ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 29º

Comportamento

Os Maoris e o valor dos índios que uma viagem à Nova Zelândia ensinou

Paula Vitorino | 21/06/2012 15:45
Apresentação Maori na vila térmica (vulcânica) Whakarewarewa, em Rotorua, Nova Zelândia. (Fotos: Paula Vitorino)
Apresentação Maori na vila térmica (vulcânica) Whakarewarewa, em Rotorua, Nova Zelândia. (Fotos: Paula Vitorino)

Foi quase instintivo, mas logo que cheguei à Nova Zelândia percebi que

em muitos detalhes a ilha - distante cerca de 17 horas de avião - se

parece muito com o Brasil. O verde e o azul intenso, por toda parte, a

beleza sobrenatural de algumas áreas – que muitas vezes parecem

intocadas, paradisíacas – e os traços, sorriso, cultura e cores de um

povo que estava ali antes de qualquer branco chegar: os Maoris.

Talvez por morar em Mato Grosso do Sul, o Estado do Pantanal, das

grandes fazendas e sangrentas tragédias envolvendo disputas de terras

entre indígenas e produtores rurais, a comparação dos Maoris com os

nossos índios vinha sempre a minha cabeça.

Os nossos, também descobriram o paraíso e receberam os primeiros brancos, são responsáveis por uma cultura única e misteriosa, além do sorriso e cores especiais.

Mas um detalhe gigante - que pulava aos meus olhos e gritava de

vergonha nos meus ouvidos - difere os dois povos: o respeito que

recebem dos que um dia foram “hóspedes” na terra descoberta e hoje se

acham donos.

 Os Maoris e o valor dos índios que uma viagem à Nova Zelândia ensinou

Enquanto na terra dos tupiniquins índio é "só um índio", que ao invés

de servir de motivo para o respeito vira argumento para boa parte dos

não-índios os tratar como se não fossem seres humanos, contabilizando suas

mortes como dados estatísticos, negando o direito a dignidade ou

sequer a propriedade de sua terra, que foi roubada há anos e nunca

devolvida; na terra de kiwi (como são chamados os que nascem na Nova

Zelândia), Maori é sinônimo de cultura de valor, e alto.

Eles são a estrela do turismo. Ir até à Nova Zelândia e não conhecer

ou assistir uma apresentação desse povo é como vir ao Brasil e não

conhecer o Carnaval ou o Cristo Redentor.

Pelo menos para mim, dois foram os desejos de realização desde o

início da viagem e que provocaram pulinhos de alegria quando foram

realizados: ver de perto – mesmo que no zoológico, dentro de uma sala

escura e por alguns minutos - o tal bichinho símbolo da Nova Zelândia

e em extinção, o kiwi, e assistir uma apresentação Maori, que

aconteceu no cenário mais que perfeito, em uma vila vulcânica habitada

por eles de nome difícil, Whakarewarewa, na cidade de Rotorua.

Pose típica dos Maoris para foto.
Pose típica dos Maoris para foto.

A mania Maori está espalhada por toda a Nova Zelândia com os artigos

confeccionados por eles ou que representam sua cultura e que podem ser

adquiridos em uma das dezenas de lojas de souvenirs – as peças são lindas, mas o preço não é muito atrativo.

Ainda existem inúmeros museus, templos – onde só é

possível entrar sem os sapatos -, cartões-postais e outros

representando a cultura dos primeiros habitantes neozelandeses.

A religião, os deuses, a língua e, principalmente, os legítimos Maoris são

respeitados.

Nos guias, nas primeiras páginas, o turista aprende

algumas frases na língua Maori para não passar vergonha com os

anfitriões do país. O mais popular é o Kia Ora, que significa “oi”.

Templo Maori.
Templo Maori.

Quando fiz rafting, o instrutor também ensinou algumas frases na

língua e antes de entrar no rio fez uma espécie de oração em Maori,

como se estivesse pedindo autorização ao deus das águas para explorar

a natureza tão bem preservada, em boa parte, pelos próprios Maoris.

E em meio a tanta riqueza, lógico, eu queria conhecer de perto um

Maori, mas fiquei receosa depois de criar "meu pré-conceito" com o que ouvi, até de brasileiros, sobre eles não serem muito, digamos, "sociáveis".

Segundo o conto, não era recomendável devolver um olhar no "fundo do olho" caso fosse encarada por um deles no meio da rua ou em uma balada, pois caso contrário corria-se o risco de terminar apanhando na Nova Zelândia - principalmente as meninas Maoris tinham "fama" de briguentas com as turistas.

História cheia de preconceito contada para turista - até lá acontece - ou não, devo dizer, então, que se isso é verdade, eu particularmente, só conheci o lado simpático desse povo.

Seja na rua, quando fiquei perdida, ou visitando suas vilas, todos os Maoris sempre me lançaram um sorriso largo, com olhar de “welcome” e, se é que existia algo de assustador, devo admitir que eles têm a maior língua que já em toda a vida. Pelo que aprendi e entendi, a língua faz parte das caretas utilizadas por eles como forma de espantar os inimigos. Impossível não rir.

Dança típica.
Dança típica.

É claro que a cultura e as crenças diferentes também chocam. Conheci

uma praia onde eles dizem que os espíritos dos mortos saem do corpo

para ir para o outro mundo, e vi homens com o rosto todo tatuado

andando pela rua, em um ponto de ônibus, por exemplo.

Aliás, eles também são famosos pelas tatuagens, características por

um emaranhado de riscos (perdão pela falta de sensibilidade à

tradição), todos carregados com os significados que os clientes pedem

– família, amor, proteção etc. Colegas brasileiros pagaram caro por

uma tatuagem com um legítimo Maori e mostraram orgulhosos os riscos,

acreditando que cada um contava uma história que eles tinham pedido.

A marca do Maori está espalhada por toda a Nova Zelândia, ou melhor,

Aoteroa, nome do país na língua do povo original. E é também exportada para

outras partes do mundo.

Praia Espíritos, onde os Maoris acreditam que as almas dos mortos saem dos corpos.
Praia Espíritos, onde os Maoris acreditam que as almas dos mortos saem dos corpos.

Direto da terra dos tupiniquins, sentia orgulho em saber que de onde

eu vim também há povos semelhantes. “Conheço esse colorido e esse

chocalho. Lá de onde eu vim também tem”, pensava. Mas não tive coragem

para contar sobre a vida dos nossos Maoris.

Mas mais do que isso, senti vergonha de todas as vezes que não dei o

devido valor ao índio, ao nosso índio. E do outro lado do Oceano vem a

lição sobre o valor e a importância de se preservar cada tribo, com

sua cultura, independentemente das diferenças.

Voltei sabendo falar Kia Ora (oi em Maori), mas me dei conta de que em uma vida inteira não consegui – ou fiz questão – de aprender sequer um “oi” nas

línguas nativas dos anfitriões da minha terra.

O motivo, talvez, seja ter caído no conto que os não-índios contam de que língua de fora é que tem mais valor.

E, também instintivamente, vem a dúvida: até quando a cultura indígena vai ser deixada de lado e o índio será tratado como um hóspede intruso do Brasil?

Nos siga no Google Notícias