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Diversão

No Aero Rancho, Ayrton Senna é encontro da velha-guarda do basquete ao rap

Parque é ponto de encontro de amigos que vivem na Região Sul da capital, seja para improvisar um rap, praticar esportes ou simplesmente curtir a tarde.

Gustavo Maia | 30/12/2018 08:46
Batalha da Senna é disputa que rola todo sábado para ver quem é melhor no improviso. (Foto: Gustavo Maia)
Batalha da Senna é disputa que rola todo sábado para ver quem é melhor no improviso. (Foto: Gustavo Maia)

Continuando a nossa série sobre os parques da cidade e a relação que os campo-grandenses têm com eles, o Lado B visitou no último sábado o Parque Ayrton Senna, no Aero Rancho. De batalha de rimas, saudade das piscinas e até velha-guarda do basquete, o Senna, como ele é chamado, reúne de tudo um pouco.

Com codinomes pra lá de curiosos como Drone, La Brysa, Kamisa 10, Midas e Anúbis, um grupo de amigos se reúne todo sábado no parque para disputar batalhas de rima, onde eles cantam rap improvisado ao som de uma caixinha que dá a batida. Deyvid Wilker, de 17 anos, ou Anúbis, como ele é chamado, é quem organiza o encontro, chamado Batalha da Senna. Ele explica que a ideia surgiu da vontade de descentralizar os encontros. “A maioria dos grupos de rima está na zona oeste ou no centro da cidade, e a gente queria criar um encontro para reunir o pessoal da zona sul, dos bairros daqui”, conta.

Existem várias categorias de batalha: de conteúdo, de conceito, e até “de sangue”, a que estava rolando no último sábado, em que os oponentes, organizados em duplas, basicamente tentam “destruir” a dupla adversária usando como munição todos os argumentos que puderem - desde a aparência do outro rapper até as relações que existem entre eles - e tudo sem perder a rima e a amizade.

La Brysa é uma das poucas garotas que competem na Batalha da Senna. (Foto: Gustavo Maia)
La Brysa é uma das poucas garotas que competem na Batalha da Senna. (Foto: Gustavo Maia)

Mas para quem pensa que é só chegar lá e rimar, o buraco é um pouco mais embaixo: na avaliação do rap perde ponto quem não tiver flow, ou seja, sair do ritmo da música. Além disso a dicção e até a métrica dos versos são avaliados. Mas não para por aí - o último item avaliado é o ataque, que é como se fosse o poder que a rima feita tem de abalar o psicológico do adversário, e fazer a galera vibrar. A nota final quem dá é a plateia, levantando a mão e fazendo barulho para indicar a dupla vencedora.

E se você acha que Mato Grosso do Sul não tem nada a ver com rap, os jovens fazem questão de registrar com orgulho que o atual campeão nacional de batalha de rimas, MC Miliano, é de Dourados. Ele venceu a final do Duelo de MC’s Nacional 2018 no último dia 15, em Belo Horizonte, contra o mineiro NG.

La Brysa, de 24 anos, é uma das poucas garotas que participam da Batalha da Senna. Na disputa de sábado ela levou a melhor, mostrando que o gênero não importa, o negócio é rimar. Marcos Vinícius, de 24 anos, é conhecido nas batalhas como Jahrak. Para ele, conseguir rimar de improviso pode ser uma habilidade natural, mas também pode ser questão de treino, e a rima pode ser sobre qualquer coisa: “se eu tô em casa lavando louça, eu começo a rimar sobre a louça. Preciso sempre praticar pra evoluir. Mas tem gente que já tem um talento, não precisa treinar”, explica ele.

Caminhando pelo parque, que é gigantesco, encontro Valcira Pinheiro, de 51 anos, que aproveita a vista do pôr do sol enquanto o neto pedala ali por perto. Ela é moradora do Aero Rancho há mais de 30 anos e costuma ir ao parque levar as crianças para “gastar a energia”. Dona Valcira, que acha que o parque podia ser um pouco mais arborizado e com mais bancos, lembra da época em que as piscinas estavam funcionando e eram, segundo ela, a atividade mais cobiçada do parque. “Antigamente aqui era muito gostoso, quando as piscinas funcionavam. O pessoal tomava banho a tarde inteira, quem tinha a carteirinha médica. Vinha praticamente o bairro inteiro, era a atração do Ayrton Senna”, relembra ela que viu a criação do parque, cheia de nostalgia.

Times são, na verdade, amigos de longa data que mantém tradição do basquete no Aero Rancho. (Foto: Gustavo Maia)
Times são, na verdade, amigos de longa data que mantém tradição do basquete no Aero Rancho. (Foto: Gustavo Maia)

Enquanto converso com dona Valcira, a comemoração de um grupo na quadra de basquete chama a nossa atenção. Com jogadores de várias idades, os times não parecem se importar muito com quem está ganhando ou perdendo, o jogo parece mais uma brincadeira entre amigos. E era exatamente isso que estava rolando, como explica o funcionário público Jorge Luiz. “Eu jogo basquete aqui desde os 12 anos, e eu já estou com 32. Isso aqui, no final de semana, para a gente é diversão. Nosso treino é durante a semana”, conta. Ele é um dos jogadores da “velha guarda” do basquete, que assim como Wellington Thiago, Rafael Godoy e Geovane Cebalho, continuam se encontrando na quadra do Ayrton Senna desde quando eram crianças.

Jorge aproveita para reclamar da ausência de ações contínuas no parque, para tirar a criançada da rua. Para ele, a Prefeitura até desenvolve algumas ações pontuais, mas o parque continua sendo subutilizado. “Essa estrutura aqui é gigantesca, tem potencial para receber várias coisas, vários projetos ao longo do ano, mas isso não acontece. O que acontece é uma ação ou outra, algumas vezes, perto das eleições”. Ele acredita que investimentos em educação e esporte poupariam gastos com tratamento de futuros dependentes químicos ou presidiários, por exemplo. “A gente vive num bairro pobre, onde o tráfico está presente, e parece que o Estado acha melhor prender um criminoso ou internar um doente, do que educar um jovem, um adolescente”, desabafa.

Time das antigas do Ayrton Senna. (Foto: Gustavo Maia)
Time das antigas do Ayrton Senna. (Foto: Gustavo Maia)
Nova geração de jogadores do Aero Rancho. (Foto: Gustavo Maia)
Nova geração de jogadores do Aero Rancho. (Foto: Gustavo Maia)

Rafael Godoy, que hoje já traz a filha para o jogo, lembra da época em que ainda não existiam as quadras poliesportivas do parque, que hoje são cobertas. “A gente jogava numa quadra descoberta que tinha ali embaixo, que hoje está desativada. Naquele tempo a gente não tinha essa estrutura que tem hoje aqui. O chão era de cimento mesmo, acabava com os tênis da galera. Eu olho os tênis que essa gurizada tem hoje em dia pra jogar, a gente não tinha nada disso. Hoje a gente joga com bola profissional, na época não era assim. E mesmo assim a gente jogava, não ligava pra essas coisas”, conta ele, que ganhou uma bolsa de estudos para cursar Administração graças ao basquete.

Eles contam que os campeonatos, organizados por eles, são feitos com ajuda da famosa vaquinha: “cada um dá um pouco, a gente compra medalha, um troféu, e assim vai”, relata. E nesse ritmo eles já conseguiram exportar talentos do basquete para equipes profissionais até de outros estados. “Vários jogadores que jogam profissionalmente hoje aí pelo Brasil a fora, saíram daqui, do Ayrton Senna, mesmo com a pouca estrutura que a gente tem aqui, jogando com equipamento velho, com bola velha. A única coisa nova que tem aqui é a energia dessa garotada”, analisa ele.

Assim como aconteceu no Parque Tarsila do Amaral, na semana passada, o Ayrton Senna vai receber nos dias 2, 3 e 4 o projeto Férias no Parque. E o próximo parque a receber a ação da Prefeitura, nos dias 9, 10, e 11 de janeiro, vai ser o Jacques da Luz, na Moreninha. Se você mora nas redondezas, fique ligado que o Lado B vai passar por aí pra contar o que tem rolado no bairro e conhecer as suas histórias.


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Velha guarda e nova geração do basquete se unem para não deixar esporte acabar. (Foto: Gustavo Maia)
Velha guarda e nova geração do basquete se unem para não deixar esporte acabar. (Foto: Gustavo Maia)
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