tempo”.

Fila para entrar em salão principal do Centro.
Fila para entrar em salão principal do Centro.

No ambiente, com quase 500 médiuns usando roupas brancas e andando entre os 3 galpões maiores, as pessoas comuns se movimentam apressadas e ganham outro semblante ao sentarem em uma das centenas de cadeiras a espera do passe, antes da entrevista para o agendamento da cirurgia espiritual. Na primeira fila, muitos senhores e senhoras de idade avançada esperam em cadeiras de rodas ou com muletas.

Do lado de fora, o grupo que recentemente passou pela operação enche garrafas no bebedouro para tomar durante o tratamento espiritual, que dura meses. São 548 garrafas, a maioria de 2 litros, colocadas lado a lado, para que sejam magnetizadas pelos espíritos e a água fique fluidificada.

Na sala de cirurgias, com luzes azuis, 4 médiuns sentam em cada um dos extremos de uma mesa retangular, são os "ponteiros, e durante todo o trabalho no Centro fazem orações para que os espíritos acertem nos diagnósticos e nas operações. “Nem os espíritos são infalíveis, mas como são médicos de patamares superiores, a chance de errar é muito menor”, defende Carlos de Carvalho, de 61 anos, ao reforçar que as operações são feitas por espíritos que assumem o corpo de médiuns durante as operações.

Todo o processo começa na terça-feira. Já no portão principal, a primeira fila é para a entrevista. Ao chegar, uma das atendentes explica que o entrevistador irá perguntar qual o problema, se é financeiro ou de saúde. Pergunto se o Centro também resolve questões financeiras e a mulher responde com serenidade: “ajuda”.

Depois, todos vão para o salão grande do Centro e a multidão se divide entre os ainda a serem entrevistados e os já em tratamento. Sento junto aos que terão a cirurgia marcada. Do meu lado direito, a jovem Lídia, de 21 anos, diz que resolveu procurar ajuda não por motivos de saúde, mas porque vê coisas. “Vejo e sinto coisas, vultos, por exemplo. Morro de medo. Começou depois que meu avô morreu”.

Do lado esquerdo a história é mais surpreendente, quase engraçada. A mãe procura a cirurgia espiritual de adenóide para o filho de 9 anos, porque tem medo da rede pública de saúde. “Com tanta notícia de infecção, erro médico, essas coisas que acontecem nos hospitais, prefiro apostar nos espíritos mesmo, confio mais”, avalia Jaqueline Nunes, de 31 anos.

Ela diz ser católica, mas conta que aos 14 anos sofria de renite alérgica e só colocou fim ao tormento depois da intervenção espiritual. "Minha mãe me trouxe e nunca mais tive o problema".

Os médiuns entram no galpão e uma a um se posicionam em frente as pessoas e com as mãos em movimentos rápidos fazem o “passe”, gestos que parecem aos leigos uma tentativa de energização.

Momento do passe, que antecede entrevista para operação.
Momento do passe, que antecede entrevista para operação.

O passo seguinte é ir até o médium que faz as entrevistas, são 18. A fila anda e fico em frente a um jovem, claro, de cabelos lisos, que nunca olha diretamente para o entrevistado. Ele segura meus dois pulsos e faz a pergunta clássica: “Qual o problema”.

Digo que estou acima do peso e logo ele se volta a uma auxiliar e indica a redução de estômago. Antes de se despedir lembra que o tratamento exige disciplina e 15 dias apenas tomando água de coco, sem nenhum alimento sólido.

Ao sair, encontro com Rosângela, enfermeira que passou pela operação e diz ter emagrecido 6 quilos. “Mas precisa seguir certinho, manter repouso de 3 dias depois da cirurgia, não dá nem para tomar banho”.

Questiono se a água de coco, por si só já não obriga o emagrecimento e ela argumenta: "É que a cirurgia faz com que você não sinta fome".

Quase no portão, uma senhora se aproxima e diz: "Aqui só se cura quem tem o coração bom, quem não tem muita dívida. Se tiver muito que pagar, não tem espírito que salve".

As cirurgias são marcadas para sexta-feira, 400 por dia. Na saída, pessoas deixam o local de cadeiras de rodas, algumas com curativos aparentes, mas não há sangue, diz o presidente Elias. "Os curativos são com álcool, algodão e esparadrapo, mas não há sangue, é só para preservar aquele local e também um pouco simbólico".

Sobre o perigo de uma promessa de cura a pacientes com doenças graves, ele argumenta. "Não somos irresponsáveis, orientamos que o tratamento aqui é só uma alternativa e vale desde que tenha também o lado dos médicos convencionais, respeitamos isso. Muita gente procura já desenganada e pelo menos damos mais uma chance".

Paciente deixa garrafa com água, para tomar durante o tratamento.
Paciente deixa garrafa com água, para tomar durante o tratamento.
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