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Comportamento

Para se apaixonar... as histórias de quem vive um amor por cartas

Paula Maciulevicius | 25/09/2012 14:26
O laço leva parte de uma mulher apaixonada pelo homem de sua vida. Histórias de amor que se passam por cartas. (Fotos: Minamar Júnior)
O laço leva parte de uma mulher apaixonada pelo homem de sua vida. Histórias de amor que se passam por cartas. (Fotos: Minamar Júnior)

“Seja meu como sou sua”, diz ela. “Você sabe que me faz falta”, responde ele. Iniciais escritas em corações numa folha de caderno ou bordados em toalhas. Juras de amor eternas. A dor da saudade trocadas em cartas entre as ruas Uruguaiana e Indianápolis.

Os dois estão em Campo Grande, mas a distância que os separa ultrapassa qualquer quilometragem. “Eu necessito. Eu preciso das suas cartas”, suplica ele. “Às vezes fico olhando a janela e procurando você e você não está, que amor é este que nunca está aqui?”, pergunta ela.

Ela é Vilma Moraes, 34 anos. Ele é Júnior César Pereira, 30 anos. Há oito meses é só por cartas que se falam. Juntos criaram na escrita um refúgio para quem vive um amor trancafiado. Ela esperou um mês até a primeira notícia chegar. Foi ele quem rascunhou as primeiras palavras de amor.

“Ele diz que me ama muito, que eu sou a mulher da vida dele”. “Eu me entreguei mais às cartas. É quase uma visita pra mim. A pessoa abre o coração. É o meio da gente conversar”. Os dois desabafam, um de cada vez, ao Lado B.

Todos os dias o casal tem a mesma rotina em ambientes diferentes. No final do dia, ela sobe à cama, pega o caderno e escreve como foram as últimas horas. Ele, após a jornada de trabalho e estudo, termina o dia em declarações de amor.

Um sorriso. Os olhos que brilham quando Vilma fala de Júnior. Ali ela é uma mulher apaixonada, como tantas outras que vivem o amor em liberdade.
Um sorriso. Os olhos que brilham quando Vilma fala de Júnior. Ali ela é uma mulher apaixonada, como tantas outras que vivem o amor em liberdade.

“Tudo o que vem na minha mente, eu escrevo”. Vilma é uma mulher apaixonada. Tem nos braços o nome do amor e nos olhos o brilho de quem vive um conto de fadas, criado pelos dois e alimentado a cada entrega de cartas.

“É algo que me domina, me transporta para outro mundo”. Ele contabiliza 70 envelopes. Ela, mais de 400 folhas. “Quem inventou as grades não sabia a dor da saudade”.

As cartas endereçadas a ela são entregues no Presídio Feminino. O que ela escreve a ele termina na cela do Instituto Penal de Campo Grande. Eles estão privados da liberdade, mas não de amar. Demonstram no carinho das palavras e no capricho das cartas que amam como qualquer um em liberdade. Que amar não é crime e que sofrer por um amor entre grades é muito pior.

“Eu choro, eu fico feliz de receber a carta. Tudo demonstra que ele gosta de mim mesmo. Que saudade de você meu amor”, ela diz à equipe, sabendo que ele depois, vai ler.

Presos juntos, por tráfico de drogas, cada um está pagando a sua pena. Mas mesmo atrás das grades, Júnior ainda consegue ser o ombro para a mulher amada.

“Eu pego a caneta e escrevo para a mulher que eu amo palavras de força, para fortalecer ela lá. Nem eu imaginei que ia escrever, mas fui me apegando a esse negócio de carta. Eu te amo, eu te adoro”.

A forma de contar se mistura à paixão que os dois aprenderam a demonstrar pelas palavras. Nos dois depoimentos, o casal começa abrindo o coração para a reportagem e terminam em frases de amor voltadas um para o outro.

Ao contar do dia-a-dia, Júnior fala de acordar cedo, trabalhar, estudar. Circula entre as grades como quem cruzasse a rua. Sensação de liberdade que as cartas lhe deram. “Ajuda bastante, eu saio do espírito da cadeia. Eu sou livre quando estou escrevendo”.

Ela, não se contenta em falar de sua história de amor. Escolhida pela Agepen por ser a mulher que mais gastou folhas de cadernos em cartas quilométricas, Vilma pula de alegria quando o Lado B diz que também vai falar com um preso.

O sorriso se abriu quando ele ouviu que ela está bonita. “Vocês falaram com ela? Assim de pertinho também?”. O coração de um homem que ama também sofre a saudade.
O sorriso se abriu quando ele ouviu que ela está bonita. “Vocês falaram com ela? Assim de pertinho também?”. O coração de um homem que ama também sofre a saudade.

“Um preso? Chama o Júnior. Tem que ser o Júnior! Por favor, pede para falar com ele, pede, pede”. Ali ela não era uma presa. Era uma mulher amando, que pedia a mim, a ajuda que pediria a uma amiga para ter qualquer contato que fosse com o amado.

“Diga a ele que estou bonita e sorridente, por favor. E foto você pode tirar uma foto para eu mandar pra ele? É que ele não me viu assim ainda, eu coloquei dois dentes”, aponta para a própria boca.

Atendemos o pedido e um dia depois Júnior também se abriu ao Lado B. “Vocês falaram com ela? Assim de pertinho também? Como agora? Que massa”. A alegria no rosto dele era de um homem se recordando do semblante da mulher que ama.

“E como ela está? Ela está bonita? Ela está magra? Engordou?”. A resposta que lhe abriu o sorriso foi de que ela está loira e, sim, bonita. Se o amor ilumina o rosto, o deste casal, mesmo separados pelas grades, esbanjava paixão.

A ‘branquela’ e o ‘meu preto’ só escrevem um para o outro. Amor e consolo de não ter contato com a família. Os dois não têm notícias dos familiares desde a prisão. A irmã de Vilma até a visitou uma única vez. Um tem apenas ao outro.

Paralelo às cartas de amor, estão os chefes de segurança de cada presídio. Erênia Ramona, tem 51 anos e 30 de sistema penal. Walter José Cardoso, 49 desde o nascimento e 23 do que ele chama de ‘sacerdócio’, ajudar na ressocialização de presos.

As cartas de amor passam por eles todos os dias. A parte do serviço que arrancam suspiros. Eles são apenas dois que junto de outros agentes penitenciários olham, em média, as 400 cartas que saem dos presídios da Capital.

“São 20 anos fazendo a leitura das cartas. Elas são muito apaixonadas, com dizeres lindos, falam muito em Deus, em reconstruir a vida. Este marido, o Júnior, conseguiu por uma carta mudar a Vilma. Ele incentivou ela a trabalhar, a estudar e isso através de uma carta”.

Entre as 10 cartas que lê diariamente, Walter não nega a emoção. Ele também se contagia. “Você vê que duas pessoas ainda que separadas assim, sentem amor e romantismo. É uma forma de matar a saudade, de dar carinho”.

Todos os dias ele vê nas escritas dos casais as próprias histórias de amor. Personagens e enredo que dariam uma novela. De viver um romance separados pelas grades.

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