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Comportamento

Um casamento das arábias em Campo Grande, com direito a dote e "banho" de jóias

Paula Maciulevicius | 20/06/2012 12:20
Rasem e Amani, noivos muçulmanos que se casaram como mandam as tradições, mas adaptando também aos costumes brasileiros. Os dois da Palestina, mas crescidos ele nos Estados Unidos e ela no Brasil. (Fotos: Marcos Vollkopf)
Rasem e Amani, noivos muçulmanos que se casaram como mandam as tradições, mas adaptando também aos costumes brasileiros. Os dois da Palestina, mas crescidos ele nos Estados Unidos e ela no Brasil. (Fotos: Marcos Vollkopf)

A história mais parece um conto de fadas, mas vivido em outra cultura e religião. Numa época em que para estar casado basta morar junto, um casamento com várias celebrações e até dote pago pela família do noivo, à noiva, encanta. Mais ainda pelos costumes, que não se perderam mesmo os noivos vivendo no Ocidente. O valor do dote, claro, não é divulgado, mas a noiva explica que é o suficiente para viver, caso o pior aconteça e o casamento não dê certo.

A personagem desse conto de fadas é jornalista e muçulmana. Sempre do outro lado, agora foi a vez dela ser a entrevistada. Amani Jaber disse o "sim" no início de junho. O último de uma safra de afirmações durante todo o período, de compromisso até o casamento. O marido, Rasem, assim como ela, é nascido na Palestina, mas se criou em Chicago, nos Estados Unidos, enquanto ela veio para o Brasil.

Ao contrário do que possa parecer, o casamento não foi arranjado, mas foi a sogra que gostou dela primeiro, conversou com uma tia de Amani e a família fez conchavo. A mãe dele mostrou ela ao filho e durante um casamento nos Estados Unidos, os dois se aproximaram. "Ela gostou de mim primeiro, dei sorte, foi uma benção", fala Amani.

Os dois mantiveram contato enquanto ela voltou à rotina do Brasil. E em junho do ano passado, quando ela foi com a família para visitar parentes na Palestina, os dois se reencontraram. A mãe de Amani afirma categoricamente que ele foi lá atrás dela, sabendo que ela estaria lá. Propositalmente ou não, foi nesta ocasião que os dois assumiram o compromisso, o chamado "Tulba".

Amani explica que pela tradição são vários rituais do casamento. O primeiro foi o "tulba", que traduzindo significa pedido. "Com este pedido você comunica para todas as outras pessoas que foi pedida e é a primeira vez que visto uma joia dada pela família do noivo", relata.

Durante a festa, o noivo recebe da família dele um baú de joias para vestir a esposa. (Fotos: Marcos Vollkopf)
Durante a festa, o noivo recebe da família dele um baú de joias para vestir a esposa. (Fotos: Marcos Vollkopf)

Depois do "tulba", os preparativos já começaram para o casamento que ainda será realizado nos Estados Unidos, onde vivem grande parte dos familiares de Amani e toda a família de Rasem.

"Mas eu não podia sair daqui sem fazer uma festa, sem ter o casamento com os meus amigos, colegas de profissão", comenta. Há dois meses a vontade de subir ao altar misturando as culturas bateu mais forte. E na loucura, ela conseguiu realizar o sonho.

Em março, ela e Rasem ficaram oficialmente noivos, o chamado "Imlac", aqui em Campo Grande. Com a benção do sheik, líder da mesquita, eles deram o primeiro passo da celebração do casamento.

Em seguida veio a negociação do dote, quando os homens mais velhos das duas famílias se reúnem para discutir o preço a ser pago à noiva. "É uma mistura da da situação financeira da família do noivo e o valor que se dá a noiva. Às vezes a gente vê eles brigando, minha filha vale muito mais que isso", brinca. Amani já havia adiantado que o valor não falaria, mas explica que é uma segurança para a noiva.

Após vestir as joias, os convidados que seguem as tradições árabes, colocam no vestido da noiva, envelopes com presentes. (Fotos: Marcos Vollkopf)
Após vestir as joias, os convidados que seguem as tradições árabes, colocam no vestido da noiva, envelopes com presentes. (Fotos: Marcos Vollkopf)

"É um dinheiro que ela vai usar se não deu certo, se o homem não foi um bom marido. Tudo é calculado pensando nisso. Eu não posso reclamar", comenta aos risos. Sinal de que o valor foi satisfatório.

Um dia antes do casamento, a festa celebrada é a da hena, quando as mulheres da família e a noiva pintam as mãos. Manal, irmã da noiva estava com os braços pintados, sinal de que alguém da família dela se casou. Já a protagonista, estava apenas com a mão esquerda, onde se usa a aliança, pintada. A pintura é feita por uma pessoa habilidosa, deve ser um dia antes para secar bem e evitar borrões.

A tinta veio da Palestina, feita manualmente por uma prima da família da noiva. Sobre o casamento como um todo, Amani brilha os olhos na hora de falar do significado. "O que eu estou fazendo é uma tradição milenar, minhas minhas avós fizeram, bisavós e tataravós também", diz.

O casamento reuniu 300 pessoas, entre familiares, amigos e colegas de profissão. Para compor a festa, a noiva conta que emprestou algumas das tradições brasileiras, como os padrinhos. A celebração religiosa e a festa foram feitas em um só local, no Golden Class. Para chegar ao noivo, ela foi conduzida pelo irmão, ao som da marcha nupcial, após a entrada dos padrinhos e damas. Depois do sim, o casal veste a aliança e o véu dela é erguido.

Para recepcionar os recém casados, as mulheres da família devem vir à frente. Todas elas vestem o "kholkan", roupa específica que as diferencia do restante das convidadas, como da família. Elas ficam aguardando o casal que é trazido pelos homens da família, que vestem o "hata", uma espécie de lenço, para então recebê-los.

Toda a cerimônia foi ministrada em árabe e traduzida por um dos padrinhos. Amani revela que incorporar a festa às duas culturas foi difícil. As mulheres que trabalharam durante a festa tiveram de usar véu. O cerimonial foi todo repensado. Em determinado momento da festa, os noivos sobem a um palco. O pai dele traz as joias que o agora, marido, deve vesti-la.

Levada pelo marido e homens da família, a noiva é apresentada como casada aos convidados. (Fotos: Marcos Vollkopf)
Levada pelo marido e homens da família, a noiva é apresentada como casada aos convidados. (Fotos: Marcos Vollkopf)

Depois de vestir as joias, que não são poucas, os convidados dão os presentes que se resumem a joias e dinheiro. Amani explica o porque do ouro "é o símbolo da eternidade, passa de mãe para filha, representa segurança e beleza".

Na festa, o que não faltou foi comida. Costume e também medo da mãe da noiva de que faltasse à mesa. "Tínhamos que oferecer o que tem de melhor na comida árabe, tinha que ter fartura, ser generosa", comenta.

Ainda na celebração, a noiva faz a dança das velas, exuberante, a noiva se movimenta desejando tanto a ela e ao noivo, como os convidados, que o ritual ilumine a vida. Em determinado momento, Amani é erguida e desfila pelo salão carregada pelos homens da família em uma cadeira, mostrando que agora é uma mulher casada. Na mesa de sobremesas, doces árabes vindos da Palestina, que também possuem significado "é o desejo de que a vida seja tão doce quanto dos quitutes".

As famílias de Amani e Rasem já se conheciam desde que as mães eram solteiras. "Eu cresci no Brasil e ele nos Estados Unidos, preservamos de longe os costumes, mesmo fora do mundo árabe. Na hora de casar, escolhemos um ao outro, eu poderia ter casado com qualquer árabe do mundo", finaliza a jornalista explicando que no fundo tinha que ser ele.

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