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Comportamento

Crianças aprendem cedo a consumir pirataria nas ruas de Campo Grande

Ângela Kempfer | 14/09/2011 11:30
Carro estacionado na Ceará vende pirataria para criança. (Foto: Simão Nogueira)
Carro estacionado na Ceará vende pirataria para criança. (Foto: Simão Nogueira)

Com a filha de 3 anos, a mãe entra na banca de CDs e DVDs piratas localizada na rua de acesso à Feira Central de Campo Grande. Sem apresentações, começo a observar o que as duas buscam.

A menina percorre as dezenas de capinhas com cópias de filmes clássicos da Disney, mas na fileira ao lado tem uma surpresa ao ver a “Escola de Princesas”. Pasma, a mãe comenta: “A gente vai toda a semana na locadora ver se encontra esse lançamento, mas chegou aqui primeiro”, sorri.

A garotinha abraça o mais novo filme da Barbie, escolhe outros 2 DVDs e leva 3 por R$ 10,00. “Um só é R$ 5,00”, informa a vendedora.

Ao saber que sou jornalista, a mãe fica nervosa a princípio, mas aceita falar sem qualquer identificação ou foto.

“Venho todo sábado, praticamente. É impossível não passar aqui para ver lançamentos. Em Campo Grande, as locadoras não têm muita opção para criança. Mas só compro para ela, para mim nunca. Prefiro ir ao cinema”, justifica.

Um pai, que também aparece pelo local, sai em defesa da pirataria, mas também sem se identificar. “Não quero falar meu nome porque as pessoas ficam querendo dar uma de culturalmente corretas e caem matando com as críticas”.

Mesmo assim, ele diz que é freguês assíduo e consome de CD a DVD pirata, sem constrangimento. “Vai numa locadora e é R$ 7,00 o aluguel de um filme e ainda não tem muita coisa que preste. Com esse dinheiro, compro 2”, argumenta o homem, aparentando 40 anos.

Ao lado, o filho adolescente reivindica. “Vim procurar documentários. Preciso estudar Vinícius de Moraes para o vestibular, mas não encontro nem original, nem pirata. Eles (bancas) deveriam fazer mais cópias de documentários”, reclama o garoto de 17 anos, apontando para uma caixa de documentários apenas com filmes sobre vida animal.

A caminho da feira, 2 bancas oferecem a pirataria. As mesmas pessoas também são vistas durante a semana em outros pontos da cidade revendendo as cópias. “Compro sempre delas (vendedoras) na feira da rua Amazonas”, lembra a mãe da menina de 3 anos.

“Acho que o legal é consumir cultura, isso movimenta o setor. Não vê as duplas sertanejas que estouram fazendo sucesso porque começam a vender cópias assim, na base da reprodução”, comenta a mulher, uma jovem bem vestida.

No último sábado, um carro na avenida Ceará indicava com faixa a venda da pirataria em promoção “5 por R$ 10,00”, incluindo jogos de videogames.

“Tá em todo lugar, até em frente das escolas os meninos encontram jogos piratas, é mais barato, não tem como evitar”, lembra a mãe de garoto de 10 anos, ainda na banca da feira.

O menino, muito conversador, elenca as vantagens para a compra. “Tem jogo aqui que eu nunca ia conhecer porque meu pai diz que é caro e nem assisto mais TV, é muito ruim, gosto mais de filmes”.

“As crianças hoje são muito mais espertas e acho que a pirataria tem essa contribuição porque facilita o acesso, mas eu sei que também tem um lado muito pior, que é o crime, esse povo que copia as coisas é uma máfia”, admite a mãe.

A psicopedagoga Lara Scalize lembra que o marido proíbe a compra de qualquer produto falsificado em casa, mas não recrimina quem consome a pirataria. “O que não é falsificado hoje em dia, né?”

Como profissional, o pensamento vai bem mais longe. Lara fala sobre as relações humanas falsificadas. “As pessoas compram relações falsas. Pensam que o amigo é uma coisa e não é, pensam que estão casando com um marido e depois não é nada daquilo”.

Em sites de relacionamento o que há é propaganda enganosa, lembra. “Tem gente até que se casa depois de conhecer alguém assim (internet)”.

A recomendação aos pais em uma cidade cercada pela oferta dos piratas é conversar muito com os filhos e incentivar sempre o original. “Temos de valorizar o verdadeiro, para que as relações sociais sejam verdadeiras”.

Do lado da lei, o delegado da Polícia Federal admite que a pirataria é um “crime fácil, de acesso fácil”.

Edgar Marcon, da Superintendência de Campo Grande, diz que o combate só depende da conscientização. “A fiscalização tem de ocorrer dentro de casa. É um crime grave, porque tira empregos formais e movimenta dinheiro sujo”, ataca.

Para o garoto de 10 anos, consumidor de filmes e jogos piratas, a observação de que a venda é crime não têm lógica. "Como que pode? Vende na feira".

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