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Consumo

Cego desde que nasceu, Roque vive de consertar coisas, sempre com super sorriso

Adriano Fernandes | 01/03/2016 06:34
Apenas pelo tato, senhor Roque aprendeu a ganhar a vida da forma que ele tem de enxergar o mundo.(Foto: Marcos Ermínio)
Apenas pelo tato, senhor Roque aprendeu a ganhar a vida da forma que ele tem de enxergar o mundo.(Foto: Marcos Ermínio)

A deficiência visual nunca impediu Roque Ratier Gonçale, de 59 anos, de trabalhar. Mesmo cego, ele já foi vendedor de leite, lenhador e até desossador em frigorífico. Mas há trinta anos ele deixou de lado as facas para lidar com a eletricidade.

Em uma casinha simples do Bairro Vilas Boas, ele e a esposa, dona Olivia Ferreira Gonçale, de 62 anos, ganham a vida da forma que ele enxerga o mundo: com a habilidade das mãos. De ventiladores à chapinha, ele concerta o que aparecer.

Simpático, Roque diz que se limitar a não fazer nada por causa da deficiência é coisa de preguiçoso. (Foto: Marcos Ermínio)
Simpático, Roque diz que se limitar a não fazer nada por causa da deficiência é coisa de preguiçoso. (Foto: Marcos Ermínio)

“Mas eu trabalho desde quando era criança”, afirma. Mesmo sem enxergar desde que nasceu, ainda na zona rural de Sidrolândia, município onde nasceu, Roque conta que auxiliava o pai na lida no campo.

“Meu pai era capataz em fazenda e eu, mesmo sendo muito novo, fazia questão de ajudar ele catando lenha no cerrado, tirando leite. O objetivo dele naquela época era juntar o dinheiro para comprar um terreno, aqui em Campo Grande”, recorda.

No ano de 1960, ele, os pais e os 8 irmãos se mudavam para Campo Grande para morar no tão sonhado terreno, comprado na Vila Carlota. Mas a estrutura da casa ainda era improvisada. “Nos mudamos para cá, para morar de baixo de uma lona”, comenta.

De trabalhador rural, o pai virou carneador em frigorífico e no ano de 1973 foi a vez dele, seguir o mesmo caminho. “No frigorífico eu era responsável pela limpeza das tripas e até desossa. Fui funcionário de 1973 até o ano de 1978, quando me aposentei”, conta.

A caixa de ferramentas do eletricista tem todos os tipos de ferramentas.(Foto: Marcos Ermínio)
A caixa de ferramentas do eletricista tem todos os tipos de ferramentas.(Foto: Marcos Ermínio)
Ele identifica todas as peças e efetua as trocas apenas pelo tato.(Foto: Marcos Ermínio)
Ele identifica todas as peças e efetua as trocas apenas pelo tato.(Foto: Marcos Ermínio)

Nas mãos, as poucas cicatrizes dos cortes são a prova dos 5 anos de oficio. “Mas rapaz, até hoje eu amolo uma faca que dá para fazer a barba”, ri. E os dotes são bem explorados em casa. “Quem corta a carne do almoço aqui sou eu, para não correr o risco dela se machucar”, aponta sorridente para dona Olivia.

Mas com a chegada da aposentadoria, a inquietação de quem nunca se acostumou a ficar parado só aumentava. Até o dia em que ele, por conta própria, se arriscou nos primeiros consertos de ferros de passar roupas.

Roque garante, que nunca precisou fazer nenhum curso de especialização. “Quando eu comecei a consertar eletrodomésticos, só contei com a ajuda de um amigo meu que tinha especialização no SENAC e que me deu algumas aulas”, comenta. Só pelo tato, ele diferencia as chaves de fenda para cada tipo de serviço e as peças de cada eletrônico.

Dona Olivia é quem o auxilia para garantir que o resultado seja o mais caprichado possível. “Mas eu só cuido da parte da limpeza. Limpo cada peça, engraxo os ventiladores quando é preciso e arrumo na caixa para devolver tudo limpinho. Só não mexo na parte elétrica. Tenho medo de choque, eletrônico, essas coisas”, ri.

Preocupado com a segurança da esposa, Roque faz questão de cuidar da parte mais delicada do serviço. “Ela só cuida da limpeza e eu da parte eletrônica, porque é mais seguro para ela”, brinca.

Brincalhão, senhor Roque diz que nem sente a voltagem dos fios desencapados. (Foto: Marcos Ermínio)
Brincalhão, senhor Roque diz que nem sente a voltagem dos fios desencapados. (Foto: Marcos Ermínio)

Sempre muito simpático e brincalhão, Roque faz questão de fazer pose para foto, segurando a ponta de dois fios descascados de 110 volts, sem nenhum tipo de proteção. “Eu já levei tanto choque que me acostumei. Não sinto mais nada”, faz farra.

O modelador de cachos que ele tinha acabado de trocar a fiação, está só a espera da cliente. “Em terra de chapinha, quem tem cabelo cacheado é rainha”, brinca.

Parceria para vida toda – Desde que se conheceram, há 21 anos, Roque e dona Olivia trabalham juntos. “Eu encontrei ela pela primeira vez na casa de um primo. Naquela hora eu já pensei: vou namorar com essa menina!”, comenta.

Há 21 anos, senhor Roque e dona Olivia são parceiros na vida e no amor. (Foto: Marcos Ermínio)
Há 21 anos, senhor Roque e dona Olivia são parceiros na vida e no amor. (Foto: Marcos Ermínio)

No mesmo dia, ele já passou o telefone do “orelhão” por onde eles poderiam se falar com mais frequencia. Algum tempo depois, se casaram e foram trabalhar juntos. Por dez anos o casal consertava os eletrônicos em um trailer, na Rua Spipe Calarge.

“Mas lá não era tão bom, meu filho. Foi quando eu sugeri para ela: Vamos trabalhar em casa, meu amor? Deus vai abençoar nós dois e o que ele nos mandar, vai estar bom”, comenta dona Olivia.

E na casinha que foi construída aos poucos no Vilas Boas, eles atendem clientes de cidades como Camapuã, Sidrolândia e Dourados.

“Tem dia que a gente consegue R$ 20,00 R$ 60,00 ou R$ 70,00. Outros dias nada, mas nós agradecemos de qualquer forma”, ela diz.

Justamente por causa da deficiência, Roque é um exemplo de força de vontade. “Eu agradeço a Deus todos os dias, porque mesmo eu não tendo visão, ele me deu a grande inteligência do trabalho com as mãos”, conclui. 

Com exceção de televisores ou geladeiras, por exemplo, Roque conserta todo tipo de eletroeletrônico portátil.

Mas os objetos têm que ser levados diretamente no endereço do casal, na Rua São Félix, 2387. Os valores dos consertos variam de R$ 20,00 até R$ 30,00. Os telefones para contato são 3388-4197 e 9131-8261.

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