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Consumo

Barbearia abre todos os dias, mesmo sem clientes, mas isso parece não importar

Lucas Arruda | 13/08/2015 06:34
Barbearia vazia, como na maior parte do tempo.
Barbearia vazia, como na maior parte do tempo.

No Caiçara, um salão pequeno, de cor azul, sem nenhum nome na fachada, tem apenas alguns senhores jogando baralho durante à tarde. Ao parar por ali, descubro uma pequena barbearia, o "Salão Azul". Não tem relação alguma com o estabelecimento de mesmo nome, tradicional no Centro de Campo Grande. É bem mais modesto e vazio.

O barbeiro é um senhor proseador, que fala do passado com um sorriso no rosto, mas sem papas na língua. Quando pergunto o porquê dele decidir seguir a profissão de cabeleireiro, ele solta: “Cabeleireiro não, barbeiro. Cabeleireiro não é coisa de homem, só de mulher”.

E não é só nisso que o radicalismo desponta. Ele é do tipo tradicional, não tem nenhum traquejo moderninho, gosta mesmo é do clássico corte masculino. "Não faço corte como esses meninos fazem hoje em dia, corta do lado e deixa grande em cima. Isso não é corte de cabelo não."

José Cavalcante, mais conhecido no bairro como Zequinha, chegou em Campo Grande em 1969. De Alagoas veio ainda criança para Mato Grosso do Sul e foi criado em Dourados. De lá foi tentar a vida em São Paulo com a esposa, para então vir para cá.

Aqui começou a trabalhar na barbearia do sogro, aberta um ano antes. Depois do proprietário falecer, continuou tomando conta do negócio e se apaixonou pela profissão.

Naquela época, o salão era o único que fazia esse tipo de serviço na região Sudoeste da cidade e vivia lotado, garante. “Atendia gente da alta sociedade, políticos, fazendeiros, pobres, todo tipo de pessoa. Fazíamos de 30 a 40 cabelos por dia”, recorda Zequinha que hoje cobra R$ 15,00 para fazer barba ou cabelo. 

Barbearia abre todos os dias, mesmo sem clientes, mas isso parece não importar

Da profissão de barbeiro, Zequinha tirou o sustento da família e criou os três filhos, nenhum seguiu o caminho do pai. “Estão todos formados, com suas próprias firmas”, fala orgulhoso.

Com o tempo e a concorrência, o Salão Azul do Caiçara foi perdendo a clientela. Ficaram apenas os amigos fiéis. “Só atendo a velharada agora”, brinca o barbeiro, que todos os dias abre o salão, mesmo sem clientela certa.

Os móveis são os mesmos de 1969, o armário azulzinho, de 4 gavetas, e a cadeira da década de 60. Já o barbeador é elétrico, assim como o rádio sempre plugado na tomada. Sobre o balcão, álcool, gel de cabelo e talco.

Sem movimento, o que restou foi começar a jogar baralho em frente o estabelecimento com os amigos todas as tardes. Mas não tem tempo ruim. Zequinha parece não se importar com a folga prolongada, pelo contrário. A felicidade é jogar conversa fora em uma boa disputa nas cartas. Uma paz que cliente pode até atrapalhar.

O jogo na mesa montada na fachada da barbearia começou há bastante tempo. Zequinha nem se lembra de quanto. O espaço é amplo Sempre jogam caixeta, ele mais dois, três ou quatro amigos. “Nunca passamos de cinco pessoas aqui”, comenta.

Dos amigos fiéis que começaram o passatempo, dois já morreram, mas sempre aparece um novo disposto a entrar no lugar. “Comecei a vir aqui um dia ou outro, para matar a tarde, agora venho quase todo dia”, conta o vendedor Luiz Alberto Carneiro, que joga há dois meses.

Já o aposentado Aderbal de Carvalho, que frequenta o lugar há vários anos, nem tudo são flores nas tardes de jogo. “Às vezes nós brigamos aqui, ficamos um dia sem jogar, mas logo todo mundo volta, ninguém consegue ficar sem”.

Zequinha dá razão ao que o amigo disse. “Hoje já não atendo quase ninguém, o baralho é o que me mantém ainda”, conclui.

O salão Azul fica na rua Carlos Chagas, 416, no Caiçara.

Barbearia abre todos os dias, mesmo sem clientes, mas isso parece não importar
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